Angola (leia-se o MPLA) é o país que mais uso faz de difamação criminal contra jornalistas o que levanta suspeitas sobre o seu uso, disse a coordenadora do programa para África do Comité de Protecção dos Jornalistas (CPJ), Ângela Quintal, em declarações à Voz da América.
Em declarações à VoA, Ângela Quintal fez notar que as leis de difamação criminal “são uma relíquia do passado colonial e a nossa esperança é que governos democrata pós-colonialismo não usassem essas tácticas”.
As declarações da coordenadora da CPJ coincidem com mais um caso em que entidades do governo angolano usam esse meio para levar jornalistas a tribunal. Importa, contudo, realçar que o MPLA não está a respeitar a tese do seu herói nacional, o genocida Agostinho Neto, que defendia que o partido não devia perder tempo com julgamentos. E cumpriu. Mandou assassinar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.
Com efeito, três jornalistas da rádio católica no Huambo foram chamados a prestar declarações na polícia (do MPLA), como parte de um processo crime de calúnia e difamação.
O caso está relacionado com uma reportagem sobre o alegado envolvimento do comandante da polícia do bairro São João no tráfico de armas de fogo e de munições. Coisa estranha num partido, o MPLA, que é a seita (*) que mais corruptos tem por metro quadrado.
Ângela Quintal sublinhou que a sua organização não se opõe a que a alegada difamação seja levada a tribunal, mas disse haver diferença entre “um caso de difamação criminal e difamação normal”.
“Não estamos dizer que pessoas que são ofendidas não tenham a capacidade de levar tribunal num caso civil quem eles acreditam as difamaram”, disse.
“Há uma diferença entre difamação criminal e difamação normal e nenhum jornalista deve ir para a prisão por difamação criminal”, acrescentou sublinhando que em Angola a maioria dos casos envolve entidades do governo (há 46 anos do MPLA) que têm jornalistas como alvo.
“Isto não se deu uma ou duas vezes (pois) há jornalistas que têm sido alvo de acções de difamação criminal há vários anos e foram levados a tribunal em muitas ocasiões”, afirmou ainda Ângela Quintal para quem “certamente que há outras medidas e é tudo o que nós pedimos”.
A coordenadora do CPJ lamentou que o presidente (não nominalmente eleito) João Lourenço (igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) não tenha cumprido a sua “promessa inicial” de reformas para garantir a liberdade de imprensa e disse que “o uso de difamação criminal colocou Angola num dos piores países em que se pode ser jornalista na África subsariana”.
“Não se é morto mas obviamente que se é perseguido em tribunais ou levado para interrogatórios pela procuradoria e isso faz aumentar o stress e trauma a que os jornalistas fazem face e resulta também em auto-censura”, disse.
Para Ângela Quintal o facto de um jornalista não ser necessariamente preso não significa que a situação de direitos humanos seja boa fazendo ainda notar que as televisões privadas foram encerradas.
“O direito do público a saber tem que ser baseado numa informação diversa, e livre por parte de uma grande variedade de jornalistas”, disse.
Ângela Quintal condenou por outro lado recentes ataques e actos de intimidação contra jornalistas de órgãos estatais. Não há desculpa para se atacar um jornalista que esteja a fazer o seu trabalho quer trabalhe para o sector privado ou estatal “não importa quão ideologicamente diferente seja”, afirmou.
LIBERDADE CAUSA PÂNICO AO MPLA
Em Maio de 2021, A presidente da Comissão da Carteira e Ética, Luísa Rogério, disse que a “censura explícita” faz com que em Angola (um país que é mais um reino, um reino que é mais uma propriedade privada do presidente do MPLA) a comunicação Social apresenta “não pareça muito real”.
Na altura, escrevia a DW África que, depois da crescente abertura vivida pelos órgãos de comunicação angolanos a partir de 2017, com o fim da chamada “era José Eduardo dos Santos”, a liberdade de imprensa em Angola tendia “a piorar a um ritmo crescente e preocupante”.
A presidente da Comissão da Carteira e Ética de Angola, Luísa Rogério, falava a propósito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
“Em 2017/2018 ficámos todos muito encantados porque os media passaram a publicar assuntos que até ao momento eram tabus. Se virmos bem, todas estas questões têm a ver com a governação passada, com a gestão decorrente do presidente José Eduardo dos Santos, que esteve no poder até 2017. Mas quando os assuntos, quando os grandes dossiês ligados à governação presente passaram a ser abordados, aí é que vimos que afinal havia um retrocesso”, começou por explicar.
Mais uma vez o Folha 8 teve razão… antes do tempo. Fomos dos poucos jornais que, logo em 2017, questionamos a “validade científica” do MPLA que, perante o mundo, garantia que – com João Lourenço – os novos filhos dos jacarés eram vegetarianos ou até mesmo veganos.
Para a jornalista Luísa Rogério, não tem havido uma evolução: “Não há um programa e nem sequer existem políticas públicas exequíveis. O próprio Estado não faz nenhum incentivo com vista a estimular a comunicação social privada. Portanto, há um défice acentuado de liberdade de imprensa que se manifesta por via da redução do pluralismo. Os maiores órgãos são controlados pelo Estado. E nós sabemos que isso acontece, que a nomeação dos PCA’s, dos conselhos de administração desses órgãos públicos, ainda é feita pelo titular do poder executivo”.
Casos de detenção e intimidação de jornalistas em Angola têm chamado a atenção de entidades internacionais como o Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ) que, insistentemente, pede “liberdade” para a imprensa em Angola.
Na altura, o país tinha em consulta pública uma adequação do pacote legislativo da Comunicação Social feito à medida e por medida pelo MPLA. Luísa Rogério disse que a proposta é “encorajadora”.
Segundo a presidente da Comissão da Carteira e Ética, a criminalização da actividade jornalística – prevista na legislação actual em casos de difamação e calúnia – continua a ser um dos grandes entraves ao exercício da profissão. Ou seja, o presidente do MPLA quer (e bem) que a nossa liberdade termine onde começa a dele. No entanto, não aceita que a liberdade dele termine onde começa a nossa.
“Os crimes de honra não deviam resultar na privação da liberdade. Há muito tempo que defendo e acredito que as penas podiam ser convertidas em multas”, frisa Luísa Rogério.
A jornalista fala também em “censura explícita” e auto-censura que condicionam o retrato do país nos órgãos de comunicação social.
“Se virmos os nossos noticiários vamos ficar com a sensação que Angola é outro país. A Angola que a media apresenta, de modo geral, não parece muito real. Tudo quanto acontece no espaço público devia ter igual tratamento na media e não tem”, diz Luísa Rogério.
Importa, contudo, recordar que quando o Presidente da República afirma que não há fome em Angola, os fazedores de informação têm de reproduzir essa afirmação, mesmo sabendo que é mentira. Só mesmo os Jornalistas (que nada têm a ver com fazedores de informação nem o são só por terem carteira profissional) se atrevem a dizer – com todas as letras – que o Presidente mente. E é por isso que Angola tem fazedores de informação até dizer basta, mas tem poucos (cada vez menos) Jornalistas.
“A media privilegia principalmente as acções do governo, dos titulares de cargos públicos do partido governante. A sociedade civil, por exemplo, só é retratada com equidade quando tem alguma proximidade ou quando o assunto não belisca nenhum interesse superior. Isso acontece porque há um medo, um excesso de zelo nas redacções que acaba por condicionar o desempenho dos jornalistas o que, naturalmente, se repercute negativamente no serviço prestado”, lamenta Luísa Rogério. Não é o caso, acrescente-se também com todas as letras, da Redacção do Folha 8.
Em Angola não há Dia Mundial da Liberdade de Imprensa que nos valha. E não há porque aos jornalistas restam duas opções: serem domados e manter o emprego, ou o inverso. É claro que no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa (repugna-nos comemorar uma coisa que não existe), vemos toda a espécie de gentalha (desde os que trocam jornalistas por fazedores de textos aos políticos que lhes dão cobertura) dizer que são a favor do direito universal à liberdade de expressão.
Com a hipocrisia típica e atávica que caracteriza os donos da verdade em Angola, até vemos alguns dos carrascos a recordar que os jornalistas têm sido assassinados, mutilados, detidos, despedidos e por aí fora por exercerem, em consciência, a liberdade de expressão à qual, em teoria, têm direito.
Aliás, estamos mais uma vez à espera de ver muitos dos malandros do regime que amordaçam os jornalistas aparecerem na ribalta com a bandeira da liberdade de expressão. Se calhar até João Lourenço será visto na ribalta com a bandeira desta causa.
E se até agora o principal barómetro da liberdade de Imprensa era o número de jornalistas mortos no cumprimento do dever, hoje junta-se-lhe uma outra variante para a qual Angola dá um notório e inédito contributo: os jornalistas mercadoria.
E até veremos alguns dos algozes da liberdade de expressão (desde os donos dos jornalistas aos donos dos donos dos jornalistas) citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Há alguns anos, o então secretário-geral da ONU defendeu uma tese que se tornou suicida no caso angolano. Kofi Annan disse que os jornalistas “deveriam ser agentes da mudança”.
Eles tentaram, eles tentam, eles continuarão a tentar o que aliás sempre fizerem, mudar a sociedade para melhor. Acontece que o seu conceito de sociedade melhor não é igual ao dos donos do reino, José Eduardo dos Santos ontem, João Lourenço hoje. E a resposta não se faz esperar: Jornalista bom é jornalista no desempregado ou amputado da coluna vertebral e, por isso, tapete do Poder.
(*) SEITA: «Grupo organizado que tem ideias ou causas em comum. Bando, Partido»