CABINDA NÃO É UMA GLEBA NEM UMA COUTADA PRIVADA

Há algumas semanas, fomos surpreendidos pela notícia da prorrogação do contrato de exploração do petróleo no mar de Cabinda, por mais vinte anos (a contar de 2030)!

Por Fernando do Rosário Luemba

Se a notícia constituiu, para mim, uma desagradável surpresa, pelo seu carácter inesperado e pela sua natureza, é, para o povo de Cabinda, uma humilhação, uma violação e mesmo uma provocação! Ao mesmo tempo que devia ser, para eles, uma autêntica vergonha!

Renovar o contrato de exploração do petróleo – nas circunstâncias actuais e com os desafios e os riscos prevalecentes ou simplesmente presentes – sem ao menos dar uma informação prévia àqueles que sofrem as consequências directas, imediatas e nefastas daquela actividade (a poluição com os característicos e periódicos derrames e os danos irreversíveis à biodiversidade) desabona todas as partes e individualidades envolvidas no acto, manifesta ou demonstra toda a sua falta de humanismo, de pejo e decoro e, acima de tudo, desprovidos da mais elementar ética; diz tudo do seu ser e da sua maneira de ser e de estar, dos seus objectivos e da sua percepção das pessoas (de si mesmos e, sobretudo, dos outros); mas também, e sobretudo, da ideia que têm de Cabinda.

Na verdade, agem como pessoas que estão num território conquistado (como só havia no passado longínquo, e era uma situação pior do que a dum território ocupado!), cujos naturais e habitantes não têm palavra nenhuma a dizer sobre os problemas que lhes dizem respeito: são tratados como pessoas sem direitos nem interesses próprios.

Mas a verdade é que – e tenho de o repetir, devo mesmo gritar, para que aqueles energúmenos e todos os interessados me ouçam – Cabinda não é uma gleba, uma coutada privada ou uma terra nullius (como também as havia no passado remoto)!

Cabinda – como entidade geográfica bem delimitada e distinta de todas as demais – e os Cabindas (os que aqui nasceram e aqui vivem – sem desprimor por – nem discriminação contra – aqueles que dela estão ausentes; e aqueles que para cá vieram e fizeram dela a sua terra) têm direitos a proteger e a promover, interesses a defender e um futuro a preservar em Cabinda e sobre Cabinda: em conclusão, têm uma palavra a dizer! Não podem ser informados apenas pelos meios de comunicação social e/ou pelas redes sociais de que o contrato de exploração do petróleo no mar de Cabinda vai vigorar, no seu actual quadro jurídico (social e ambiental, sem prejuízo dos outros elementos que deviam ser tidos como determinantes e estruturantes), até 2050!

Pois bem, nós dizemos – não! E não se trata duma mera reserva ou simples intenção: trata-se da mais firme, mais veemente e mais frontal oposição. Não aceitamos essa renovação, opomo-nos a ela e declaramo-la, para todos os efeitos, nula e de nenhum efeito. Não vincula nem vinculará os Cabindas! Para nós – salvo prorrogação a ser negociada oportunamente, em condições dignas e sérias -, o contrato expira em 2030!

Na verdade, é o contrato actualmente em vigor que servirá de base à conversa que teremos nos próximos tempos, logo que se comece a delinear o quadro político-jurídico (e sócio-económico) tendente à determinação do futuro estatuto de Cabinda, ou à sua implementação concreta. É nesse contrato (que resulta da renovação de 2002, salvo erro) que havemos de introduzir – antes mesmo de se falar duma eventual renovação do mesmo, mas ainda em sede da sua revisão ou actualização – cláusulas tendentes a dar-lhe a cor e a vocação local que, no mínimo, deverá transferir para Cabinda a exclusividade e a totalidade do direito sobre as receitas fiscais do petróleo por ele produzido, e reconhecer-lhe também a titularidade a uma quota da produção, para além da regulamentação e regularização das questões ambientais, com vista à protecção da biodiversidade e do ambiente, e a reparação dos danos causados ao ambiente e à biodiversidade (mediante prévio diagnóstico da situação e justa avaliação dos danos).

Estamos a tratar de questões vitais e sérias, de objectivos de médio prazo, e não de meras e banais especulações, imaginações, quimeras ou fantasias!

Dizemos – não! a essa famigerada e intempestiva renovação do contrato com a mesma seriedade e a mesma veemência, firmeza e determinação com que, em 2006, dissemos «NÃO» ao tristemente célebre «Memorando de Entendimento para a Paz e a Reconciliação na província de Cabinda» e ao seu rebento (aborto ou nado-morto), o quimérico e burlesco «estatuto especial»!

E tão sérias, actuais e transcendentes são estas questões que para elas chamamos a atenção, não só dos amigos do petróleo (que agem como donos do petróleo de Cabinda e do próprio território de Cabinda), mas também e sobretudo, à comunidade internacional, de modo particular a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Africana (UA) e a União Europeia (UE), para que se informem (da situação real de Cabinda e dos desafios que representa), se conformem (com os nossos direitos e interesses legítimos, as nossas aspirações e as nossas reclamações ou exigências) e enformem as suas atitudes e condutas – depressa e em força – em prol da verdade, da liberdade, da justiça e da democracia em Cabinda, com vista à resolução pacífica e definitiva duma situação anacrónica (concebida e construída na ideia e essência da força, assente na arbitrariedade e na prepotência, imposta pela força bruta e cega, e mantida apenas pela lei do mais do mais forte, com a veleidade de a perpetuar) que já durou demasiado tempo!

Portanto, aos homens do petróleo aconselhamos que – para não o rasgarem – enviem o documento que resulta dessa pretensa renovação do contrato, de 06 de Dezembro de 2021, para os museus! Para nós (Cabindas), não vale nem valerá! E quando os Cabindas dizem não, só Deus pode dizer sim! Mas Deus deu já aos homens da força, aos senhores do mundo e do petróleo, tempo suficiente para corrigirem a grave e tenebrosa injustiça imposta a Cabinda e aos Cabindas. Não virá em defesa deles, virá apenas confirmar o «não!» dos Cabindas!

Na verdade, enganam-se, se pensam que vão manter o sistema actual (vigente), continuar a impor a sua vontade e os seus interesses de maneira exclusiva, em total desprezo ou ignorância dos autóctones, confiando apenas na lei do mais forte, e prosseguir com o garimpo do petróleo em Cabinda até 2050!

Pensam que, por não ter nome sonante, legitimado pelo poder, pelos canhões ou pelo capital, quem escreve estas linhas (e o faz com a face meio oculta, num aparente anonimato, à imagem dum Uncle Sam americano, um Jacques gaulês ou um Silva ou Pereira luso), esta proclamação (feita à guisa de interpelação) é uma fantasia, uma paródia ou uma grotesca diversão? Não! Certamente que não! É coisa séria, firme e irrevogável!

E é uma questão tão grave, relevante e transcendente (apesar da simplicidade da sua essência e natureza, e da banalidade e insignificância a que foi reduzida), que nós vamos para além das petrolíferas e dos donos do petróleo: dirigimo-nos também à comunidade internacional (no seu todo) e aos países que albergam, protegem e defendem os interesses petrolíferos instalados em Cabinda; às nações que promovem a paz, a liberdade e a democracia, e respeitam a identidade, a igualdade e soberania de todos os povos, grandes e pequenos; e aos estados que acolheram os fundos desviados de Angola e lhes dão guarida: àquela (representada pela ONU, a UA e a EU), para pedirmos a sua acção e o seu empenho firme no reconhecimento, na proclamação e na implementação do estatuto territorial de Cabinda; àqueles: aos primeiros, exigindo o seu reconhecimento da identidade, da soberania e dos direitos do povo de Cabinda; aos segundos, para os incitar a agirem em prol da paz, da justiça e da liberdade em Cabinda, e finalmente, a estes, para notificá-los de que os referidos fundos, essencial ou exclusivamente derivados das receitas do petróleo produzido em Cabinda, deverão, em sede de recuperação e repatriamento, ter Cabinda como seu destino final (apelando, desde já à cooperação de todas as entidades públicas e privadas com vocação e competência para o efeito).

Há tempo para tudo, e o que se inicia agora, é o da reparação das injustiças e da condenação e, se possível, da punição dos crimes praticados em Cabinda e/ou contra Cabinda. Para tal, caberá a cada parte interessada considerar, antes de mais, os nossos «nãos»: o não ao Memorando de Entendimento (de 1 de Agosto de 2006) e o não à renovação do contrato de exploração do petróleo (de 06 de Dezembro de 2021); reconhecer e assumir a sua parte de responsabilidade nesse extravagante, tenebroso e comprometedor escândalo, e agir segundo os ditames do Direito (honeste vivere, nemine ledere, suum cuique tribuere), em prol da justiça e da sã e fraterna convivência (caso ainda seja possível)!

Quanto a Angola e a Portugal, que chamaram a si o triste e hediondo papel de verdugos do povo de Cabinda, é bom recordar que há tempo para tudo, e este é o de recuar (nas intenções e nas acções)! Errar é humano, mesmo para os Pôncio Pilatos! Mas nenhum erro é irreparável ou não pode, ao menos, ser confessado. Aliás, a História já nos deu o exemplo dum «Pôncio Pilatos» estatal arrependido e agindo para a reparação dos seus erros (e/ou crimes)! Basta recuar a 1979 e recordar (e reviver) a conferência de Lancaster House!…

A bom entendedor, meia palavra basta! Ivulu cimatu, ivulu cimatu; ivulu cikuwa, ivulu cikuwa! (ser surdo, é uma coisa; ser obtuso, é outra coisa!)

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

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