As autoridades judiciais espanholas concordaram com a realização de uma autópsia ao corpo do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, falecido na sexta-feira, em Barcelona, que tinha sido pedida pela filha Tchizé dos Santos. A decisão judicial foi divulgada pela advogada Cármen Varela.
A equipa de advogados de Cármen Varela e Molins Defensa Penal denunciou igualmente a “pressão” do Governo de Angola, que fez viajar para Barcelona vários dos seus membros, juntamente com o Procurador-Geral da Republica, para levar o corpo para Angola e celebrar um funeral de Estado contra a vontade do Presidente de ser sepultado em Barcelona.
Tchizé dos Santos tem-se manifestado publicamente contra a realização de um funeral em Luanda, devido às desavenças entre alguns membros da família dos Santos e o governo angolano, liderado por João Lourenço que, depois de ter sido imposto pelo próprio José Eduardo dos Santos, o apunhalou pelas costas.
Tchizé, bem como a filha mais velha do ex-Presidente, Isabel dos Santos, que enfrenta processos judiciais em vários países, não vão a Angola há vários anos, alegando perseguições políticas e temerem pela própria vida.
José Eduardo dos Santos tem oito filhos, de cinco mulheres, não tendo sido divulgada publicamente a opinião dos restantes familiares.
Na sexta-feira, o Presidente João Lourenço, disse que o governo angolano vai organizar as exéquias fúnebres do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos, para as quais conta com a presença de todos, incluindo a família “que está lá fora”.
“Se tivermos em conta as actuais circunstâncias não vemos por que razão a família que está lá fora não [possa] acompanhar o seu ente querido, estamos a contar com a presença de todos sem excepção de ninguém”, disse João Lourenço, à saída de uma reunião de emergência do MPLA, partido no poder há 46 anos e do qual José Eduardo dos Santos era presidente emérito.
Os filhos mais conhecidos do antigo chefe de Estado, Isabel dos Santos, Tchizé e o irmão desta, José Paulino dos Santos, mais conhecido pelo nome artístico Coréon Du, e habitualmente mais discreto, partilharam, nas suas páginas das redes sociais, palavras de homenagem e fotos recordando o pai.
Se os dirigentes de Angola (todos do MPLA) têm memória curta, não admira que o Povo ainda a tenha mais curta. Aliás, na maioria dos casos, não tem memória mas apenas e só uma vaga ideia. Tão vaga que, hoje, são poucos os que se recordam que João Lourenço foi colocado por José Eduardo dos Santos na “pole position” do Grande Prémio do MPLA em que, como sempre, os opositores, se limitaram a ser figurantes.
Na linha de partida, ou nas boxes, estiveram para efeitos de marketing outros supostos concorrentes. A Bornito de Sousa, depois dos treinos “à porta fechada”, foi dada a segunda posição da grelha.
Mais atrás, para simular que não há vencedores antecipados… nem impostos, surgiram mais alguns figurantes, “pilotos” como Fernando da Piedade Dias dos Santos, Lopo do Nascimento, Kopelipa e Manuel Vicente.
Por serem mais “low profile”, admitiu-se na altura que a equipa das Forças Armadas também estivesse a equacionar a sua simbólica participação, podendo fazer alinhar França Ndalu e, ou, João de Matos.
Noutra frente, se bem que mais vocacionada para provas de “endurance”, admitiu-se também a participação de uma equipa de figurantes do Sul, patrocinada por Kundi Pahiama, em que os “pilotos” poderiam ser Isaac dos Anjos, Marcolino Moco ou Baptista Kussumua.
Constou, inclusive, que Eduardo dos Santos terá dito a uma comissão encabeçada por Kundi Pahiama: “‘Estou doente, já tenho o meu candidato e agora vocês que apresentem outros candidatos”.
Na altura, o presidente do MPLA, chefe de Estado e Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos, afirmou na reunião ordinária do Comité Central do MPLA que o objectivo do partido era dar um ar de democracia às eleições gerais de 2017, embora já estivesse definido que o MPLA ganharia (como sempre) com maioria absoluta.
“O nosso objectivo é ganhar as eleições com maioria qualificada ou no mínimo maioria absoluta e o segredo estará na disciplina, na união e coesão de todos em torno dos nossos candidatos, quer no processo da campanha eleitoral quer no momento da votação”, afirmou José Eduardo dos Santos, durante o discurso de abertura da segunda reunião ordinária do Comité Central do MPLA.
Ninguém do MPLA oficializou ou comentou, na altura, qualquer nome da lista aprovada, sabendo-se apenas que, em simultâneo, o Comité Central aprovou uma moção de “incondicional apoio” a José Eduardo dos Santos, “na defesa dos ideais do MPLA e dos destinos do país”.
Fingir é fácil e tem resultado
José Eduardo dos Santos, ex-líder do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975 e ex-Presidente da República durante 38 anos, dizia querer o seu partido a defender, tal como quer o actual Presidente da República, João Lourenço, a luta contra aquilo que existe no partido há mais de 46 anos e que ambos incentivaram e de que beneficiaram: a corrupção.
Dito isto, logo se ouviram os potentes decibéis das gargalhadas dos angolanos, mau grado serem as principais vítimas da corrupção, essa instituição nacional do MPLA. Vítimas que na sua esmagadora maioria o MPLA colocou na miséria (existem 20 milhões de pobres) e a quem é passado um atestado de menoridade intelectual e de matumbez crónica.
Gozando à brava com a nossa chipala, José Eduardo dos Santos primeiro e depois João Lourenço, defendem que o MPLA deve liderar o combate à corrupção e ao nepotismo no país, males susceptíveis de – dizem – manchar a imagem do Estado e do Governo angolano.
Legitimidade para falar de corrupção não falta ao MPLA e muitos menos aos seus principais dirigentes, José Eduardo dos Santos ontem e João Lourenço hoje. Os principais corruptos e ladrões estão todos no MPLA.
Num seminário subordinado ao tema “MPLA e os desafios à corrupção”, promovido pelo grupo parlamentar daquela força política que está no poder, recorde-se, há 46 anos, Dos Santos disse que o MPLA deve posicionar-se na linha da frente para construir uma sociedade “mais justa, solidária e inclusiva”.
José Eduardo dos Santos, que foi Presidente de Angola de 1979 até 2017, substituído pelo seu ministro da Defesa e que foi a sua escolha pessoal (João Lourenço), sublinhou que a corrupção já tem sido definida como o segundo principal mal que afecta a sociedade angolana, depois da guerra, terminada em 2002.
Estão na base desse mal, disse o então patrão, patrono e mentor de João Lourenço, os “excessos” praticados por agentes públicos e privados, “que detinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou terceiros, em prejuízo do bem comum, transgredindo a lei e a norma de comportamento social”. Por outras palavras, todos membros do MPLA.
Para o ex-líder do MPLA, como para o actual, o combate a estes males passa pela prevenção e medidas educativas, judiciais e policiais, com vista a desincentivar este tipo de crime e ultrapassar ou minimizar os efeitos nefastos no quotidiano dos cidadãos e no desenvolvimento da sociedade.
Fosse Angola um Estado de Direito, José Eduardo dos Santos e todos os que foram seus acólitos bajuladores, incluindo João Lourenço, teriam sido presos e os seus bens confiscados a favor do país, a favor dos angolanos.
A divulgação das leis e medidas existentes ou necessárias para, de modo pedagógico, prevenir crimes atentatórios à probidade pública, cujo combate se encontra na agenda das sociedades modernas, impõe-se para fazer face a este fenómeno, segundo a hilariante tese do MPLA.
De acordo com o MPLA, o fenómeno da corrupção é antigo e permaneceu ao longo dos tempos, exigindo na sua abordagem um certo enquadramento histórico, social e político. Claro. A culpa é dos colonizadores em geral e, no nosso caso, dos portugueses. E é mesmo. Não fosse Diogo Cão ser “militante” do MPLA e, talvez, as coisas fossem diferentes…
Já como Presidente da República, João Lourenço, afirmou que os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral, desde logo o combate à corrupção, são para concretizar, reconhecendo a existência de “inúmeros obstáculos no caminho”.
Onde andou nos últimos anos o general João Lourenço? Só chegou agora? Não. Sempre foi um homem do sistema, do regime. Queira ou não.
1984 – 1987: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1987 – 1990: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; 1984 – 1992: Deputado na Assembleia do Povo; 1990 – 1992: Chefe da Direcção Politica Nacional das FAPLA; 1992 – 1997: Secretário da Informação do MPLA; 1993 – 1998: Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; 1998 – 2003: Secretário-geral do MPLA; 1998 – 2003: Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; 2003 – 2014: 1º Vice-presidente da Assembleia Nacional.
“Precisamos ao mesmo tempo de neutralizar ou reduzir a influência nefasta dos que apenas se preocupam em servir a si mesmos, descurando a necessidade da defesa do bem comum”, disse João Lourenço por ocasião do 42º aniversário da independência de Angola.
Tudo leva a crer que terá acrescentado, como o fez durante 38 anos José Eduardo dos Santos, “olhai para o que eu digo e não para o que faço”…