CABIDELA DE FALCÕES E GAZELAS

No dia 22 de Março, o MPLA, partido no poder em Angola há 46 anos, atribuiu a responsabilidades pelos confrontos que envolveram militantes seus no Uíje à UNITA (oposição), afirmando que este foi sempre o seu “comportamento” dos militantes do partido que vai ser cozinhado (cabidela) pelo MPLA, apelando às suas autoridades que levem os responsáveis a tribunal.

“Uma imagem vale mais do que mil palavras. Esse sempre foi o comportamento dos senhores da UNITA. Vejam o histórico e vejam de quem é esse comportamento. Os vídeos são mais do que evidentes”, respondeu o porta-voz do MPLA, Rui Falcão, quando instado a comentar a versão da UNITA, que culpou os militantes do partido no poder pelas agressões.

Como se sabe, mesmo não havendo vídeos na altura, a UNITA foi pioneira em matar angolanos, como foi o caso dos massacres de 27 de Maio de 1977, do monte Sumi, de Cafunfo e de tantos outros…

“O único comentário que nos merece é a nossa solidariedade para com as vítimas e o apelo às entidades policiais para que detenha os autores de tamanho crime e os encaminhe, tão rápido quanto possível, para as barras dos tribunais. Sejam quem forem, incluindo os autores morais”, acrescentou ainda o dirigente do MPLA.

A UNITA denunciara, em conferência de imprensa, em Luanda, a existência de “terrorismo de Estado e prisões arbitrárias” de 35 militantes do partido, na sequência dos conflitos.

Segundo o secretário-geral da UNITA, Álvaro Chikwamanga Daniel, os incidentes registados em Sanza Pombo, tiveram origem no seio de militantes do MPLA que “tentaram inviabilizar” um acto de celebração dos 56 anos do seu partido.

Nas redes sociais circularam imagens que retratavam os incidentes de Sanza Pombo, que terão resultado também em feridos e na vandalização da emissora municipal da Rádio Nacional de Angola (RNA)… do MPLA.

O secretário provincial da UNITA no Uíje, Félix Simão Lucas, apresentou, na ocasião, fotografias que mostram o confronto, com alguns feridos e danos materiais, referindo que o MPLA se sobrepôs ao acto da UNITA, previamente comunicado às autoridades.

Félix Simão Lucas deu conta que os ataques aos militantes da UNITA, protagonizados por membros do MPLA, começaram à entrada do município de Sanza Pombo, com barricadas nas estradas, e nas aldeias circunvizinhas onde os militantes do seu partido terão sido apedrejados.

Angola vive, do ponto de vista do Poder, uma situação conhecida, mas agora com novas vestes. Os jacarés até dizem aos seus familiares: “Aprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias”. Quem só fingiu acreditar… ainda anda por aí. Dos que acreditaram mesmo e, por isso, começaram a criticar, alguns já fazem parte da vegetariana cadeia alimentar dos simpáticos carnívoros moradores nos nossos rios.

Tenhamos memória. Mesmo antes da votação de 31 de Agosto de 2012 já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete.

Na altura, o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipadamente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.

Rui Falcão ontem, como hoje, tinha razão. Está no contrato de compra e venda assinado com Portugal que o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA. Por isso, aos 46 anos de Poder o MPLA vai juntar mais uns tantos. E tudo isto acontece não porque a Oposição, nomeadamente a UNITA, não tenha capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe.

Aliás, se necessário for, o MPLA poderá chegar a uma votação de, por exemplo, 110%. 110%? Sim, claro. E ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitações pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacional, nomeadamente em Lisboa, estão escritos desde 1975.

Como disse o vice-presidente da Assembleia Nacional, João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitirá dar continuidade à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social. Sim. Embora tenha começado muito antes, há dez anos já João Lourenço “lambia as botas” de forma servil e convicta ao “querido líder”, ao “escolhido de Deus”, José Eduardo dos Santos.

João Lourenço tinha (e continua a ter) toda a razão. Só assim seria possível dar continuidade ao programa que mantém perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo; em que só 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos.

“Se os eleitores nos derem essa oportunidade, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o ex-secretário-geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.

Tanta modéstia até foi comovente. João Lourenço sabia (e continua a ser um mestre) que, com extrema facilidade, o MPLA só não terá vitórias superiores a 100% se o não quiser.

Segundo João Lourenço, há muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidora de cerca de 40 anos conseguiram, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra-estruturas.

Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelmente 40 anos (ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção (que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros.

Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios etc.. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA.

Na abertura dessa reunião, o então presidente José Eduardo dos Santos disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor-se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais.

Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democráticos, coisa que Angola não é. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democraticidade, a ponto de que até os mortos votam.

“E é por estarmos conscientes de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o presidente e dono do país.

Ok. Os jacarés, com a bênção simiesca de Rui Falcão, estão à nossa espera (e nós à espera deles)…

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