EU BAJULO, TU BAJULAS, NÓS BAJULAMOS

O Presidente da República de Angola, João Lourenço, enviou na sexta-feira uma mensagem de felicitações ao seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, destacando Portugal como “uma nação pujante, de grande respeito e reconhecimento ao nível europeu e mundial”.

Também o Presidente do MPLA, João Lourenço, mandou igual mensagem ao seu homólogo do PS, António Costa, a que se juntou outra do Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ao seu homólogo do Governo português, António Costa.

“O chefe de Estado angolano destacou, com satisfação, a singular trajectória e a pluralidade étnica do povo português, que contribuíram para o seu importante enriquecimento cultural e fizeram de Portugal uma nação pujante, de grande respeito e reconhecimento ao nível europeu e mundial”, lê-se na nota divulgada hoje pelo serviço de imprensa da Presidência angolana. Recorde-se que, até 11 de Novembro de 1975, João Lourenço foi cidadão…português.

Na mensagem, João Lourenço disse acreditar nas grandes potencialidades de cooperação entre os dois países e mostra-se convicto nas boas relações bilaterais e a nível da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

João Lourenço acredita “no enorme potencial de possibilidades de cooperação existente” entre os dois países, acrescentando que ambos deverão continuar “a trabalhar conjuntamente no sentido da intensificação de acções comuns”, com vista a atingir “benefícios mutuamente profícuos, quer do ponto de vista bilateral, como no âmbito da CPLP”.

Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 46 anos (o MPLA) acreditam – ainda mais porque estamos em plena campanha eleitoral – que se justifica que Marcelo Rebelo de Sousa agradeça (mesmo que a despropósito) ao Presidente João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, Marcelo Rebelo de Sousa deve dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto…

Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Em Portugal, de António Costa a Rui Rio (sem esquecer a segunda figura do Estado, Augusto Santos Silva, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho) todos dizem o mesmo. É normal. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. José Eduardo dos Santos que o diga, José Sócrates que o diga.

Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.

“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?

Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.

Bem dizia Eça de Queiroz, provavelmente antecipando a pequenez intelectual de um tal Marcelo que haveria de ser presidente de Portugal, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.

Vejamos, por exemplo, o que disse Guerra Junqueiro, num retrato preciso e assertivo de Marcelo Rebelo de Sousa e de grande parte dos seus cidadãos:

«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

«Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.

«Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

«A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

«Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.»

Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Diz ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.

“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.

Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.

De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.

“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros.

No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.

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