JORNALISTAS NA LINHA DE FOGO

O secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, denunciou hoje o furto de equipamento informático na sua sede e mensagens ameaçadoras, considerando que estão em causa tentativas de intimidação e controlo da actividade dos jornalistas. Aí está o MPLA no seu estado mais… puro.

Em declarações à Lusa, Teixeira Cândido disse que, na semana passada, desapareceu da sede o CPU (unidade central de processamento) do principal computador do sindicato, que foi devolvido na terça-feira de manhã, sem que ninguém se tivesse apercebido.

“Deixaram e foram embora”, contou o sindicalista, acrescentando que foi feita uma participação aos Serviços de Investigação Criminal (SIC) na segunda-feira. O jornalista recebeu, três dias mais tarde, um SMS através de um número desconhecido contendo ameaças veladas.

“Viste o aviso que deixámos?”, perguntava uma das mensagens, e outra alertava Teixeira Cândido para estar atento ao que comia e bebia, pois poderia ser alvo de envenenamento.

“Parece haver um plano para infundir medo aos jornalistas. Porquê? Não tenho explicação”, disse Teixeira Cândido, sublinhando que o SJA tem conhecimento de mais dois casos de jornalistas cujas casas foram assaltadas durante a noite, em Março, tendo sido levados os computadores, sem que até ao momento sejam conhecidas diligências das autoridades.

Para Teixeira Cândido, os assaltos e as mensagens dúbias podem indiciar tentativas de inibir, condicionar e aceder ilegitimamente à actividade dos jornalistas.

Sobre a queixa apresentada às autoridades não há ainda nenhuma informação: “Estamos à espera que o SIC vá verificar o CPU”.

O SJA e organizações internacionais de jornalistas têm denunciado reiteradamente ameaças à liberdade de imprensa em Angola.

Em Março de 2012, recorde-se, agentes da Direcção Geral de Investigação Criminal de Angola apreenderam todos os computadores do Folha 8, em Luanda, no âmbito de uma acção judicial relacionada com a publicação de uma fotomontagem satírica em que aparecia o presidente José Eduardo dos Santos.

Na altura, o nosso Director, William Tonet, considerou a apreensão como “um ataque ao que resta da imprensa privada não subjugada ao regime” e considerou a medida “injustificável”, porque o alvo do processo judicial era ele e não o jornal.

Em Dezembro de 2011, o Folha 8 publicou uma fotomontagem que circulava na internet e que mostrava o presidente angolano, o vice-presidente Fernando Piedade Dias dos Santos e o ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência, o general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ em pose de detidos e com cartazes onde se lê “roubo qualificado de valores”

Na sequência da publicação, William Tonet foi constituído arguido pelo crime de “ultraje ao Estado na pessoa do Presidente da República”.

SE  ANGOLA FOSSE UM ESTADO DE DIREITO

Falemos de Pessoas Politicamente Expostas (PPE) como se Angola fosse (não é o caso) um Estado de Direito Democrático. Isto porque, com acentuado vigor nos últimos tempos, não há por cá PPE, o que coloca todos os dirigentes acima (muito acima) dos cidadãos e, por isso, pertencem a uma casta intocável que apenas pode ser venerada.

Em abstracto, a Constituição consagra a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa como direitos fundamentais, não podendo o exercício destes direitos ser impedido, ou limitado, por qualquer tipo ou forma de censura.

Os jornalistas têm (se acaso se falasse num Estado de Direito Democrático) o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa, não podendo ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei.

O direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem encontram-se protegidos constitucionalmente. A extensão do âmbito de tutela do direito à reserva da intimidade da vida privada varia em função da natureza do caso e da condição das pessoas (notoriedade, exercício de cargo público, Pessoas Politicamente Expostas, etc.).

A foto de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem consentimento dela, não carecendo desse consentimento quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição, sendo que qualquer intervenção restritiva nesse domínio, mesmo que constitucionalmente autorizada, apenas será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, devendo respeitar as exigências do princípio da proporcionalidade e não podendo afectar o conteúdo essencial dos direitos.

O que diz a Constituição de Angola

Artigo 32º
(Direito à identidade, à privacidade e à intimidade)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à nacionalidade, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva de intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelece as garantias efectivas contra a obtenção e a utilização, abusivas ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias.

Artigo 40.º
(Liberdade de expressão e de informação)
1. Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. A liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, a protecção da infância e da juventude, o segredo de Estado, o segredo de justiça, o segredo profissional e demais garantias daqueles direitos, nos termos regulados pela lei.
4. As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e de informação fazem incorrer o seu autor em responsabilidade disciplinar, civil e criminal, nos termos da lei.
5. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, nos termos da lei e em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Pessoas Politicamente Expostas (PPE)

As PPE são aquelas pessoas que, segundo a definição do Parlamento Europeu (PE), “podem representar um risco mais elevado de corrupção pelo facto de exercerem ou terem exercido funções públicas importantes”, como chefes de Estado, chefes de governo, ministros, membros dos órgãos de direcção de partidos políticos, juízes de tribunais supremos e deputados, assim como cônjuge, pais, filhos e os cônjuges destes últimos.

É claro que a definição do Parlamento Europeu não se aplica a Angola. Aliás, todo o Direito Internacional só se aplica a Angola no que o regime do MPLA entender que se deve aplicar. E pode mesmo acontecer que se aplique aos partidos da Oposição e não ao partido do Governo.

Dando como válida esta definição do Parlamento Europeu, presumimos que a Josefina Zungueira seja uma PPE, ao contrário de João Lourenço que apenas é ao mesmo tempo chefe de Estado, chefe de Governo e líder do MPLA.

A lei das PPE é a principal responsável, por exemplo, pelo aparecimento de boa parte dos inquéritos criminais relacionados com titulares de cargos políticos e públicos de Angola. Manuel Vicente, ex-vice-presidente da República, João Maria de Sousa, procurador-geral, e diversos generais com cargos políticos que começaram a ser investigados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) por suspeitas de branqueamento de capitais devido às comunicações obrigatórias que os bancos do sistema financeiro português são obrigados a fazer para a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária – e que levam sempre à abertura de um pré-inquérito para averiguar se existem suspeitas fundadas para uma investigação formal no DCIAP.

A directiva europeia original de 2005 foi actualizada em Maio de 2015 com uma directiva do Parlamento Europeu que alarga de forma significativa o âmbito de quem tem acesso às informações relacionadas com as PPE.

Com as novas regras, os países da União Europeia são obrigados a manter um registo central com informações sobre os beneficiários efectivos de sociedades, fundações e outras estruturas, visando identificar as pessoas que estão, na realidade, por detrás dessas entidades.

Folha 8 com Lusa

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