A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, denuncia insistentemente o “tratamento absolutamente desigual” dos órgãos públicos na cobertura dos seus actos, sejam agora de campanha, sejam noutro qualquer âmbito. De facto, os órgão públicos do MPLA só publicam o que á autorizado pela comissão de censura do Departamento e Informação e Propaganda do MPLA.
Nada de novo, portanto. Volta a confirmar-se que filho de jacaré nunca será vegetariano. Aliás, João Lourenço (cidadão português até 11 de Novembro de 1975) aprendeu bem o que a censura portuguesa fazia. No entanto, em Portugal a censura acabou em 25 de Abril de 1974 e em Angola começou no dia da independência.
Em Outubro de 2020, o jornalista e economista Carlos Rosado de Carvalho voltou a ser barrado numa estação de televisão angolana, desta vez na Palanca TV, quatro dias depois de ter sido impedido de abordar o caso Edeltrudes Costa na TV Zimbo. João Lourenço dava mais um KO à liberdade de Imprensa e mandava para as calendas as suas promessas.
Nas suas contas de Facebook e do Twitter, o jornalista e economista anunciou que foi impedido de participar num debate sobre “O ambiente de negócios em Angola”, com os empresários Jorge Batista e Bartolomeu Dias, no dia 7 de Outubro de 2020, para o qual tinha sido convidado.
“Fazer o quê?”, escreveu Carlos Rosado de Carvalho num ‘post’ acompanhado pelas fotografias dos convidados, onde a sua cara aparece traçada com um “x” e a legenda “Carlos Rosado de Carvalho not”.
Questionado, na altura, pela Lusa, o jornalista afirmou ter sido avisado em cima da hora pela produção do programa de que “já não poderia participar”, sem mais explicações.
Censura? Não. Ditadura? Não. Fim da liberdade de expressão? Não. Então? Então é o reino do MPLA no seu melhor. Há 46 anos que o partido de João Lourenço garante que todos têm liberdade de expressão, desde que seja para estarem de acordo com as suas ordens. Há 46 anos que só censura os que não estão de acordo. Há 46 anos que, como qualquer sólida ditadura, implantou no reino a sua regra de ouro: “O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”.
A Palanca TV era um órgão privado ligado ao antigo ministro da Comunicação Social do ex-Presidente José Eduardo dos Santos que ficou sob controlo do Estado/MPLA, passando a ser mais um Pravda em que os sipaios cumprem as ordens do chefe do posto.
Carlos Rosado de Carvalho acusara na altura a TV Zimbo, outro órgão privado que passou para o Estado/MPLA, de censurar a sua participação na rubrica “Directo ao Ponto” onde pretendia abordar as alegações relacionadas com Edeltrudes Costa.
O chefe de gabinete do presidente João Lourenço teria sido favorecido, segundo uma reportagem da portuguesa TVI que pegou em denúncias já bem mais antigas (falta saber com que intenções), em contratos com o estado angolano, tendo transferido milhões de dólares de uma empresa sua para o estrangeiro, que serviram para comprar casas e outros bens de luxo.
A direcção da estação, como boa reprodutora de ordens superiores, rejeitou as acusações de censura, mas não foi poupada por organismos como o Sindicato dos Jornalistas, o Instituto para a Comunicação Social da África Austral (MISA) e até a Ordem dos Advogados de Angola que se solidarizaram com Carlos Rosado de Carvalho.
Em bom português, a estes sipaios do MPLA é dada a ordem para chafurdar na merda porque, segundo o entendimento superior, essa forma de estar é para eles uma questão de vida e de identidade. Aliás, quando os dirigentes do MPLA decidem calar todos os que pensam de forme diferente e livre o cheiro é nauseabundo. Isto como resultado de também eles terem o cérebro nos intestinos…
Também a UNITA, mostrou preocupação com “o cercear das liberdades de expressão e de imprensa” no país, apontando a “censura de conteúdos” na TV Zimbo como um exemplo.
A TV Zimbo, a Rádio Mais e o jornal O País, todas do grupo Media Nova, foram confiscados pelo Estado/MPLA e entregues ao Estado/MPLA no final de Julho de 2020, no âmbito do dito processo de recuperação de activos criados com fundos públicos, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR).
A Palanca TV, órgão integrante do grupo Interative – Empreendimentos Multimédia, que incluía ainda a Rádio Global e Agência de Produção de Programas de Áudio e Visual passou para as mãos do Estado/MPLA a 28 de Agosto desse ano, no âmbito do mesmo processo de recuperação de activos constituídos com fundos públicos.
No início de Setembro de 2020, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, anunciou que a estação iria passar a produzir apenas conteúdos desportivos. E assegurou na altura que tal medida não afectava a pluralidade da informação.
“A Palanca TV e outros órgãos afectos a este processo de recuperação de activos são empreendimentos constituídos com fundos públicos e o Estado tem que ter uma estratégia de forma concreta se transforme num canal desportivo de emissão nacional”, frisou.
Então como é Presidente João Lourenço?
O Presidente da República de Angola (não nominalmente eleito), também Titular do Poder Executivo e Presidente do MPLA (do qual foi vice-presidente na era de José Eduardo dos Santos), João Lourenço, avisou em Março de 2020 que não era possível dispensar a justiça no combate à corrupção e que iria continuar esta luta apesar da “resistência organizada” que tem encontrado.
“É evidente que a perda repentina dos direitos abismais que alguns pensam ser um direito divino inquestionável, tinha de criar resistência organizada na tentativa de fazer refrear o ímpeto das medidas em curso”, declarou o presidente no seu discurso de abertura da III Reunião ordinária do Comité Central do MPLA, partido no Poder desde 1975 e dentro do qual João Lourenço foi um dos mais altos dignitários, a ponto de ter sido escolhido e imposto por José Eduardo dos Santos como seu sucessor.
Sem citar nomes (como é típico do MPLA), João Lourenço falou de pessoas que tiveram “uma ambição desmedida, mas que deviam, pelo contrário, agradecer a acção do executivo”. Compreende-se que não cite nomes. Se o fizesse teria de começar por referir o nome de… João Lourenço.
“Se deixássemos a festa continuar talvez viessem a morrer de congestão de tanto comer”, ironizou João Lourenço, refastelado que está por ter sido um dos que tinha acesso privilegiado à gamela mas que, graças ao marimbondo José Eduardo dos Santos, se transformou em dono dessa mesma gamela.
João Lourenço reforçou a propaganda de que foi o MPLA, partido do poder há 46 anos, que “teve coragem de encabeçar a luta contra estes fenómenos negativos e condenáveis” ao reconhecer os danos causados pela corrupção e nepotismo à economia e aos cidadãos, mas acrescentou que esta luta já não é só do MPLA e da oposição, e sim de toda a sociedade angolana. Isto, é claro, se a sociedade angolana não colocar em dúvida o domínio político, económico, financeiro, policial e militar do novo messias, João Lourenço.
Uma luta que, disse João Lourenço, “penalizará aqueles que dela desistirem ou pretenderem regressar ao passado”. Passado que, recorde-se, teve como uma das principais figuras o mesmo João Lourenço, então beneficiário directo e, por isso, submisso ministro de José Eduardo dos Santos.
O combate à corrupção que João Lourenço diz que elegeu como bandeira do seu mandato presidencial tem merecido elogios da comunidade internacional, mas também suscitado algumas vozes críticas (cada vez mais numerosas e audíveis) que acusam o executivo de ser selectivo elegendo como alvos, os familiares e próximos do ex-presidente José Eduardo dos Santos.
No discurso de Março de 2020, João Lourenço fez questão de sublinhar que é a sociedade angolana que exige a continuação desta luta “pelos ganhos morais, de reputação e económicos” que o país beneficiará. É verdade. Pena foi, e é, que João Lourenço tenha demorado tanto tempo a reconhecer que viu roubar, que participou nos roubos, que beneficiou dos roubos, mesmo dizendo que – apesar disso – não é, nem foi, ladrão.
João Lourenço deixou também recados às “vozes discordantes” da forma como a luta vem sendo desenvolvida, nomeadamente pessoas e instituições que julgam que é possível combater a corrupção com campanhas de educação e sensibilização e apelo ao patriotismo, dispensando a acção da justiça. Justiça que confunde, conscientemente, o fundo do corredor com o corredor de fundo, branqueando a incompetência generalizada em que se verifica, cada vez mais, que mudaram algumas moscas mas mantendo a mesma merda (na qual chafurdar é para muitos uma questão de vida e de identidade).
Todas essas acções são importantes e necessárias, mas – diz – “servem para educar e prevenir os cidadãos para não enveredar por caminhos errados”, já que sendo a corrupção um crime, para quem nela está envolvido, “não há forma de se evitar a intervenção dos órgãos de justiça”, salientou João Lourenço.
João Lourenço assinalou ainda que o Estado (leia-se MPLA) foi “benevolente e magnânimo” ao dar um período de graça de seis meses, quase equivalente a uma amnistia, para quem quisesse repatriar voluntariamente os capitais no exterior ou os bens ilicitamente adquiridos no país.
“A anterior situação beneficiou muita gente de dentro e de fora que obviamente não está satisfeita com o actual quadro e, por isso, luta com todas as forças para ver se ainda possível voltar a reinar no paraíso e usam todos os meios para descredibilizar o processo em curso”, acusou o chefe do executivo angolano, garantindo ainda que iria manter a postura e coragem política face ao fenómeno da corrupção, pois assim “o partido sairá mais forte” e em melhores condições de enfrentar os desafios que tem pela frente.
Os jacarés “made in MPLA”
O cidadão comum rejubilou com a saída de José Eduardo dos Santos, que, pasme-se, pese os 38 anos de poder ininterrupto e absoluto, à luz da actual Constituição de Fevereiro de 2010, só cumpriu um mandato. Como assim, perguntará o leitor? É assim porque desde 1975, em Angola, para uns, tudo é possível…
No caso angolano, um anacrónico e inconstitucional acórdão do Tribunal Constitucional, capitaneado por Raúl Araújo, considerou, ao arrepio de todo o bom senso da norma jurídica, não contarem os 34 anos de poder de Eduardo dos Santos, por nunca ter tomado posse.
Por tudo isso, a ascensão de João Lourenço mexeu com muitos, por advogar, no início, o propósito de adoptar uma política de moralização e ética na função pública, blindagem da acção dos agentes públicos, tendo como substrato o combate à corrupção.
Mas, tudo já deixou de parecer, para passar a ser, mais uma falácia, pois o nosso monarca exclui, deliberadamente, uma ampla discussão nacional com todas as forças políticas, viola a Constituição e desrespeita as leis, num autêntico desvario político de vaidades umbilicais, face ao monopólio de um actor e partido político, que não são virgens inocentes, pois são responsáveis por toda a desgraça que atinge a maioria dos autóctones pobres (20 milhões).
Angola, na era de João Lourenço, embandeirou em arco com o grande desígnio do combata à corrupção. A comunidade internacional juntou-se à festa, tornando-as quase uma orgia. Ninguém se preocupou, ninguém se preocupa, em saber o que é e de onde vem essa corrupção que o Presidente diz querer combater com todas as suas forças.
Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, injusta ou justamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava existir no MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.
A corrupção em geral, mas muito mais a sistémica, atinge mortalmente o desenvolvimento social e económico do país, desviando de forma ardilosa (porque o Povo olha para a árvore mas não vê a floresta) os investimentos públicos que deveriam ir para a saúde, educação, infra-estruturas, segurança, habitação, aumentando a exclusão social da maioria e a riqueza de uma minoria ligada ao Poder.
Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminuir a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada em nossa sociedade há décadas.
O filósofo Michel Sendel, professor da Universidade de Harvard, diz que ela é sistémica quando impregna os diversos sectores do governo, dos partidos, dos grande empresários e poder judiciário. Exemplifica a endémica como aquela em que um estudante copia nos exames, ou do funcionário que pede uma factura com valor superior ao gasto, ou que foge ao pagamento de impostos.
Michel Sendel acrescenta, contudo, uma outra espécie de corrupção: a sindrómica. Esta é aquela em que o próprio Estado fomenta o comportamento corrupto na medida que impede um empresário de sobreviver se não subornar agentes públicos que criam dificuldades para vender facilidades.
Quando um regime amedronta o dinheiro, a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 6 de Maio de 2008, em Lisboa, disse: “Angola é um país gerido por criminosos”.
Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada num partido (MPLA), apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado, isso significa ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.
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