KO DE CAROLINA AO “MESTRE” JOÃO

Se expurgarmos o discurso da presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, proferido ontem na abertura do ano parlamentar, dos poucos mas inevitáveis tiques de bajulação ao “querido líder”, encontramos uma intervenção política que dá uma clara cabazada ao inócuo devaneio de João Lourenço. Do mal o menos. Eis, na íntegra, a intervenção da terceira figura da hierarquia angolana:

«Começo por dar as boas-vindas a Sua Excelência o Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, a esta Casa que é das Leis e à qual a Constituição chama Assembleia Nacional.

Não sou eu de forma individual, mas sou eu em voz colectiva, de todos os deputados e cidadãos, que o faz. A Assembleia Nacional é o Parlamento da República de Angola, representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade soberana do povo e exerce o poder legislativo, sendo por Deputados eleitos por sufrágio universal, livre e igual, representando todos os que neles votaram e criando a hegemonia social nacional.

Para que possamos olhar com firmeza o trabalho que aqui vamos desenvolver, durante a V.ª Legislatura, gostaria de caracterizar de forma humana a nossa Assembleia Nacional que conta nesta legislatura com a maior presença feminina de sempre, com 83 deputadas, o que representa 37,7%, no total de 220 deputados.

A média de idade dos deputados eleitos nesta legislatura é de 53 anos o que representa um rejuvenescimento e uma aposta na consolidação dos valores sociais e democráticos da nossa Nação, estabelecendo um equilíbrio geracional e de género que gostaríamos de ver multiplicados em todos os sectores da nossa sociedade.

São estes jovens, estas mulheres e estes homens que, com uma forte consciência da importância das questões do género, do acesso do género ao ensino e às profissões, que vão evidenciar em permanência questões fundamentais como a importância da família como elo de desenvolvimento e agregador da educação e a relevância das comunidades que juntas formam a idiossincrasia da nossa Angola.

Estou convicta que todos nós com responsabilidades acrescidas queremos criar as condições para vencer as dificuldades e atingir o bem-estar e prosperidade para todos.

Para o início desta nova Legislatura com sucesso, precisamos compreender de forma mais profunda as dificuldades que o País enfrenta, os desafios que temos para os próximos anos, os planos para o seu desenvolvimento, assim como o sentido das nossas responsabilidades, como representantes do povo dentro do contexto nacional e da agenda para o desenvolvimento sustentável.

A participação de Vossa Excelência Senhor Presidente da República nesta Cerimónia solene, mais do que representar o simbolismo do cumprimento de um preceito constitucional releva evidências fortes da institucionalização do Estado Democrático de Direito em Angola, assim como de relações estáveis entre os três Órgãos de Soberania aqui presentes que constituem a nossa República, no que concerne à cooperação e interdependências de funções para a realização dos interesses comuns do povo Angolano.

O Estado da Nação constitui um ponto de situação que permitirá os senhores deputados a esta Assembleia e os demais Órgãos de Soberania, a associarem-se aos esforços do Executivo para melhorar as condições de vida das nossas populações.

A missão dos Deputados independentemente das cores partidárias que representam, é de contribuir de forma incansável para o desenvolvimento e bem-estar dos angolanos e a realização dos grandes objectivos em prol do desenvolvimento nacional e da melhoria da condição de vida do povo que temos a grande honra e o dever de servir.

Esta casa da Democracia é o espaço por excelência da representação das angolanas e angolanos em toda a sua diversidade de opiniões, para além das funções legislativa e de fiscalização política do Poder Executivo, sendo este o verdadeiro centro do debate político.

Terminado o momento eleitoral, investidos os representantes do Povo, é pois o momento da promoção pelos dirigentes políticos da estabilidade institucional, evitando os populismos, e do cultivo de uma relação de harmonia e respeito mútuo, no escrupuloso cumprimento das regras constitucionais e dos princípios democráticos fazendo prevalecer o diálogo para que a comunicação possa contribuir positivamente para se conseguirem consensos apesar das diferenças ou antagonismos existentes.

Esta é a nossa casa e é aqui que os temas deverão ser trazidos e debatidos honrando o nosso compromisso com a paz social e a democracia.

O debate parlamentar deverá ser ordeiro, com respeito de duas regras elementares.

Uma é o respeito por todos os mandatos que resultam da livre expressão de voto dos angolanos; outra é o respeito pela vontade popular, traduzida na grandeza dos diferentes grupos parlamentares e dos partidos aqui representados.

Partilhamos o mesmo destino e os mesmos valores, ainda que nem sempre trilhando os mesmos caminhos. Neste presente que vivemos, não é fácil compreender todas as soluções encontradas pelo Executivo, embora haja quem pense que o crescimento económico e o desenvolvimento social e humano poderiam impor-se por artes quase instantâneas.

Mas a verdade é que o desenvolvimento implica tempo, estratégia, leis, e sobretudo que todo um povo compreenda que os sacrifícios vêm sempre antes das vitórias.

Temos pela frente um ano parlamentar complexo e desafiante, num contexto de recuperação das adversidades económicas e sociais e também humanas causadas pela crise Pandémica da Covid-19 que numa onda mundial atrasou o desenvolvimento das economias a nível global.

É fundamental velar para que a economia esteja à altura dos temas que consideramos essenciais no apoio aos que mais necessitam, no foco a concentrar na segurança alimentar do País e na escolaridade como alavanca para o desenvolvimento.

Cuidar da economia é uma condição indispensável para se assegurar a estabilidade política e o crescimento do bem-estar social. Angola precisa de manter o rumo da diversificação da sua economia, de modo a dependermos com menos peso e força de mercados voláteis e de bens que comprovadamente podemos produzir localmente.

Confiamos que o Executivo liderado por Vossa Excelência no caminho para a concretização destes grandes objectivos vai continuar a preservar a consolidação da paz, o reforço da democracia, a preservação da unidade nacional e a multiplicação de iniciativas de responsabilidade social com vista a promover o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida de todos angolanos.

O País assiste à conclusão e implementação de projectos dos sectores da energia e águas e do programa de reabilitação das vias secundárias e terciárias e de construção das estruturas de plataforma logística e de apoio ao comércio rural, factores decisivos para o aumento do emprego.

Mantemos como grandes desafios a passagem do mercado informal para o formal e a resposta adequada a dar à procura no domínio da habitação social.

Temas sempre presentes, são também o acesso à água potável, saneamento básico, que inclui a rede de esgoto e fossa séptica, a electrificação rural, através de fontes alternativas, como geradores e painéis solares; os serviços municipalizados de saúde; o acesso ao ensino primário e a merenda escolar gratuita.

A grande prioridade é também uma clara melhoria da qualidade do ensino ministrado e que o mesmo responda às necessidades do País, nomeadamente nas áreas sociais, mas também em áreas cruciais para o desenvolvimento, designadamente nas engenharias e tecnologias, nas ciências da vida e nas ciências agrárias.

Todos nós, nesta Casa, temos a responsabilidade de olhar atentamente para os fenómenos da violência contra menores e em especial para os casos de violência doméstica, que retratam uma educação e hábitos que nós, cidadãos, não podemos permitir que sejam um espelho da nossa sociedade.

Lanço um repto através dos respectivos Grupos Parlamentares e Partidos Políticos representados no Parlamento para ainda durante a Iª Sessão Legislativa da V.ª Legislatura poderem apresentar iniciativas legislativas que agravem a moldura penal constante na Lei 25/11 de 14 de Julho – Lei contra a Violência Doméstica, para estar em alinhamento com a recomendação da União Interparlamentar Mundial.

Apelo, portanto, a que alteremos de vez este paradigma e não permitamos que a nossa voz se ensurdeça no silêncio da indiferença, sendo prioritário que instituições comprometidas em promover o bem-estar social colaborem com grupos comunitários e instituições públicas com o fim de lograr a convivência social harmoniosa entre os membros da sociedade.

Neste Outubro rosa juntamos também a nossa voz e iniciativas para prevenção e combate do cancro da mama, cujas vítimas têm fragilizado a estabilidade das famílias e da sociedade, causa que está simbolizada nesta sala, e que cada um de nós abraçou ao usar o laço cor-de-rosa.

Iremos nesta Legislatura empreender a partir de hoje, conjuntamente com os diferentes partidos políticos, novas dinâmicas para o desenvolvimento da actividade Parlamentar entre as quais destacam-se a realização de estudos de impacto económico e social da acção legislativa na vida dos cidadãos, dar continuidade ao legado que encontramos em especial a reforma administrativa em curso, cujo foco passará para a simplificação de procedimentos da actividade legislativa, reforço da modernização tecnológica e incremento de novas tecnologias de informação bem como o desenvolvimento do capital humano a todos os níveis.

No plano legislativo o maior desafio da Iª Sessão Legislativa será a aprovação do Orçamento Geral do Estado, principal instrumento de concretização das promessas eleitorais.

Na sua abordagem seremos confrontados com opções diversas mas não podemos esquecer que o nosso compromisso é com as pessoas e o seu bem estar social, a transparência, a parcimónia, e a ética na gestão da coisa pública.

A importância de finalizar o processo de institucionalização das autarquias é uma questão basilar do desenvolvimento das sociedades. A capilaridade que resulta desta estrutura, permitirá um melhor cuidado e zelo pelo bem público, sobretudo uma proximidade maior entre quem governa e quem é governado. Peço uma atenção especial para esta urgência.

Não é, contudo, a única a merecer atenção durante esta Legislatura que agora se inicia.

O País precisa da aprovação do Estatuto Orgânico da Assembleia Nacional, bem como de dar corpo à Lei do Protocolo de Estado e de não olvidar a Lei das Línguas Nacionais e Autoridades Tradicionais, que traduzirão o reconhecimento pelo património material e imaterial, cultural e social centenário que caracteriza Angola.

E se o que o passado nos legou é sinal de valores para o futuro, há que actuar no presente e sermos um farol nestas agitadas tempestades que assolam, o mundo e galvanizam a sociedade civil em todos os países.

Em nome das populações, auguro que consigamos agir e sermos uma luz que traga mais esperança, mais bem estar e mais solidariedade humana, para construirmos uma Angola que nos orgulhe a todos.

Antes de terminar estas minhas boas-vindas a tão ilustres presenças, em particular a Sua Excelência o Presidente da República, lanço um último apelo.

Não teremos País, não teremos pessoas, não teremos futuro se não acautelarmos o amanhã com mudanças drásticas nos hábitos e no nosso comportamento para com a Natureza e sem que levemos muito a sério o ambiente e as alterações climáticas a que assistimos, incrédulos e assustados, um pouco por todo o mundo, comprometendo-se o Parlamento a abraçar esta causa em defesa do ambiente que é de todos nós, dando uma atenção particular à situação das populações vítimas da Seca em algumas regiões do nosso País.

Temos um País cheio de riquezas, sejam as matérias primas, a beleza das paisagens, as pessoas, a hospitalidade, os recantos, as línguas, os sons inconfundíveis, a música própria.

E, no entanto, nada disto irá sobreviver se não agirmos, com consciência, na mudança de hábitos que respeitem os ciclos da vida e a vitalidade do clima, da natureza, da mãe-terra. E sem terra, não teremos filhos, nem identidade, nem futuro. Desafio todos para que, no contexto africano e mundial, nos afirmemos como a ponta de lança destas mudanças essenciais, urgentes e inadiáveis.»

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