“O pior de tudo não é o fastio, nem a ansiedade, mas o sentimento de impotência” (Sérgio Augusto). O título deste texto é paradigmático. Não encontrei nada melhor para definir o estado de putrefacção verbal a que chegou a política partidária doméstica, depois de, para desgraça colectiva dos povos autóctones, Ondjiva ter sido, no dia 5 de Abril de 2022, transformada na “gólgota”, por João Manuel Gonçalves Lourenço, presidente do MPLA, sem que o Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, o conseguisse conter.
Por William Tonet
O local, ou um dos locais, onde mais angolanos morreram e morrem de fome, de sede, de desprezo e discriminação, ante as políticas do poder executivo, chama-se Kunene. Cálculos apontam para uma cifra, na região, próxima de 900 mil mortes. Um número elevado, com direito a referência na trincheira mental de governantes comprometidos com o bem VIDA!
Aqui, naquele dia (5.4.22) esperava-se uma semente de amor, a colocação dos pobres e famintos no centro do orçamento, para vermos germinar, no coração de todos, os ramos de conciliação, paixão, perdão e tolerância…
Infelizmente, a opção, de quem se esperava higiene intelectual e verbal, foi a de plantar “couves de ódio e intolerância”, com as raízes viradas para cima.
E, de repente, o Kunene, ao invés de conjugar o verbo esperança, sensibilidade e humildade, transformou-se em Gólgota (toponímia), local de sofrimento, discriminação e morte, igual ao de onde decorreu a crucificação de Jesus Cristo, logo, um sítio de grande e atroz sofrimento, onde os algozes se regozijam, abrindo champanhe pelo sangue derramado de milhares de inocentes.
O presidente do MPLA, João Lourenço, abriu antecipadamente, em Ondjiva, a campanha eleitoral, à boleia, no “avião” (pago com dinheiro dos contribuintes) do Presidente da República, João Lourenço, em clara violação a Constituição, com a conivência do Titular do Poder Executivo, João Lourenço.
Cometeram, os “três em um” (JLO 1; JLO 2; JLO 3), com estes actos, algum ilícito? Sim! Precisamente três crimes; De responsabilidade; Constitucional e de Improbidade administrativa:
a) O crime de responsabilidade é o acto do Presidente da República que atenta contra a Constituição e demais leis pátrias;
b) Crime Constitucional é o que, de forma flagrante, espezinha a Lei Mãe, no caso, decorre do facto do presidente do MPLA, João Lourenço ter dado início à campanha eleitoral, antes do Presidente da República, João Lourenço, ter cumprido o ritual da Constituição, art.º 112.º (Data da eleição): “1. As eleições devem ser convocadas até noventa dias antes do termo do mandato do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional em funções”.
c) Crime de Improbidade administrativa, é o acto ilegal ou contrário aos princípios básicos da Administração Pública, cometido por agente público, durante o exercício de função pública.
Os coadjuvantes, como ministros, secretários de Estado, altos funcionários e próximos de outros entes, integram o pacote delitivo, sujeitos, igualmente, às penalidades previstas na Lei n.º 3/10 de 29 de Março, vulgo “Lei da Probidade Pública”.
O Presidente da República, João Lourenço, violou de forma flagrante e consciente, os artigos 18.º (Recebimento de ofertas) da parte do presidente do MPLA, favorecendo-o; 26.º (Actos que causam prejuízo ao património público), com a perda patrimonial, desvio e apropriação, esbanjamento e delapidação de bens das entidades públicas; 28.º (Impedimentos de agente público) ao intervir na preparação, na decisão e na execução dos actos, tendo interesse directo, como representante de outra pessoa; 31.º (Reintegração patrimonial e sanções), trincheira normativa punitiva, que impõe a obrigação do Presidente da República ressarcir os danos causados ao Estado, por endossar, de forma indevida e ilícita, ao presidente do MPLA, bens públicos, devendo ainda ser condenado à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e ao pagamento de 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; 39.º (Abuso de poder) por violação dos deveres de função, fraude, obtendo para si (Presidente da República) ou terceiro (presidente do MPLA) ao conceder/obter benefícios ilegítimos causando prejuízo a entidade pública.
EXTRAPOLAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Diante deste quadro dantesco de verdadeiro estímulo à implosão, os cidadãos devem, na foz das eleições, saber ler os sinais dos tempos, pois diante do cepticismo geral e o agigantar do boçalismo guerreiro, a higiene intelectual tem de optar entre deixar caminhar a consolidação da autocracia ou defender os caboucos da democracia inclusiva, em nome de um projecto país, capaz de restaurar valores civilizacionais e ético-morais tradicionais.
O MPLA e o seu presidente, definitivamente, traíram os seus ideais fundantes, com a adesão à extrema-direita e ao neoliberalismo económico, âncoras traidoras da soberania económica, escancarada ao capital estrangeiro, especulador, principalmente, o ligado ao islamismo radical e ao Fundo Monetário Internacional.
O carácter assumido de assimilados e complexados, no pedestal de um poder autocrático, submisso, entregacionistas e defensores dos ideais ocidentais, que subjugam os valores da autoctonia, confirmam as dúvidas de estarmos diante de uma verdadeira kakistocracia (ou caquistocracia deriva do grego kákistos, superlativo de kakós, -ê, -ón, mau, feio + -cracia), que significa, literalmente, forma de governo ou de poder em que prevalecem os indivíduos com piores qualidades.
Daí não espantar o cenário montado no dia 5 de Abril de 2022, em Ondjiva, onde o presidente do MPLA, exibiu sem pejo, total desprezo pelos povos Ovambos, que integra os Kwanhamas, Hingas, Nganguelas, Nyaneka Humbi, Humbes, Hereros, Chocués, Koisan, ao inaugurar uma sede sumptuosa do MPLA, erguida com alegado dinheiro público, negado, ao longo dos últimos três anos, para ser empregue, no combate a fome e miséria que grassa pela região sul e mata cerca de 150 pessoas/dia.
KAKISTOCRACIA IDEOLÓGICA
Atacando tudo e todos, o presidente do MPLA, João Lourenço, utilizou linguagem rasca, incompatível com o estatuto de Presidente da República, assumindo por “motu proprium” o despreparo para o desempenho de tão nobre e hercúlea função.
O ataque soez e abjecto a sectores da sociedade civil, classes profissionais representativas, juventude e oposição, sem fundamentação e provas blindadas, caracterizam o “caracolismo mental, partidocrata” da liderança do partido no poder, confirmando, se dúvidas ainda houvesse, a institucionalização do cultivo da mentira.
A confirmação de, no seu consulado, os roubos serem mais sofisticados, elucida a perversão do reino: “temos de assumir que ainda há gestores que mexem no erário público, mas não com tanto descaramento, com tanta falta de medo, como era feito no passado”, frisou, referindo haver mais subtileza da parte dos gatunos do partido, Ali Babá e 40 ladrões, “por saberem que se forem apanhados não haverá impunidade”. Ok, mas continua a ladroagem, com conhecimento do chefe.
E a corrupção, imagem de marca do regime, evoluiu, eliminando todos animais sinantrópicos? Claro que não, explicou o líder do MPLA. “O grande mal do passado, não era só haver corrupção, haver roubo, porque às vezes quando a gente utiliza a expressão corrupção acaba por ser uma palavra bonita e como o acto em si não é bonito, temos de chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, corrupção é roubo”! Viva! O MPLA é um covil de gatunos! Agora com a diferença de haver corruptos/gatunos bons, aliados do poder actual e corruptos/gatunos maus, ligados ao MPLA II, porque antes não se puniam os corruptos do MPLA da 1.ª e 2.ª divisão, porque “ninguém fazia nada, o que acabava por encorajar outros a fazerem o mesmo. Neste mandato, demos passos importantes na luta contra a corrupção”, seguramente, contra os próximos de JES. Amanhã, quando João Lourenço sair do poder, fará o novo líder o mesmo ou pior a ele, mulher, filho e arredores. Será que a Carrinho e Omatapalo, serão os primeiros a ver arrestado, por falta de concurso público, os seus bens? É o MPLA no seu melhor, na pior versão filmatográfica.
O líder do MPLA, João Lourenço, superior hierárquico do Presidente da República, João Lourenço, recebeu deste, a garantia de os resultados não serem ainda satisfatórios e “não chega”, quiçá o que os camaradas roubam e lucram com a corrupção, porque ela continua viva e só ao alcance dos membros do MPLA.
Mas, João Lourenço esquecendo os seus telhados de vidro, arremessa aos outros “pedras de baixo alcance”, num sinal de falta de polidez e bom senso: “Eles estão fragilizados, estão a dar sinais evidentes de que estão fragilizados, quando alguém recorre a golpes baixos é porque está fragilizado, essa mobilização dos jovens radicais para o vandalismo é um golpe baixo”. Bravo! Felizmente, quem aplica jogos baixos é o MPLA que recorre aos órgãos do Estado, como Polícia Nacional e tribunais, para atacar, prender e assassinar adversários e opositores. Quem tem medo de manifestações, não é forte é fracoide!
E numa estrofe musical digna de entrar para o anedotário mundial diz: “em vez de se preocuparem em conceber um bom programa de governação, preocuparem-se em disseminar o conteúdo desse mesmo programa, para que os eleitores o conheçam e o defendam, o que eles estão a fazer é tudo errado”, afirmou, acrescentando sem contenção; “o único programa de governação que eles têm é mobilizar alguns jovens radicais nas cidades, dar-lhes meia dúzia de tostões para irem comprar uma cerveja, se calhar algo mais droga do que isso, para cometerem actos de vandalismo, este é o programa de governação que, infelizmente, a nossa oposição tem”. Presidente, o que falar sobre esta pérola? Quem em 46 anos não consegue criar uma empresa de conservação de jardins públicos, de recolha de lixo, passes escolares, transportes públicos, pode alardear sobre programas de quem nunca esteve no poder e quem nele está os seus são tão falhados, que levaram o país para o abismo face à incompetência governativa sistémica.
Falar sobre o processo judicial do PRA-JA, junto do Tribunal Constitucional, que o senhor colocou uma membro do bureau político do seu partido, arrepia e ainda mais quando num claro desconhecimento destila: ”o recurso da oposição a uma simples comissão instaladora, que não está reconhecida como partido político, mas que age como tal, em desrespeito ao Estado é igualmente sinal dessa fragilização da oposição”. Não é conhecimento das leis. Os seus assessores jurídicos devem ter mais conhecimento sobre os artigos da Constituição, Lei dos Partidos Políticos, Declaração Universal dos Direitos Humanos e Declaração Africana, sobre o papel das associações, que não carecem de reconhecimento jurídico como partidos políticos. Foi uma tirada triste, infeliz! Mas a sua alusão denota estar por detrás da não legalização do projecto de Abel Chivukuvuku.
Quanto à afirmação de que o “KO na oposição não será difícil”, o senhor mostra o contrário. Medo! Medo da FPU! Medo de Adalberto da Costa Júnior e Abel Chivukuvuku, por do seu lado não ter dupla igual e capaz de os rivalizar. Se assim não fosse, não colocava trapaceiros na CNE, nem uma empresa fraudulenta espanhola: INDRA para lhe beneficiar, batotando as eleições.
A única vez que acertou foi quanto à reprovação, em 46 anos o MPLA continuar a conduzir desencartado e mal, sendo a mais evidente prova, o enorme volume de cidadãos desempregados e a comer nos contentores.
“Quando você vai à escola de condução fazer exame para ter a carta de condução e sai de lá reprovado, dizem: volte daqui a uns tempos, prepara-se melhor, volte daqui a uns tempos para voltar a fazer o exame e nós te darmos a carta que vai habilitar a conduzir um carro, significa dizer que não pode conduzir carro nenhum na via pública até voltares lá a fazer novo exame”, assegurou João Lourenço, esquecendo-se que quando se atira o cuspe ao ar, ele pode cair-nos na cara, mas mostrando a utilização da polícia como órgão do MPLA ordena: “A polícia não pode deixar esse carro circular, é um perigo, pode trazer desgraça”. Se tiver comportamento republicano, em Agosto o proprietário da viatura matrícula: 1975 – MPLA – 46 AN, terá de a retirar das estradas nacionais.
Este foi o pior discurso de João Lourenço mas o melhor hino a confrontação pré e pós eleitoral, ao confirmar haver uma nova actividade no país: traficante de notícias falsas, denotando estar o país a viver uma decadência ética profunda. Daí terminar com o poema Consolo na Praia de Carlos Drummond de Andrade.
CONSOLO NA PRAIA
“Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho”.