CABINDAS SÓ QUEREM SER QUEM SÃO

A Frente para a Libertação do Estado de Cabinda instou hoje o Presidente da República do Congo e a comunidade internacional a organizarem um referendo de autodeterminação naquela alegada província angolana e pediu ao Papa para persuadir Luanda a aceitá-lo.

A Frente para a Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) “exorta o Presidente Denis Sassou-Nguesso, a União Africana (UA), a União Europeia (UE) e a ONU a organizarem um referendo de autodeterminação livre e justo em Cabinda”, escreve o porta-voz do movimento, Jean Claude Nzita, num comunicado hoje divulgado.

Ao Papa Francisco, a organização pede que use a sua influência “para que o Governo angolano aceite a realização de um referendo de autodeterminação no território de Cabinda sob a égide da ONU”.

Com o referendo, a FLEC-FAC quer “permitir ao povo cabindense determinar o seu destino e decidir o seu futuro político sem ficar para sempre refém de Angola”.

“A UA, a UE, a ONU e o Presidente Denis Sassou-Nguesso são chamados a fazer pressão sobre Angola, impondo-lhe o respeito das fronteiras com Cabinda, e levando-o a permitir ao povo cabindense exercer o seu direito à autodeterminação e à independência, porque é a única saída de acordo com a lei internacional”, pode ler-se no comunicado.

Os independentistas da FLEC-FAC convidam ainda a comunidade internacional a “assumir as suas responsabilidades para pôr fim à ocupação militar” no território e para “impor o direito do povo cabindense à liberdade e à soberania”.

No comunicado, a organização reitera que continua comprometida com uma “solução política, justa e duradoura para a descolonização de Cabinda” e garante que “não aceitará a realidade que Angola pretende impor os Cabindenses”.

Esta não é a primeira vez que o movimento independentista de Cabinda apela ao apoio do Presidente da vizinha República do Congo, onde a FLEC-FAC tem assumido ter bases. No ano passado, a organização pediu a ajuda de Sassou-Nguesso para conseguir um lugar nas instituições internacionais.

A alegada província angolana de Cabinda, onde se concentra a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua ao restante território, sendo delimitada a norte pela República do Congo, a leste e a sul pela República Democrática do Congo e a oeste pelo Oceano Atlântico.

A Frente para a Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) luta há anos pela independência daquela província, alegando – correctamente – que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

No entanto, o Governo angolano recusa reconhecer uma situação de instabilidade naquele território por si ocupado em 1975, sublinhando sempre a unidade do território.

Recorde-se que também Timor-Leste levou a efeito um referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente.

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como aconteceu em Janeiro de 2010, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão… que outro remédio têm os cabindas?

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

No dia 30 de Novembro de 2004, Adriano Moreira publicou no Diário de Notícias o seguinte artigo:

«Nesta questão da globalização, em que circulam expressões como Estado-continente para designar os de maior extensão territorial e Estado-baleia para referir os das populações desmedidas, acrescendo o fenómeno dos grandes espaços que agregam várias soberanias cooperativas, as atenções desviam-se facilmente das pequenas identidades políticas, cuja autonomia de Governo não foi consagrada pela História, e olham com displicência para as que lhes parecem uma arqueologia de resíduos.

Casos como os do Mónaco, São Marino, Andorra, parecem amparados por um sobrevivente respeito dos ocidentais pela História, mas a dissolução da Jugoslávia, a desagregação da URSS, a complexidade do Médio Oriente, destinos como o do Tibete, encontram difícil amparo em escalas de valores participadas.

Nesta data, Cabinda é um território cuja situação tem de ser avaliada tendo em vista este conjunto de variáveis: um pequeno território com uma população de dimensão correspondente; multiplicação de soberanias interessadas no seu estatuto efectivo, num quadro internacional incerto, com todas as sedes de legitimidade em crise, bastando lembrar os efeitos que a segunda guerra do Iraque teve na consistência das solidariedades no Conselho de Segurança, na NATO, e na própria União Europeia.

Em primeiro lugar, acontece que o respeito pela identidade e vontade de ocupar um lugar igual na comunidade internacional não depende nem da dimensão territorial nem da expressão numérica da população: é um direito dos povos, que não foi limitado pela regra indicativa da ONU, no sentido de as fronteiras da independência serem as que tinham sido traçadas pela soberania colonizadora.

No caso de Cabinda, o ordenamento constitucional português, que durou até 1976, nunca impediu a afirmação reiterada da identidade específica de Cabinda, nem a especificidade do título que uniu Cabinda à coroa de Portugal, o anualmente e solenemente festejado Tratado de Simulambuco, em relação também, com expressão única, com o facto de os bustos dos reis portugueses em exercício por vezes assinalarem as sepulturas dos líderes políticos locais que faleciam.

A decisão de cada povo, com sentimento de identidade, convergir para espaços políticos mais vastos, optando por limitações de soberania, por grupos de soberanias cooperativas ou por autonomias regionalizadas, faz parte da liberdade com que organiza a preservação da sua identidade, não pode ser uma imposição exógena, que contrarie os princípios e valores a que a Carta da ONU vinculou a defesa da paz e da dignidade dos povos e dos homens.

É finalmente certo que o petróleo, como as antigas especiarias, tende para fazer esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro de Vasco da Gama, e que Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela percepção actual da África útil.

A resposta firme tem de adoptar a recente advertência do PNUD (2004): «São necessárias políticas multiculturais que reconheçam diferenças, defendam a diversidade e promovam liberdades culturais, para que todas as pessoas possam optar por falar a sua língua, praticar a sua religião e participar na formação da sua cultura, para que todas as pessoas possam optar por ser quem são.»

Os cabindas não exigem mais, e não se lhes pode pedir que exijam menos: «Optar por ser quem são.»

Folha 8 com Lusa

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