ANTES DO COVID NÃO HAVIA FOME?

Depois de ter dito que em Angola não havia fome. Depois de ter dito que a fome em Angola era relativa, o Presidente do MPLA e da República e também Titular do Poder Executivo, João Lourenço, admitiu hoje que “a pobreza se agravou” devido à pandemia da Covid-19 e que é preciso “reconhecer que aumentou exponencialmente a probabilidade de surgirem novos factores de tensão susceptíveis de originar conflitos” em África.

João Lourenço, que se deslocou domingo ao Senegal, a convite do seu homólogo senegalês, Macky Sall, discursou hoje no Fórum de Paz e Segurança, que decorre em Dakar sob o lema: “África face aos choques exógenos: desafios de estabilidade e de soberania”.

O chefe de Estado angolano realçou que, “nos últimos dois anos, o mundo enfrentou o difícil e complexo problema provocado pela pandemia da Covid-19 e teve que procurar, no meio de incertezas e dúvidas, soluções rápidas e eficientes que ajudassem a reorientar a vida das pessoas e dos países, para não só enfrentar o problema e tentar superá-lo”.

Segundo João Lourenço, no contexto das debilidades estruturais existentes no continente africano, é muito mais complicado e difícil reparar os estragos que a pandemia da Covid-19 provocou às economias dos países africanos.

“E é bastante claro que, nas circunstâncias atuais do pós Covid, se constate um agravamento das condições económicas e sociais, cujos efeitos sobre a vida das nossas populações não são negligenciáveis”, sublinhou.

De acordo com João Lourenço, o combate que vinha a ser travado contra a pobreza (20 milhões são, para uma população de 33 milhões, angolanos) e os programas que vinham a implementar com este objectivo, não só tiveram que ser postergados, como deixaram de poder contar com os recursos de que os países dispunham, “que já não eram muitos, por terem sido canalizados para o combate à Covid-19 e para a mitigação dos seus efeitos mais directos”.

“Admitindo-se que a pobreza se agravou, em função do que referi antes, temos de reconhecer que aumentou exponencialmente a probabilidade de surgirem novos factores de tensão susceptíveis de originar conflitos”, expressou.

João Lourenço defendeu que os Governos devem encarar esta situação “com a necessária objectividade” e procurar resolvê-la com base na utilização racional e responsável dos recursos de que dispõem, a fim de se prevenirem “contra o aproveitamento malicioso destas dificuldades por forças adversas”.

AS ESTRELAS DA FOME (RELATIVA) SÃO DO POVO

A União Europeia, que – para além dos negócios – sobre Angola tem apenas uma vaga e ténue ideia do que se passa, sublinha o empenho na abolição da pena de morte, na erradicação da tortura e na eliminação de todas as formas de racismo e diz que Angola pode incentivar outros países a seguir exemplo. Lindo. Só faltou citar Manuel Rui Monteiro a dizer que “as estrelas são do Povo”.

Em 2 de Outubro de 2019, Angola tornou-se parte do Protocolo Opcional para a Abolição da Pena de Morte, da Convenção contra a Tortura e Outras Formas de Tratamento ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

“Ao fazê-lo, Angola reforça a tendência global para a abolição da pena de morte, a erradicação da tortura e a eliminação de todas as formas de racismo. Estas adesões por parte de Angola deverão incentivar outros países a seguir este exemplo”, sublinhou a União Europeia, reafirmando ainda o seu “compromisso firme a favor da abolição universal da pena de morte, do combate à tortura e outros maus-tratos em todo o mundo, bem como de todas as formas de racismo”.

A pena de morte (onde não se inclui os mortos provocados pela criminosa incompetência do Governo) por acção desproporcional da Polícia Nacional (do MPLA) ou devido à fome não contam porque, explicou João Lourenço, são tudo causas… relativas.

Angola continua, impávida e serena, a assinar tudo quanto lhe põem à frente. Ratificou até vários tratados internacionais de direitos humanos, com vista a fortalecer o sistema jurídico de promoção e protecção desses direitos a nível nacional.

É mesmo caso para dizer que leis, tratados, acordos, convenções não faltam. O que falta é cumprir tudo isso. Mas o MPLA ainda não teve tempo… Como dirá João Lourenço, o MPLA não podia em tão pouco tempo (47 anos) resolver todos esses problemas.

O Governo ratificou, de igual modo, o Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Protecção das Vítimas dos Conflitos Armados não-internacionais, a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas e a Convenção para a Redução dos Casos de Apátrida.

Com a ratificação desses instrumentos, Angola cumpriu com os seus compromissos (formais) a nível internacional, especialmente enquanto Estado Membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o período 2018-2020.

Angola é Estado-Parte do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Pacto Internacional dos Direitos Económicos Sociais e Culturais, bem como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Ainda não há muito tempo o Governo do MPLA e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) assinaram, em Luanda, um outro acordo de cooperação destinado a reforçar as garantias da promoção e defesa dos Direitos Humanos em Angola.

O acordo, assinado pelo então secretário de Estado do Interior angolano, José Bamikina Zau, e pelo representante do PNUD em Angola, Henrik Fredborg Larsen, prevê o apoio da agência da ONU na monitorização, avaliação e estatísticas sobre direitos humanos, bem como acções de formação, sobretudo junto dos agentes das forças de segurança.

O documento prevê o apoio do PNUD em acções destinadas a melhorar as relações entre os agentes da ordem pública e os cidadãos e a respectiva capacitação institucional em matéria dos direitos humanos, como se viu, entre sucessivos exemplos, em… Cafunfo.

Na cerimónia, Henrik Larsen, que, mais tarde, se escusou a falar aos jornalistas (o que só por si é sintomático), destacou a “parceria estratégica” entre Angola e o PNUD, realçando o facto de a agência das Nações Unidas já trabalhar no sector em mais de uma centena de países, nomeadamente junto dos Governos e das polícias.

Sem adiantar pormenores, Larsen realçou, por outro lado, a importância de o Ministério do Interior angolano estar, desta forma, a “responder às preocupações” manifestadas nos últimos anos pelo PNUD em questões ligadas aos Direitos Humanos.

Por seu lado, Bamikina Zau sublinhou o “empenho” do Governo angolano na promoção e defesa dos direitos humanos em Angola, consubstanciado nos diferentes acordos já assinados com outras agências da ONU, como os altos comissariados das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Num documento oficial do Ministério do Interior, foi lembrado que a questão dos Direitos Humanos em Angola é uma matéria que está no “topo da agenda do executivo”. Só falta saber se essa agenda não está de pernas para o ar. E mesmo que esteja (e está mesmo), a posição é uma questão… relativa, tal como a fome.

Segundo o Ministério do Interior, Angola tem alcançado “importantes marcos no cumprimento das suas obrigações internacionais e regionais de reportar sobre Direitos Humanos, destacando a participação em dois ciclos de revisão periódica universal (UPR) – 2010/14 e 2015/19.

O Ministério do Interior lembrou ainda que Angola já criou “importantes instituições nacionais” representativas da defesa dos Direitos Humanos, como a Comissão Intersectorial para Elaboração dos Relatórios Nacionais dos Direitos Humanos, o Provedor de Justiça, os comités provinciais dos direitos humanos e o projecto legislativo para a criação de Centros de Resolução Extrajudicial de Conflitos (CREL). Faltou lembrar (e para isso estamos cá nós) o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Central do MPLA.

No dia 26 de Fevereiro de 2018, o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Manuel Domingos Augusto, reconheceu finalmente o que acontece há décadas. Ou seja, que o país “ainda tem um longo caminho a percorrer para garantir o bem-estar e os direitos fundamentais a todos os cidadãos”. Haja Deus!

Será que, perante este reconhecimento do ministro dos Negócios Estrangeiros, o MPLA iria pedir desculpas aos que – como é repetidamente o caso do Folha 8 – têm dito o mesmo ao longo dos anos e que foram acusados de alarmismo e de ataques ao prestígio do país e falta de patriotismo? Não. É claro que não.

O Presidente João Lourenço pediu desculpas em nome do Estado angolano pelas execuções sumárias levadas a cabo nos massacres de milhares e milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977, salientando que se tratou de “um sincero arrependimento”. Nem sequer foi relativo. Foi, disse ele, sincero. Mas, é claro, o assassino responsável pelos massacres, Agostinho Neto, continua incólume e a ser, por imposição expressa de MPLA, o único herói nacional. É fartar vilanagem.

“Não é hora de nos apontarmos o dedo procurando os culpados. Importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe. É assim que, imbuídos deste espírito, viemos junto das vítimas dos conflitos e dos angolanos em geral pedir humildemente, em nome do Estado angolano, as nossas desculpas públicas pelo grande mal que foram as execuções sumárias naquela altura e naquelas circunstâncias”, disse o chefe do executivo angolano.

João Lourenço dirigia-se ao país numa comunicação transmitida pela sua Televisão Pública, na véspera da passagem dos 44 anos sobre os massacres de milhares e milhares de angolanos, ordenados por Agostinho Neto, então Presidente da República Popular de Angola e Presidente do MPLA e ainda hoje considerado oficialmente o único herói nacional, em 27 de Maio de 1977.

Folha 8 com Lusa

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