O major (da Casa de Segurança, agora chamada Casa Militar, do Presidente João Lourenço) Pedro Lussati disse hoje que está a ser usado como bode expiatório numa “guerra híbrida” entre os superiores das Forças Armadas de Angola e pediu a devolução do seu património de mais de 100 milhões de dólares (101 milhões de euros).
Segundo Pedro Lussati, arguido no mediático caso Lussati, o montante da série de 2021, detido em sua posse, saiu de um banco comercial de forma legal.
“Essa série [de kwanzas], fui no banco levantar e foi levantado através de empresas. Mas eu entendo que a intenção seja apenas eu ser usado como um bode expiatório, essa é uma guerra híbrida onde eu sou um bode expiatório”, disse hoje Pedro Lussati, em tribunal.
“Os grupos que estão a digladiar-se, uns estão de um lado e outros do outro lado, mas o Pedro Lussati está no meio e está a ser usado como um bode expiatório. Nessa guerra híbrida eu sei que não vou ganhar, porque sou apenas um major, um insignificante”, realçou.
Lussati, major das Forças Armadas Angolanas (FAA) tido como cabecilha de um grupo que, segundo a acusação, defraudou o Estado angolano em milhões de dólares, foi ouvido hoje, no âmbito das alegações orais da defesa e do Ministério Público.
O major do MPLA, um dos 49 arguidos arrolados no processo, disse ser um empresário honesto, cujos investimentos tiveram início em 1998, referindo que na época já vendeu terrenos de 10 milhões de euros no Talatona, zona nobre a sul de Luanda.
“Quero aqui dizer que os factos sobre os quais o dinheiro que foi encontrado em minha casa não é meu, é falso. O que está a passar aqui é mais intimidação, estou a ser agredido, vandalizado, sem roupa sequer, a minha imagem na televisão ficou vandalizada”, referiu.
O major lamentou não ter acesso aos seus bens, inclusive a roupa, considerando que o uniforme dos serviços penitenciários angolanos é sujo e cheira mal.
Pedro Lussati é o único arguido do processo que aparece em tribunal, onde começou o julgamento em 28 de Junho passado.
Sobre as malas de dinheiro encontradas na sua posse, entre dólares, kwanzas e euros, o major das FAA disse tratar-se de sete malas, onde contém também documentos importantes, referindo que o dinheiro apreendido faz parte do seu património, avaliado em mais de 100 milhões de dólares, e também dos seus sócios.
“O que eu tenho nos Estados Unidos, em Portugal e noutros lugares é meu e sempre foi, aquele dinheiro da série de 2021 é meu dinheiro, nunca assaltei banco nenhum, e não se deve associar o meu dinheiro com situações que não têm nada a ver”, assinalou.
“Isto é uma cilada que fizeram contra mim”, atirou Pedro Lussati, que é acusado de “sobrefacturar” folhas de salários e de fazer parte de um “esquema fraudulento” na Casa de Segurança do Presidente da República de Angola, onde era funcionário.
“Eu enquanto oficial da Casa de Segurança [do Presidente da República] nunca tive autoridade e nem autonomia e nem na UGP [Unidade de Guarda Presidencial]. Na UGP era soldado, era oficial da sala de operações, enquanto eu naquela altura já era engenheiro”, explicou.
Nas suas alegações, o também considerado “major milionário” disse ser apenas um oficial que imprimia folhas de salário, sob ordem do seu chefe que tinha uma planilha onde constavam os limites financeiros e os planos orçamentais mensais e anuais.
“O meu património venho construindo desde 2001, nunca o meu património teve a ver com a Casa Militar, uma coisa é associar o meu dinheiro a uma simples folha de salário”, disse.
“A não tem nada a ver comigo, aliás a Casa Militar deve-me, porque estou a levar uma cruz que nunca devia ter levado”, lamentou, acrescentando: “Na Casa Militar tem mais de 10 generais, tem chefes, directores, assessores, consultores, muitos deles são responsáveis da gestão orçamental, mas não estão aqui, apenas é visado o Lussati”.
“Eu sinto muito o facto de ser vandalizado a esse nível, mas eu já perdoei todos que fizerem isso, são chefes, têm poder, e eles conversaram comigo (…)”, comentou.
Pedro Lussati explicou também que parte daquele dinheiro apreendido pertence aos seus sócios estrangeiros, “que a qualquer momento podem reclamar o mesmo”.
Por isso, argumentou: “Aconselho que a justiça tem que ser feita, mas associar o meu dinheiro à Casa Militar não é justo, se for aquele dinheiro é para esquecer”. O dinheiro nesse mundo de negócios, realçou, não é só seu, “é de terceiros”.
“Quando alguém pensar que o dinheiro é só de Pedro Lussati está enganado, aquele dinheiro que encontraram na minha casa, se não prendessem, tenho como provar por via documental, cujas malas estão na posse da PGR [Procuradoria-Geral da República]”, disse ainda.
Sobre as roupas e relógios de luxo encontrados no seu apartamento, Lussati disse que grande parte recebeu de amigos, sem pagar, garantido ter coisas de edição limitada.
“Há lá coisas de edição limitada que só eu é que tenho, muitos relógios eu não paguei, as empresas na Suíça dão-me relógio que custa um milhão, não paguei”, justificou, da mesma forma que disse ter casacos no valor de 100 mil euros que não pagou. “Por isso peço perdão se errei em algum momento, mas na Casa Militar não fiz nada”, garantiu.
Disse ainda que sempre teve dinheiro, que sempre gostou de “boa vida” e que nunca teve necessidade de se expor nas redes sociais por ser “um homem sério”.
“Porque sou sério, a minha seriedade não é mexer na folha de salário, aquele é um dinheiro insignificante. Aliás, não gosto de pouco dinheiro, esse é o meu problema”, assumiu.
“Peço que devolvam as minhas coisas, a minha liberdade, tudo o que foi encontrado na minha casa é meu, consegui com o meu trabalho, eu não faço câmbio de dólar, eu sou empresário”, rematou Pedro Lussati, que se queixou ainda da “violação” de todos os prazos de prisão preventiva.
Segundo o MP, nas suas alegações, o major Lussati e os restantes co-arguidos agiram “dolosa e conscientemente” à data dos factos, entre 2008 e 2018, e “cada um trabalhou a seu nível” para defraudar o Estado angolano.
Os arguidos, entre os quais oficiais das Forças Armadas Angolanas e civis, são indiciados dos crimes de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder, fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior, introdução ilícita de moeda estrangeira no país, comércio ilegal de moeda, proibição de pagamentos em numerário, retenção de moeda, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e assunção de falsa identidade.
Na sequência da detenção do major Pedro Lussati foram exonerados vários oficiais ligados à então Casa de Segurança/Casa Militar do Presidente angolano, incluindo o general Pedro Sebastião, então ministro de Estado e chefe de Casa de Segurança de João Lourenço, que foi substituído no cargo pelo general Francisco Pereira Furtado.
Acreditar que o major Pedro Lussati tenha, por engenharia mental própria, ludibriado mais de 10 generais, incluindo o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, só pode ser uma das mais inverosímeis mentiras e ofensa à maioria dos angolanos de bem.
Pedro Lussati, mero testa-de-ferro, é “vítima” das desavenças entre os herdeiros da roubalheira que – por não se entenderem – deram com a língua nos dentes a ponto de irritarem tanto o chefe máximo, que não teve outra alternativa que não fosse exonerar quase toda a corte.
Também acreditar ser este acto é uma demonstração da eficácia de João Lourenço no combate aos crimes de corrupção sai da linha do razoável e torna o ridículo uma pérola propulsora da máquina mental dos membros do Bureau Político do MPLA, que ante o óbvio – ADN da ladroagem do regime -, preferem considerar não que João Lourenço pode ser “Deus”, mas que é o próprio “Deus”, pois é isento de errar e tem uma inocência e bondade transcendental.
A insanidade da classe dirigente pode levar à instabilidade de um país, principalmente, quando políticos e intelectuais, hipotecam o saber para idolatrar o poder absoluto de um homem que esvazia os órgãos de soberania. A intelectualidade deve indignar-se e dizer que nenhum presidente, por mais competência que tenha, não pode querer monopolizar tudo e todos, mesmo quando a fome e a miséria avançam para o interior dos cidadãos, que morrem face à brutalidade mental dos dirigentes.
Na maioria das vezes servem de carne para canhão, depois são tratados pior do que leprosos. Os soldados pobres garantem a sobrevivência de poderes e regimes déspotas que se servem deles e depois, como sempre, tratam-nos como cães mendigos, sem ter, sequer uma reforma digna para sobreviver. Este soldado que não é desconhecido para continuar a viver tem como despensa os contentores espalhados por esta Luanda e Angola fora. Deveriam ter vergonha, senhores governantes, pois não vivem para servir, mas para se servir.
Folha 8 com Lusa