A NOVA PRESA POLÍTICA DE JOÃO LOURENÇO

Há razões para supor que João Lourenço inaugurou uma nova guerra, desta com o clã Dias dos Santos (no qual se inclui a 1.ª Dama) estando disposto a correr todos os riscos, incluindo o de ser, mais uma vez, copiosamente derrotado, em 2027, por uma margem de votos, ainda maior, que os de 2022.

Por William Tonet

Depois dos péssimos resultados eleitorais colhidos com a perseguição, até à morte do ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos, o novo e último quinquénio, de acordo com a Constituição (n.º 2, do art.º 113.º), deveria levar a maior contenção político-administrativo dos actos do actual Presidente da República, não nominalmente eleito, ao invés de trilhar a rota isolada e arrogante do: POSSO; MANDO; QUERO!

Neste segundo mandato, a cruzada inicia contra o, também, ex-presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, apeado do controlo (e suspensão de mandato) do poder legislativo, tem agora, a cabeça na guilhotina, pelas piores formas, para quem desempenhou tão nobres funções. CALOTEIRO. MARIMBONDO. CORRUPTO.

A economia é, mais uma vez, o leitmotiv.

Na política não há coincidências, logo, o Despacho Presidencial n.º 237/22, de 11 de Outubro, é uma clara demonstração dos superpoderes de João Lourenço, que não se coíbe de humilhar, em hasta pública, camaradas de partido, catalogando-os de terem sido, ao longo dos 47 anos, os únicos e exclusivos ladrões, roubalhões de colarinho branco, escondidos por detrás do cartão partidário.

Aos adversários e inimigos de JLO, não vigora o princípio da presunção de inocência, mas da presunção da culpa… e, até condenação, sem direito a ampla defesa, Fernando da Piedade Dias dos Santos Nandó é um larápio.

Neste processo existem violações gritantes as normas dos actos administrativos, por quem deveria ter mais contenção, principalmente, tendo ciência das contradições da Constituição atípica que confere superpoderes ao Presidente da República, ao mesmo tempo, Titular do Poder Executivo e governo unipessoal.

A sobreposição de funções confunde a actuação do agente público com competência vinculativa e estabelecida na lei, como no caso da PROPRIV, a quem foi dada competência delegada de poderes.

A competência é irrenunciável, imprescritível e improrrogável, quando estipulada em lei, por delegação ou avocação.

Na delegação o agente (TPE-Titular do Poder Executivo) passa para outro agente (PROPRIV- Ministério da Economia), regra geral de hierarquia inferior competência para a prática de um acto específico.

O acto praticado por delegação considera-se praticado pelo delegado. Diferente da avocação, onde o agente alavanca a competência, que estava, temporariamente, na esfera de outro agente de nível hierárquico inferior.

A Lei, entretanto veda tanto a avocação quanto a delegação de competência nos seguintes casos:

a) edição de actos normativos;
b) decisão de recurso hierárquico;
c) casos de competência exclusiva, isso porque a competência privativa admite delegação, a exclusiva não!

No caso das privatizações de empresas públicas foi concedido ao PROPRIV (2019-2022), através do Decreto Presidencial n.º 250/19, de 5 de Agosto, finalidade genérica, tendo em conta o interesse público e finalidade específica para a prática do acto administrativo, conducente a privatização de património público.

Segundo Isabel Sauer, a finalidade do acto específico é elemento vinculado, pois, como a finalidade genérica é o interesse público – um elemento jurídico indeterminado – deve haver determinação e fixação de alguma especificidade que se pretende cumprir.

Isso significa que a forma não é a essência do acto, mas tão somente o instrumento pelo qual o acto consegue alcançar o interesse público, da colectividade. Então, apesar de eventual vício de forma, o acto deve ser considerado imaculado, por ser o vício meramente instrumental (sanável).

Houve alguma tentativa de sanar o diferendo com a Peróla do Kikuxi ou esperou-se pelo rebentar da bolha?

Porquanto só se a forma for essencial ao acto, ou seja, a forma utilizada para emanar o acto deve ser a mesma utilizada para a sua extinção.

Porque João Lourenço e a sua equipa optaram, neste caso, por caminhos de confrontação pública ao invés da conciliação?

A resposta emergirá, agora, ou somente em 2027?

Qualquer que seja a dedução a realidade aponta para o início de hostilidades entre o MAIS HONESTO, DO MPLA E MAIS UM MARIMBONDO, DO MPLA, no início do segundo e último mandato presidencial (ou será a inauguração de uma nova e longeva ditadura lourencina?)… Vamos apreciar de camarote…

O Presidente da República colocou-se, ostensivamente, na condição de parte, num contrato entre uma empresa pública (nunca denunciou, nem em relatórios, tão pouco ao sector ministerial), PROPIV (Programa de Privatizações – 2019-2022) e uma privada; Fazenda Pérola do Kikuxi, quando deveria ser árbitro.

Porque carga de água um contrato celebrado em 2019, ao abrigo do Pacto de preferência, art.º 414.º CC (Código Civil): “O prazo de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa” e, para não variar, coube a um “camarada do MPLA”, adquirir:

a) Complexo de Silos de Catete;
b) Matadouro Modular de Luanda.

Aqui chegados, havendo incumprimento ou cláusulas leoninas, de uma das partes a lei civil impõe a denúncia e não o emergir de um novo Despacho Presidencial.

O n.º 2 do art.º 1410.º CC, diz: “O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial”, conjugado com o art.º 416.º: “Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito

o projecto de venda e a cláusulas do respectivo contrato”. Como se pode verificar a intervenção do Presidente da República é um excesso de zelo, para humilhar, em público, camaradas, quando os dispositivos legais permitiam a PROPRIV, enquanto ente público e o Ministério da Economia, a resolução do problema.

Vamos ao Despacho denunciador que coloca Fernando da Piedade Dias dos Santos, como o segundo maior Marimbondo depois do falecido José Eduardo dos Santos.

Despacho Presidencial:

“Considerando que, ao abrigo do Despacho Presidencial n.º 136/18, de 3 de Outubro, que autoriza a privatização dos empreendimentos agro-industriais, foram adjudicados a favor da empresa FAZENDA PÉROLA DO KIKUXI – Agro-Pecuária, Importação e Exportação, Limitada, activos integrados no Programa de Privatizações (PROPRIV 2019-2022), aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 250/19, de 5 de Agosto;

Havendo a necessidade de se proceder à resolução dos contratos de alienação dos activos acima referidos por incumprimento definitivo da obrigação de pagamento convencional por parte da empresa FAZENDA PÉROLA DO KIKUXI – Agro-Pecuária, Importação e Exportação, Limitada;

O Presidente da República determina, nos termos da alínea d) do artigo 120.º e do n.º 6 do artigo 125.º, ambos da Constituição da República, conjugados com os artigos 376.º, 377.º, 379.º, 380.º, todos da Lei n.º41/20, de 23 de Dezembro – Lei dos Contratos Públicos, o seguinte:

1. É autorizada a resolução dos contratos de alienação celebrados com a FAZENA PÉROLA DO KIKUXI – Agro-Pecuária, Importação e Exportação, Limitada, em relação aos activos seguintes:

a) Complexos de Silos de Catete;
b) Matadouro Modular de Luanda

2. À Ministra das Finanças é delegada a competência, com a faculdade de subdelegar, para a resolução dos respectivos contratos (…)”.

Este Despacho denota excesso de zelo, cinismo e acirrar do clima de divisão entre os membros do MPLA, que por um lado se apresenta em versão democrática e do outro como ditatorial, indiferente ao respeito das leis.

O que se impõe perguntar é o seguinte: pode um Despacho Presidencial, anular a eficácia de um Decreto Presidencial? Não!

Despacho Presidencial é um acto administrativo que dá andamento ao processo e define a resolução de uma autoridade, em relação a um requerimento, a si dirigido de modo a ter deferimento ou indeferimento, mas sem decidir incidente algum. O despacho difere dos outros actos praticados, pelo carácter meramente instrumental, visando o contínuo caminhar do processo em busca de uma solução definitiva, que não cabe recurso. No caso de Angola, inspirado no exemplo português, os despachos são diplomas que têm apenas como destinatário os subordinados de um ministro ou ministros signatários.

Decretos Presidenciais, tal como os decretos legislativos, são actos unilaterais, de um só poder, mas os presidenciais enquadram-se nos actos administrativos, abaixo das leis ordinárias. Temos como exemplo, a indicação de um organismo ou empresa pública, para o exercício de prerrogativas públicas, mediante providências jurídicas complementares da lei, para dar cumprimento ao ordenado, estando sujeito ao controlo da legitimidade por órgão jurisdicional. Por isso se diz que os Decretos Presidenciais, enquanto actos administrativos têm funções limitadas, puramente administrativas e complementares à lei. Os Decretos Presidenciais, em Angola, são os actos por meio dos quais o Presidente da República toma decisões do forum técnico -administrativo, tais como a criação de institutos públicos, como no caso vertente o PROPRIV, tendente a privatizar património público, na visão, não da realidade angolana de defesa da empregabilidade e respeito social dos cidadãos, mas obtusa do FMI.

Infelizmente parece existir dificuldade na interpretação destes dois instrumentos jurídicos, bem como da Constituição e da lei, ao ponto de se colocar, muitas vezes, o Presidente da República, João Lourenço, nas vestes (raivosas) de xerife, quando estão a mão de semear instrumentos imperativos, contra os delitos, incumprimentos contratuais e violações.

Num litígio advindo de incumprimento contratual de Pacto de preferência, fazer alusão aos artigos 120.º (Competência como Titular do Poder Executivo): “al.ª l) Elaborar regulamentos necessários à boa execução das leis” e 125.º (Forma dos actos) “5. Revestem a forma de Despacho Presidencial os actos administrativos do Presidente da República”, no caso vertente, não colam, tal como os artigos da Lei n.º 41/20 de 23 de Dezembro- Lei dos Contratos Públicos, que nada têm a ver com a competência do Titular do Poder Executivo, senão vejamos:

Art.º 376.º:

(Incumprimento por facto imputável ao co-contratante)

1. Se o co-contratante não cumprir de forma exacta e pontual todos ou alguma das obrigações contratuais por facto que lhe seja imputável, a Entidade Pública Contratante notifica-o para cumprir dentro de um prazo razoável, salvo quando o cumprimento se tenha tornado impossível ou a Entidade Pública Contratante tenha perdido o interesse na prestação”.

Art.º 377.º:

(Atrasos nos pagamentos)
1. Em caso de atraso da Entidade Pública Contratante no cumprimento de obrigações pecuniárias, tem o co-contratante direito aos juros de mora sobre o montante em dívida à taxa de 2% ao ano.
2.A obrigação de pagamento de juros de mora vence-se automaticamente, sem necessidade de novo aviso.

Art.º 378.º
( Excepção de não cumprimento invocável pela co-contratante)
2. Se a recusa de cumprir pelo co-contratante implicar grave prejuízo para a realização do interesse público, a excepção de não cumprimento só pode ser invocada quando a realização das prestações contratuais coloque manifestamente em causa a viabilidade económico-financeira do co-contratante ou se revele excessivamente onerosa, devendo, nesse último caso, ser devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença.

Art.º 379.º
(Aplicação das sanções contratuais)
1. Nos termos previstos na presente Lei, a Entidade Pública Contratante pode, a título sancionatória, resolver o contrato e aplicar as sanções previstas no contrato ou na lei em caso de incumprimentos pelo co-contratante.

Art.º 380.º
(Causas de extinção)
1.São causas de extinção do contrato:
a) O cumprimento, a impossibilidade definitiva e as restantes causas de extinção das obrigações reconhecidas pelo direito civil;
b) O acordo revogatório;
c) A resolução
2. A resolução do contrato pode ter lugar:
a) Por declaração do co-contratante, nos casos previstos no n.4 do artigo 382.;
b) Por decisão da Entidade Pública Contratante, nos casos previstos nos artigos 383. e 384.;
c) Por decisão judicial ou arbitral, nos demais casos.
Todos artigos da Lei n.º 41/20 de 23 de Dezembro- Lei dos Contratos Públicos, evocados no Despacho Presidencial.
Agora, não se percebe as razões do Titular do Poder Executivo tendo penalizações mais brandas, optar pela última rácio, sabendo que poderá aguçar ainda mais as divergências políticas, no seio do seu partido: MPLA e da própria sociedade.
No caso vertente o que afinal está em jogo?
Através do “Despacho Presidencial”, existe a garantia de Fernando da Piedade Nandó, não poder intentar uma acção de recurso de inconstitucionalidade, caso fosse um “Decreto Presidencial”, que tivesse extrapolado a finalidade, de complementar e regular a legislação já existente, uma vez estar abaixo das leis ordinárias, logo não pode modificar ou contradizer o que uma lei determina. Se o fizer é ilegal e inconstitucional, daí o Presidente da República, ao não revogar o “Decreto Presidencial” inicial, nem se conformar com o “status quo”, ter decidido por um “Despacho Presidencial”, onde o visado, não tem possibilidade de recurso.

E como o Titular do Poder Executivo não pode legislar, ou seja, criar leis, por meio de “Decreto Presidencial”, capaz de ser revogado, por meio de uma acção de inconstitucionalidade, junto do Tribunal Constitucional, para avaliar a discrepância entre o “Despacho Presidencial” n.º 136/128 de 3 de Outubro, que autoriza a privatização dos empreendimentos agro-industriais e o “Decreto Presidencial” n.º 250/19 de 5 de Agosto, do Programa de Privatizações (PROPRIV 2019-2022).

O TC pode avaliar a inconstitucionalidade de uma lei ou decreto, diferente de um Despacho Presidencial, sem recurso, pelo qual Nandó passa a estar vinculado, com as consequências legais daí inerentes: condenado a pagar danos patrimoniais, altas taxas de juros, por acção encaminhada ao Tribunal Cível Administrativo ou intentada no Tribunal Comum (criminal), por alegado crime de burla…

O acordo de adjudicação rubricado em Abril de 2019, entre a PROPRIV e a Pérola do Kikuxi, tinha cláusulas imperativas e prazos para a liquidação mensal, trimestral, semestral ou anual do montante de 1,9 mil milhões de kwanzas, nunca pagas pela Pérolas do Kikuxi, tendo a PROPRIV cumprido com todas as suas obrigações?

Três anos depois existir uma alteração substancial, do pacto de preferência, sem uma clarificação fundamentada é tomar “Sentença Adesão”, contrariando o art.º 158.º CPC (Código de Processo Civil), alimenta as mais variadas especulações políticas.

Este Despacho Presidencial é uma clara demonstração que, para JLO, Fernando da Piedade Nandó, nunca deveria ter estado a frente dos destinos da Assembleia Nacional, por ser um homem, alegadamente, comprometido com a ladroagem do erário público… Mas, se assim é, afinal o MPLA só tem um dirigente honesto? Sim ou não, esta disputa seguirá no submundo da sujeira política, onde um diz: esfola e outro, mata!

Fontes internas, no MPLA disseram ao F8, estar a emergir e consolidar-se uma “força-sombra”, cada vez, mais blindada, “visando resgatar a áurea de cumplicidade ideológica, unidade interna, respeito pelos programa e estatutos partidários, jogados na lama, no consulado do camarada João Lourenço, que humilha e persegue, antigos camaradas”, para dar azo a ascensão de um “parque infantil” (jovens turcos, sedentos de poder) criado para substituir a velha elite, nos comité central e bureau político, transformados, hoje, numa autêntica central de xinguilamento e bajulismo, que o vêem como o novo rei sol.

Artigos Relacionados

Leave a Comment