ASSIM SE VERÁ A FORÇA DO… MPLA

A Polícia Nacional (PN) de Angola apela à serenidade e urbanidade dos militantes e simpatizantes dos quatro partidos políticos que vão realizar os seus comícios amanhã, sábado, garantindo estar em prontidão para acautelar a segurança pública. Tradicionalmente, recorde-se sem medo da verdade, a PN confunde o país com o MPLA. Esperemos que agora seja uma verdadeira Polícia… Nacional.

Além dos dois grandes rivais, MPLA (no poder há 46 anos) e UNITA (o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite), que escolheram o sábado para medir o pulso ao eleitorado, em Luanda, também a terceira força política, a coligação CASA-CE, e a FNLA, convocaram comícios para mobilizar apoio para as eleições gerais marcadas para 24 de Agosto, ainda antes do arranque da campanha eleitoral.

Segundo o porta-voz do comando provincial de Luanda da PN, Nestor Goubel, nada será descurado para garantir a segurança de todos durante a realização dos quatro actos políticos, marcados para diferentes municípios de Luanda.

“Temos as forças em prontidão para o asseguramento daquilo que vai ser a ampla movimentação de pessoas e meios, vamos ter muitas viaturas também”, disse o porta-voz, referindo que as medidas tomadas pela polícia visam a segurança das actividades, mas também o ordenamento do trânsito e do estacionamento.

“Queremos apelar aos automobilistas a ter uma condução mais prudente, sobretudo (nos locais) onde se realizarem essas actividades”, para onde estão mobilizados agentes afectos ao departamento de transito e segurança rodoviária, disse.

O responsável da polícia apelou também aos militantes e simpatizantes dos vários partidos políticos que vão realizar as suas actividades que “mantenham sempre o ‘fair play’, que mantenham uma atitude, um comportamento de cidadania”, lembrando que “a festa da democracia deve ser vivida de forma harmoniosa, sem alteração da ordem e da tranquilidade pública”.

A polícia “vai estar no máximo da sua força na rua” e preparada para intervir contra todos aqueles que comprometerem a ordem ou alterarem a tranquilidade, que “terão um tratamento à medida” das infracções.

Nestor Goubel exortou ainda os participantes e sobretudo às lideranças dos partidos para que observem o cumprimento das medidas relativas à Covid-19, nomeadamente o uso de máscaras e álcool gel, tendo em conta os previsíveis ajuntamentos nestes locais.

“O comando provincial de Luanda lembra que não é a primeira vez que se realizam eleições, já temos esta experiência e todos temos de estar engajados para que seja um acto de sucesso, de paz”, salientou o porta-voz da polícia.

Por outro lado, notou que “muita gente” se junta com outros propósitos, seja para alterarem a ordem pública ou consumir bebidas alcoólicas, o que depois “resvala para actos de incivilidade e ofensas à integridade física”.

“Nós, polícias, estaremos presentes para balizar e proceder à detenção dos indivíduos prevaricadores”, reforçou, pedindo cumprimento das orientações da polícia e que “a segurança pública seja a maior divisa para que esta seja uma actividade de sucesso”.

A realização dos comícios ameaça também a disponibilidade de transportes na capital, já que vários grupos de taxistas e motociclistas (conhecidos como ‘kupapatas’) estão a ser recrutados para apoiar as actividades partidárias, o mesmo acontecendo com o aluguer de autocarros das empresas públicas de transporte urbano.

Polícia (do MPLA) avisa

Recorde-se que, no dia 31 de Agosto de 2019, a mesma Polícia Nacional (do MPLA) alertou a população para “não aderir” a actos de arruaças e de vandalismos, “com a finalidade de perturbar a ordem e tranquilidade públicas, em algumas províncias do país”. E como até prova em contrário, segundo a lei do MPLA (a Constituição é inválida neste caso), os manifestantes são sempre culpados…

Num comunicado, a polícia referiu ter tomado conhecimento da intenção de alguns indivíduos já identificados e instrumentalizados (marimbondos, arruaceiros e similares, certamente) a partir do exterior do país (Barcelona? Londres? Lisboa?), que pretendem organizar “arruaças e actos de vandalismos”.

Sem citar nomes e dados concretos sobre as intenções de tais indivíduos, a polícia alertou a população a manter “um maior civismo e respeito pela legalidade e pelo património público”.

“A Polícia Nacional, no âmbito das suas atribuições, está atenta e não permitirá a incitação à violência e à prática de actos de vandalismo, adoptando medidas apropriadas e responsabilizando civil e criminalmente os seus mentores”, refere a nota então divulgada.

Nessa altura, em algumas redes sociais, foram feitos apelos para participação numa manifestação com vista a exaltar os feitos do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que então completou o seu 77.º aniversário, e ao tempo da sua governação comemorado com vários actos públicos.

Recorde-se que a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) apelou no dia 17 de Maio (de 2019) às autoridades angolanas para que investiguem suspeitas de abusos policiais na detenção de um activista do “Grupo dos 17” por alegados insultos ao Presidente.

De acordo com a organização, a 10 de Maio de 2019, em Luanda, seis polícias à paisana enfiaram à força o activista político Hitler “Samussuku” Tshikonde, elemento do que ficou conhecido como “Grupo dos 17”, num carro não identificado, tendo-o o mantido preso durante 72 horas sem acusação ou acesso a um advogado.

O jovem foi libertado a 13 de Maio e informado de que era alvo de uma investigação por ter insultado o Presidente da República, João Lourenço, num vídeo colocado nas redes sociais. É claro que agora é permitido insultar desde que seja o ex-presidente, José Eduardo dos Santos, ou Adalberto da Costa Júnior.

“Os maus-tratos da polícia angolana a “Samussuku” Tshikonde foram ilegais e um sinal de que o governo não tolerará dissidências pacíficas. A conduta dos polícias deve ser investigada e os envolvidos responsabilizados”, disse Ida Sawyer, subdirectora para África da Human Rights Watch.

Ida Sawyer defendeu que a “polícia angolana deve parar de tratar os activistas pacíficos como ameaças à segurança do Estado”.

“Respeitar o direito à liberdade de expressão é um passo importante na construção de uma democracia forte e de um Estado de direito”, sublinhou.

Tshikonde é um dos 17 activistas do grupo acusado em Março de 2016 de planear uma rebelião contra o governo do então Presidente José Eduardo Dos Santos.

Condenados a penas entre os dois e os oito anos de prisão, os activistas foram libertados em Junho de 2016 depois de o Supremo Tribunal ter anulado as condenações.

Tshikonde divulgou, a 8 de Maio de 2019, um vídeo na sua conta na rede social Youtube onde afirmava que os activistas estavam dispostos a fazer oposição a João Lourenço como fizeram a Eduardo do Santos, caso o actual chefe de Estado continue a perseguir activistas pacíficos.

O vídeo de Tshikonde foi uma reacção à breve detenção de outros dois elementos do “Grupo dos 17”, Arante Kivuvu e Benedito Jeremias, no início de Maio, na sequência de um protesto pacífico contra os despejos forçados na zona de Viana, em Luanda.

Tshikonde explicou, citado pela HRW, que seis homens não identificados o abordaram quando se dirigia a uma clínica acompanhado por uma tia e que os dois foram empurrados violentamente para dentro de um carro.

“Inicialmente pensei que eram bandidos e disse-lhes que não tínhamos dinheiro e que podiam levar os telemóveis. Mandaram-nos calar e entrar no carro”, disse.

De acordo com o jovem, pouco depois três outros homens identificados como membros dos Serviços de Informação e Segurança juntaram-se ao grupo que estava no carro.

Foram estes que, segundo Tshikonde, o informaram que estava detido por causa das suas “actividades online”, mas que não apresentaram qualquer mandado de detenção, nem deram mais pormenores sobre a suposta investigação.

Oficiais do Comando Provincial de Luanda da Polícia informaram Tshikonde de que a sua detenção estava relacionada com o vídeo, que classificaram como uma “ameaça ao Presidente”. A tia do activista foi libertada nesse mesmo dia e Tshikonde três dias depois.

HRW? O que é isso, pergunta o MPLA

No dia 1 de Março de 2017, a Human Rights Watch pediu ao Governo angolano uma investigação “urgente e imparcial” ao uso da força pela polícia contra uma “manifestação pacífica” em Luanda, que terminou com vários feridos, entre os quais Luaty Beirão.

O MPLA riu-se. Desde quando alguém de bom senso acredita que o regime do MPLA responde ou altere a sua lei de que o MPLA é Angola e Angola é do MPLA?

A posição surgiu na altura num comunicado divulgado pela estrutura da HRW para África sobre a manifestação que cerca 10 activistas angolanos (perigosos terroristas altamente municiados em armamento letal, alguns entretanto já convertidos) tentaram realizar, pedindo a demissão do ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, por este conduzir o processo de registo eleitoral e em simultâneo ser candidato do MPLA nas eleições gerais. Recordam-se?

“As autoridades angolanas estão a responder a protestos pacíficos com bastões e cães policiais. O Governo precisa de investigar a repressão policial contra os manifestantes e responsabilizar os responsáveis”, afirmava num comunicado o director da HRW para África, Daniel Bekele.

A HRW cometia, tal como hoje, mais uma gafe. Estes activistas continuam a ser – segundo a terminologia do regime, embora agora mais suavizada – terroristas altamente perigosos, pertencem a organizações de malfeitores criminosos, e visavam levar a cabo um golpe de Estado. Como se sabe, habitualmente estes criminosos, quase sempre jovens, andam armados com um vasto arsenal bélico e letal, do tipo esferográficas BIC (azuis), lápis de carvão (vermelho), blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar as ditaduras…

A HRW recordava que a Constituição angolana (lei que obedece à Constituição do regime/Estado/MPLA) permite manifestações públicas organizadas por cidadãos sem necessidade de uma autorização prévia das autoridades, mas também assinalava que o Governo tem “constantemente bloqueado e dispersado protestos pacíficos utilizando força desnecessária ou excessiva e prisões arbitrárias”.

Mais uma vez a HRW esqueceu-se que esses direitos só são válidos para manifestações de apoio ao regime. Aliás, todas as outras foram tacitamente proibidas porque visam (como sempre) derrubar o governo, promover a rebelião e golpes de Estado e são actos que atentam contra a segurança do Estado… do MPLA. Veja-se o perigo que representava para o país uma manifestação de dez jovens activistas…

“Eleições justas requerem respeito pela liberdade de associação, de expressão e reunião pacífica. O ataque da polícia a esses manifestantes pacíficos envia uma mensagem arrepiante a outros que querem criticar o Governo e é uma bandeira vermelha para a justiça das eleições”, referiu na altura Daniel Bekele.

De facto, a HRW – bem como outras organizações internacionais – esquece-se que, com excepção dos militantes do MPLA, todos os angolanos são até prova em contrário… culpados. Além disso, importa realçar que não se pode querer que os escravos tenham os mesmos direitos dos angolanos de primeira.

“Levei porretes, fui mordido por um rottweiler da polícia e não consigo mexer a mão esquerda. Não sei se tenho algum problema no tendão”, contou na altura Luaty Beirão, após a manifestação ter sido impedida pela intervenção da Polícia Nacional… do MPLA.

O activista integrava um grupo de 10 jovens (os tais altamente perigosos terroristas) que foram barrados pela Polícia do MPLA quando se aproximavam do largo 1.º de Maio, em Luanda, zona qua desde 1975 é propriedade privada do MPLA.

“Vários miúdos com escoriações, levaram com agressões indiscriminadas da polícia, na cabeça, a pontapé, com porretes e cães”, apontou ainda Luaty Beirão, após ter sido assistido e ainda queixoso.

Antes da tentativa de protesto, o largo já se encontrava vedado por agentes policiais, e na envolvente permaneciam vários elementos da Polícia Nacional… do MPLA, inclusive com equipas cinotécnicas, por alegadamente a manifestação não estar autorizada.

Relembre-se que há uns (poucos) anos, o activista e advogado Arão Tempo considerou que as detenções que se fazem em Cabinda têm origem “em encomendas” feitas a partir de Luanda, à margem da lei e dos procedimentos que definem a administração da justiça.

Folha 8 com Lusa

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