DESCULPAR O (IN)DESCULPÁVEL. DEUS AGRADECE O DIABO TAMBÉM

Evolução política “satisfatória” mas “muito aquém do expectável” em 20 anos de paz em Angola, diz Eugénio Costa Almeida. O Investigador luso-angolano garante que a resolução dos “problemas sociais continua a estar um pouco aquém” do desejado.

“Naturalmente que houve evoluções políticas satisfatórias, mas que ainda assim estão muito aquém daquilo que era e seria expectável, até porque muitas das questões políticas que estão presentes hoje em dia não são dissociadas de problemas sociais”, destaca Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), do ISCTE-IUL e do Centro de Investigação da Academia Militar, Lisboa (CINAMIL).

Para Eugénio Costa Almeida, a resolução dos “problemas sociais” em Angola “continua a estar um pouco aquém” daquilo que se desejava, e admite que “a culpa poderá não ser só de quem está no poder”, até porque, “a conflitualidade ainda está presente no discurso dos dois partidos [MPLA e UNITA], falando dos mais importantes”.

“A questão é esta: não pode dissociar-se as pessoas dos partidos, porque as pessoas normalmente representam os partidos, mas de facto, certas pessoas ainda não aprenderam a ter contenção verbal” e a troca de acusações “acaba por ir para a chamada arraia miúda, a população e essa por vezes é facilmente sugestionável”, considera.

Questionado sobre se a evolução política do país condicionou os sectores social e económico nestes 20 anos de paz, designadamente o cumprimento das expectativas e também das promessas feitas pelos dirigentes políticos, o investigador sustenta “que foram sendo cumpridas conforme as necessidades e conforme as conveniências”.

“O problema é este: Muitas vezes nós ficamos na dúvida de quais são as promessas sociais que fazem? Porque elas estão subjacentes, a maior parte delas, à mono-economia ou à mono-produção (de petróleo)”, responde.

“Há situações que estão cumpridas, outras não. São construídas centralidades, mas o fornecimento de água e electricidade continua muito aquém das conveniências, até porque muitas das nossas cidades ainda estão sobre-ocupadas devido à guerra civil e muitos não voltaram para as suas zonas de origem, e isso torna as cidades sobre-populacionais e não devidamente preparadas para as necessidades”, acrescenta.

O investigador é de opinião que “algumas promessas que foram feitas acabam por ser difíceis. […] No caso de Angola, como se sabe, o petróleo a dada altura esteve muito baixo e, portanto, o dinheiro que havia disponível era pouco, porque há compromissos económicos e financeiros que têm de ser pagos a entidades sob pena de entrar em ‘default'” e isso seria “impensável”.

O país tem agendadas para Agosto eleições gerais, em que será eleito, por via indirecta – como prevê a Constituição -, o Presidente da República.

À pergunta se está descansado para o ‘day after’ das eleições, Eugénio Costa Almeida responde com outra pergunta: “Posso responder oito dias depois da votação?”.

“Eu sou optimista por natureza. Mas também há quem diga que eu uso muito do meu nome, ou seja, em vez de dizer Eugénio muitas vezes digo que sou ingénuo e, portanto, eu, apesar de tudo, sou optimista com o ‘day after'”, acrescenta.

Todavia, alerta, “tudo vai depender do dia anterior, de haver situações anteriores, o que irá acontecer no período pré-eleitoral. E principalmente como vão correr as eleições”.

“Penso que não interessa a ninguém e muito menos aos partidos angolanos, os principais, mais correctamente, criar confrontos, e [espero que] esta situação de Sanza Pombo tenha sido um aviso para aquilo que não pode acontecer, porque isso terá reflexo na forma como iremos ser olhados pelo exterior”, adianta.

No passado dia 19 de Março registaram-se confrontos entre militantes do MPLA (no poder há 46 anos) e da UNITA no município de Sanza Pombo, província de Uíje, com dirigentes das duas formações a trocarem acusações e com a polícia a efectuar dezenas de detenções de apoiantes do maior partido da oposição.

“Neste momento a situação [à escala global] é periclitante devido à situação na Ucrânia, mas a economia mundial terá novamente alguma forma de avanço e os países que têm mostrado interesse em investir em Angola poderão voltar a ter esse interesse. Se a situação política de um país não for a ideal […] é evidente que não haverá investidores”, destaca.

Eugénio Costa Almeida salienta ainda o facto de Angola ter uma população maioritariamente jovem, que considera “ter um nível académico mais evoluído” do que as gerações anteriores.

“Têm melhor conhecimento da situação, têm maior capacidade de expressão política e social e, como tal, essa situação é um pouco problemática, até porque a maioria do desemprego “é jovem”, detalha.

“Os jovens tiveram promessas (…) muitas das promessas não puderam ser cumpridas por questões económicas (…) Há uma situação que tem de ser devidamente acompanhada”, salienta, recordando os efeitos da Primavera Árabe, que começou na Tunísia e as ‘ondas de choque’ ultrapassaram as fronteiras do mundo árabe.

“É melhor começamos a olhar o que se passa nos nossos vizinhos, ainda que sejam muito longe, mas rapidamente chega cá abaixo. Às vezes isso ainda é mais importante e nós sabemos como é que rapidamente a Primavera Árabe acabou por ter influência em quase todo o continente africano”, conclui.

Folha 8 com Lusa

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