EM 1977 ONDE É QUE VOCÊS ANDAVAM?

O Presidente cabo-verdiano lembrou, no lançamento do livro “Agostinho Neto em Cabo Verde: Angola, Nôs Lágrima Ê Igual”, na Praia, a presença “extraordinariamente importante” de Agostinho Neto no país. Como sempre, a memória de José Maria Neves, entre muitos outros (como Pedro Pires), não chega aos massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados por Agostinho Neto, e onde forram assassinados milhares (talvez 60 mil) de angolanos.

Contemporâneo de Agostinho Neto, o antigo Presidente cabo-verdiano e presidente da Fundação Amílcar Cabral, Pedro Pires, é outras das personalidades que também dá o seu testemunho laudatório no livro, por entender que o homenageado é um dos principais protagonistas da luta libertação dos povos africanos sob dominação portuguesa.

Neste sentido, sublinhou a necessidade da valorização, de prestigiar e perpetuar os símbolos como Agostinho Neto e tudo o que vez para os povos dos dois países e para África.

“Entendo que nós temos o dever de nos valorizarmos a nós mesmos. Valorizarmos a nós mesmos significa valorizarmos a nossa obra, valorizarmos aquilo que fazemos. Esta homenagem ao Dr. Agostinho Neto vai precisamente nesse sentido, de valorizar Neto, valorizar os seus companheiros, valorizar o povo de Angola e, finalmente, valorizar o fruto de tudo isto que é o Estado soberano de Angola”, afirmou Pedro Pires, de 88 anos.

Silvino Manuel da Luz, Osvaldo Lopes da Silva, Manuel Rodrigues Boal, Onésimo Silveira, Fátima Fernandes, Arménio Vieira e Luiz Andrade Silva são as outra personalidades cabo-verdianas que dão o seu testemunho sobre a passagem de Agostinho Neto pelo arquipélago.

Depois de preso em Luanda, o então médico e político Agostinho Neto foi deportado para Cabo Verde no início dos anos 1960, continuando a exercer medicina nas ilhas de Santo Antão e Santiago, antes de ser transferido para as prisões de Aljube, em Lisboa.

O seu nome foi atribuído ao maior hospital de Cabo Verde, na Praia, há uma rua com o seu nome na cidade do Mindelo, em São Vicente, e um busto na cidade da Ponta do Sol, em Santo Antão.

O outro lado de Pedro Pires

Em 2012, Pedro Pires chefiou a Missão de Observadores da União Africana às “eleições” em Angola. Estando à vista, por muito benevolentes e ingénuos que fossem os que se interessam por Angola, a possibilidade de fraudes na votação desse ano (como em todas até hoje realizadas), nada melhor do que escolher um observador amigo e que, em 2001, ganhou as eleições presidenciais cabo-verdianas à custa de uma fraude.

No dia 16 de Junho de 2010, quando recebeu o seu homólogo e amigo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang.

Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.

Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, em 2009 Cabo Verde tinha caído do 36º para 44º lugar em matéria de liberdade de imprensa. Se calhar, na altura enquanto presidente, Pedro Pires entendeu que proteger um ditador é até uma qualidade que renderia muitos pontos.

Teodoro Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, sempre foi acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto.

Obiang, também ele amigo dos últimos dois “queridos líderes” do MPLA (José Eduardo dos Santos e João Lourenço), chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como é hábito, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.

Recorde-se que gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando em 2009 um tribunal… francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo – os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.

Pedro Pires e a corrupção

A corrupção é um fenómeno mundial e transversal e não um exclusivo do continente africano, afirmou em 21 de Novembro de 2015 Pedro Pires, defendendo também que, em África, é errado confundir um regime autoritário com um ditatorial.

Considerando a experiência de Pedro Pires, atente-se no que ele diz, nomeadamente a bem dos amigos.

Em entrevista telefónica a partir de Acra, capital do Gana, onde assistiu à entrega do Prémio Mo Ibrahim de Boa Governação a Hifikepunye Pohamba, antigo chefe de Estado da Namíbia, Pedro Pires – distinguido em 2011 -, admitiu, porém, que África perde anualmente 50.000 milhões de dólares com “actos ilícitos”.

“A corrupção não é um fenómeno africano. Às vezes, tem-se a impressão [de] que se quer atribuir só aos africanos o título de corruptos. A corrupção é hoje um fenómeno mundial e há algumas corrupções que me chocam, como entender o debate que se faz agora à volta da FIFA e de determinadas federações de atletismo”, exemplificou.

Só algumas corrupções é que chocam? Pois. Todos, sobretudo os africanos, sabem o que isso significa. Há, portanto, boas e más corrupções. Tudo depende de se saber quem as faz e quem delas beneficia.

Para Pedro Pires, antigo primeiro-ministro (1975/91) e ex-Presidente (2001/11), o fenómeno da corrupção é “transversal” e “abrange e chega a todo o lado”, pelo que, para o combater, é necessário também uma participação global.

“Hoje, em África, debate-se a questão dos chamados Fluxos Financeiros Ilícitos (FFI). África perde 50 mil milhões de dólares por ano em práticas que estão muito próximas da corrupção, como a subavaliação dos preços, a fuga ao fisco ou as isenções para se conseguir cada vez maiores lucros, e as transferências fraudulentas”, sustentou.

Pedro Pires alertou, por outro lado, para que “não se confunda” um regime autoritário com um ditatorial, que são questões “diferentes”.

São? Vejamos. “A boa governação não se limita aos resultados económicos, porque há, de facto, regimes autoritários que conseguem um bom índice de crescimento económico. Essa ligação entre a democracia e o desenvolvimento não é automática. Há que ver isso com alguma objectividade e perspicácia”, sustentou.

Cabo Verde e Angola

Desde 1975, Cabo Verde teve cinco presidentes da República: Aristides Pereira, António Mascarenhas Monteiro, Pedro Pires, José Carlos Fonseca e José Maria Neves, já conheceu vários primeiros-ministros.

Ao mesmo tempo, ou seja desde 1975, Angola teve três presidentes da República (Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, nenhum – ao contrário de Cabo Verde – nominalmente eleito). Quanto a primeiros-ministros, foram: Lopo Fortunato Ferreira do Nascimento, Marcolino Moco, Fernando José de França Dias Van-Duném, Fernando da Piedade Dias dos Santos (“Nandó”) e António Paulo Kassoma.

No contexto da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (mas não só), Angola dá lições de democracia a todos.

Façamos uma comparação com Portugal. Neste país acontecem coisas estranhas que, reconheça-se, nunca aconteceriam em Angola, embora possam acontecer – por exemplo – em Cabo Verde. Alguém, no seu são juízo, acreditaria que no país comandado desde 1979 pelo “querido líder” seria possível pender um dirigente do MPLA (nem sequer é preciso subir a um chefe do governo) sob a acusação de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção?

Mais do que ter, como acontece por cá, uma Lei da Probidade Pública, Portugal deveria – como acontece por cá – praticá-la. Dessa forma evitaria passar pelo vexame de ver um seu ex-primeiro-ministro, José Sócrates, ficar em prisão preventiva.

Como diz o nosso “escolhido de Deus”, essa lei constitui mais um passo para a boa governação, tendo em conta o reforço dos mecanismos de combate à cultura da corrupção. Ora tomem! Não há nada igual no contexto da CPLP…

Tivesse Portugal, ou Cabo Verde, o mesmo presidente da República durante 38 anos, sem nunca ter sido nominalmente eleito, e o mesmo partido no poder desde 1974, e nada disto aconteceria. As manias da democracia e dos estados de direito acabam sempre nisto.

Recorde-se que, por cá, a lei “define os deveres e a responsabilidade e obrigações dos servidores públicos na sua actividade quotidiana de forma a assegurar-se a moralidade, a imparcialidade e a honestidade administrativa”.

Portugal deve igualmente pôr os olhos cá na banda para saber que, de uma vez por todas, o poder judicial não pode ser independente, que o Presidente da República deve escolher o seu Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas e os Chefes do Estado Maior dos diversos ramos. Para além de ser, é claro, líder do partido vencedor e Titular do Poder Executivo…

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