JÚ MARTINS, O SIPAIO COLONIAL

O líder da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, reiterou hoje ter mantido encontros com dirigentes do MPLA para abordar uma eventual transição pós-eleitoral e criticou os adversários por defenderem ilegalidades e ameaçarem com instabilidade para se manter no poder.

Adalberto da Costa Júnior comentava, em declarações à Lusa, a conferência de imprensa de segunda-feira em que o secretário do MPLA para os assuntos políticos e eleitorais, João “Jú” Martins, em que desmentia a existência de negociações e apelidou o líder da UNITA de “lunático” por pensar em vencer as eleições. E tem razão. É que o general ministro e chefe da Casa Militar, Francisco Furtado, já visou que os seus autómatos estão preparados para “dar no focinho” a quem criticar o MPLA, e o general presidente/candidato João Lourenço já está pronto para matar o galo para a cabidela.

“Agora vem dizer que não abordamos nada disto? Então falamos de quê durante três horas e meia”, questionou, referindo-se ao encontro que manteve com dirigentes da UNITA no qual, segundo João Martins, não foi abordado o tema da transição. Falaram apenas do achatamento polar das batatas, da venda de gelados para o polo norte e da importação de pentes para carecas.

Para Adalberto da Costa Júnior, a reacção do MPLA deveu-se aos contactos que manteve no sábado no Cazenga, um dos municípios mais populosos de Luanda, depois da UNITA e outros partidos da oposição angolana serem forçados a cancelar uma marcha a favor da transparência e legalidade do processo eleitoral por recomendação do governo provincial de Luanda.

“Sentiram-se expostos” disse o dirigente do partido do Galo Negro (o tal que João Lourenço colocou na ementa da sua bélica cabidela) manifestando-se “feliz pela intervenção de João Martins.

Durante o seu contacto com a população, segundo o seu relato, Adalberto da Costa Júnior defendeu o cumprimento das leis eleitorais, insistiu na existência de dolo devido às irregularidades dos cadernos eleitorais e reafirmou ter havido contactos para negociar a transição com o MPLA.

“Eu quis partilhar com os angolanos que do lado da direcção da UNITA tem havido pontes para a transição, pontes para o diálogo”, sublinhou. Tal como acontece naqueles regimes que são o que Angola não é: uma democracia e um Estado de Direito.

“Penso que quantos mais encontros, quanto mais diálogos houver, melhor para o país, numa democracia as alternâncias ocorrem”, salientou, exortando o MPLA a “sair desse pensamento, por que Angola não é uma propriedade privada do MPLA”. Isto é o que pensa Adalberto da Costa Júnior, mas está nos antípodas de João Lourenço para quem, é claro, o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.

Lamentou ainda que João Martins tenha dito que algumas das acções que a UNITA estava a organizar teriam um “carácter subversivo” e que a “subversão foi vencida a 22 de Fevereiro de 2002”, numa alusão à morte em combate de Jonas Savimbi, fundador daquele partido, o maior da oposição que o MPLA ainda permite e que durante quase 30 anos travou uma guerra contra as forças do MPLA.

“Os actos de campanha de um partido não são atentados contra a segurança do Estado”, respondeu Adalberto da Costa Júnior, considerando que ao considerar que os actos do presidente da UNITA são um atentado contra a democracia, o dirigente do MPLA “ajudou as pessoas a perceber que está na altura de o MPLA ir para casa, com urgência”.

Adalberto da Costa Júnior acusou ainda o partido que governa Angola desde a independência, em 1975, de querer manter o poder a qualquer custo.

“Ele (Jú Martins) disse que enquanto estivessem aqui não iríamos ganhar por que foram eles que ganharam a guerra. Então o problema não é com a UNITA, não é com Adalberto, é com o povo”, afirmou, sublinhando que “o povo está atento e está maduro”.

O presidente da UNITA disse também que “o MPLA defende ilegalidades para ficar no poder e ameaça com instabilidade”. Questionado sobre se sentiu ameaçado, diz que está preparado para isso.

“Não vou dar troco às cascas de banana. O MPLA tem tido ao longo dos anos o hábito de provocar, mas não vai ter resposta com actos de violência e, por isso, estão a ficar nervosos”, considerou o dirigente político da UNITA.

“Assim o povo fica a saber que o MPLA tem um programa de manutenção do poder a qualquer custo”, realçou. Por respeito às vítimas, Adalberto da Costa Júnior não se referiu ao exemplo dado pelo único herói nacional (do MPLA), Agostinho Neto, que em Maio de 1977 mandou massacrar milhares de angolanos, ou do massacre de 1992 quando o MPLA mandou fuzilar milhares de angolanos na sua tentativa de decapitar, de uma vez por todas, a UNITA.

João Martins disse, na segunda-feira, que foi abordado pelo presidente do grupo parlamentar do MPLA, no sentido de se disponibilizar para um encontro com o presidente da UNITA, do qual deu nota ao presidente do partido (João Lourenço, também Presidente da República, também recandidato, também Titular do Poder Executivo, também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas) e que se realizou num hotel de Luanda.

“Ao longo de três horas e meia, falou-se de problemas do momento político actual, nomeadamente as listas dos eleitores e o tratamento da base de dados, bem como visibilidade dada pela imprensa pública à UNITA, mas não se abordaram questões relativas à transição”, garantiu (depois de ouvido o chefe) João Martins.

“Qual transição, qual negócio”, sublinhou o “Joãozinho” Martins, acrescentando que, para tratar de assuntos dessa natureza, teriam de ser mandatados pela direcção do partido, e não apenas pelo seu líder, já que “o poder se conquista, não se negoceia”.

No encontro, foi também transmitido ao presidente da UNITA que algumas das actividades que estava a organizar poderiam ter “um carácter subversivo” e que “a subversão foi vencida a 22 de Fevereiro de 2002 [quando o líder e fundador da UNITA, Jonas Savimbi foi morto em combate pelo exército angolano e graças à preciosa colaboração de generais das FALA que o MPLA comprara] e foi vencida pelo Estado angolano”.

“Por isso, alertámos que não era avisado ele deixar que algum tipo de acções pudesse ter esse cunho, porque aí não era o MPLA que iria contender com a UNITA, e sim o Estado angolano com as suas instituições”, frisou o rapazinho do MPLA.

“Como o fez em Fevereiro de 2002, também o faria agora se continuarem a ser realizadas acções que perigam a estabilidade, a ordem pública, fora da matriz da contenda política”, vincou o mesmo responsável do MPLA.

Se os angolanos tivessem direitos às mesmas mordomias e benesses que só o poder absoluto permite, certamente que estariam de acordo com o que Jú “Sipaio” Martins, diz.

Como bom militante do MPLA, Jú “Sipaio” Martins disse, em 2014, numa entrevista à rádio estatal angolana (ou seja, à voz do dono) o que lhe mandam dizer, única forma que eles conhecem para manter privilégios que são negados à maioria dos angolanos. Não admira, por isso, que ele tenha dito que Angola “é sim um país livre e democrático onde todos se podem manifestar”.

E o que ele diz é, aliás, a mais pura das verdades. “Todos se podem manifestar”. Só falta saber quem são esses “todos”. E se concluirmos que esses “todos” são todos os que são do MPLA, então Jú “Sipaio” Martins tem razão.

“A nossa sociedade é democrática, as pessoas podem manifestar-se à vontade desde que cumpram a Constituição e as leis vigentes”, disse Jú “Sipaio” Martins. Segundo ele, a Constituição é clara e inequívoca ao dizer que todos podem manifestar-se… a favor do MPLA.

“Se 100, 200, 500 ou 20.000 pessoas se manifestam contra o poder instituído mas seis milhões ou cinco milhões acham que esse poder deve continuar a exercer funções e a implementar o seu programa claro que as instituições não se devem abalar com isso”, afirmou.

Ora aí está. Se meia dúzia de angolanos diziam que José Eduardo dos Santos, que esteve no poder 38 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, era um ditador, a maioria só tem que – provavelmente de acordo com a Constituição – mandá-los para a cadeia… alimentar dos jacarés. Com João Lourenço é o mesmo.

O que não pode haver, segundo Jú “Sipaio” Martins “é uma predisposição de um cidadão provocar as autoridades instituídas. Aí seguramente que a polícia tem legitimidade em reagir e isto acontece em qualquer democracia mundial”, disse o súbdito do MPLA, seguindo os grandes mestres desta matéria, desde João Pinto a Bento Bento, sem esquecer Francisco Furtado, para quem o corredor de fundo e o fundo do corredor são a mesma coisa.

Na altura, o já falecido líder da bancada parlamentar da UNITA, Raúl Danda, ao ouvir tão emblemática dissertação ficou com a sensação de que Jú “Sipaio” Martins estava a falar de outro país, que não de Angola. E estava mesmo. A Angola dele não é a mesma.

“Nunca vi nenhuma manifestação onde as pessoas levem garrafas, pedras, facas etc., nunca vi, só vejo a polícia armada até aos dentes a carregar contra manifestantes”, disse Raúl Danda que, contudo, já deveria saber que nas democracias avançadas – cujo pódio é ocupado por Angola/MPLA, Coreia do Norte e Guiné Equatorial – é assim mesmo.

Na mesma altura, o deputado da CASA-CE, Leonel Gomes, disse não compreender por que é que o MPLA que diz ter a maioria tem medo de manifestações e da oposição.

“Se eles são cinco milhões de militantes porque que tem medo de efectivar a democracia? Porquê que os debates da Assembleia Nacional não passam em directo?”, questionou. Mais uma gafe deste deputado. Eles são bem mais do que cinco milhões. Se se perguntar a Jú “Sipaio” Martins ele dirá que deverão ser mais de 20 milhões.

Leonel Gomes disse ainda que em Angola dirigentes da polícia “aparecem em congressos do MPLA não receando sequer mostrar o seu alinhamento partidário. Daí entende-se porque a polícia age assim, naturalmente a mando do MPLA já que é o MPLA que sempre que se anuncia uma manifestação sai com discursos musculados a ameaçar as pessoas”.

Nova gafe. A polícia não é do Estado, do país ou da nação. É do MPLA. E se assim é…

Folha 8 com Lusa

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