A INSPIRAÇÃO CABO-VERDIANA

O Presidente angolano, João Lourenço, recebeu hoje as chaves do município da ilha de São Vicente, que visitou pela primeira vez, assumindo, no dia mais descontraído da visita de Estado a Cabo Verde, que foi “pagar a dívida”. E, curiosamente, nesta visita teve tempo, engenho e arte para falar da invasão da Ucrânia pela Rússia e apontar soluções tanto para a Europa como para África. Só ficou a faltar (tanto quanto se sabe) ter escrito um poema…

“Mas como é que é que eu podia vir a São Vicente se não tinha as chaves da cidade, como é que eu entrava na cidade? Portanto, fica o compromisso de, a partir de agora, uma vez com as chaves do Mindelo no bolso, poder vir a São Vicente muitas mais vezes, até sem aviso prévio. Quando derem conta já estou em Mindelo”, brincou o chefe de Estado angolano, após receber simbolicamente as chaves do município do presidente da Câmara de São Vicente, Augusto Neves.

“O rol dos amigos cabo-verdianos que tenho, alguns deles são daqui de São Vicente e nunca perdoaram o facto de eu me ter esquecido sempre de São Vicente nas minhas deslocações a Cabo Verde. Portanto, esta oportunidade que o Presidente José Maria Neves me concedeu serve para este fim, para o fim de vir pagar a dívida e fazer as pazes com os são-vicentinos”, disse ainda João Lourenço.

Ao terceiro dia em Cabo Verde, o chefe de Estado angolano partiu de manhã da Praia para a ilha de São Vicente, considerada a capital cultural do arquipélago, de onde regressará a Angola na quarta-feira, ao encerrar a visita de Estado, marcada sempre por apertadas regras protocolares e medidas de segurança.

“Agradecer ao Presidente José Maria Neves a oportunidade que me deu de vir pela primeira vez na minha vida a São Vicente. É uma oportunidade que me dá de vir pagar uma dívida. Uma dívida porque ao longo dos anos, enquanto político e amigo de Cabo Verde, efectuei muitas visitas de trabalho a Cabo Verde, indo para outras ilhas, para outras cidades, mas nunca para São Vicente”, reconheceu ainda, acompanhado do homólogo cabo-verdiano, na mesma sessão, na Câmara de São Vicente, ilha que disse ter as “janelas mais abertas ao mundo”.

Na segunda-feira, na Praia, ilha de Santiago, reuniu-se com o seu homólogo cabo-verdiano, José Maria Neves, e também (enquanto Titular do Poder Executivo) com o seu homólogo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, tendo assistido à assinatura de vários acordos e instrumentos jurídicos bilaterais, incluindo a cedência, em regime de ‘leasing’, de um Boeing 737-700 da angolana TAAG à transportadora aérea cabo-verdiana TACV.

Ainda na segunda-feira, entre outras deslocações oficiais na cidade da Praia, João Lourenço discursou na Assembleia Nacional, na sessão especial do parlamento convocada para o efeito.

Na cerimónia de hoje, o presidente da Câmara Municipal de São Vicente, Augusto Neves, considerou a visita como o encontro de dois “países irmãos” com história em comum, da qual deverão tentar tirar o melhor partido.

“Esta visita de Estado é a expressão das excelentes relações de irmãos, de solidariedade entre os dois países, que apesar das alterações que se verificaram em todo mundo, permanece profundamente saudável a história que nos une e que tem servido para o relançamento de uma cooperação multiforme e mutuamente vantajosa. As relações entre Cabo Verde e Angola transcendem o que nos reúne aqui hoje e envolvem todo o conjunto de aspectos socioculturais e económicos”, afirmou o autarca.

O presidente da Câmara da segunda principal ilha do país, no norte do arquipélago, defendeu ser importante estreitar os laços através da cooperação e desafiou João Lourenço a impulsionar investimentos em São Vicente.

“Contamos com Angola e com o vosso povo na mobilização e investidores angolanos para continuarem a fluir com maior ímpeto para o nosso São Vicente. Urge que saibamos tomar partido desta abertura para avançarmos para o relacionamento que explore de forma mais profícua as vantagens cooperativas de ambos”, afirmou Augusto Neves.

… E a guerra da Rússia na Ucrânia?

O Presidente João Lourenço apelou a um cessar-fogo na guerra na Ucrânia, para evitar uma “escalada” até ao ponto de não retorno. Para conflitos em África, João Lourenço pede uma “acção concertada” dos países e soluções locais.

“Como sempre o fizemos com relação às vítimas de outros conflitos em África, no Médio Oriente ou em outros cantos do mundo, também hoje estendemos a nossa solidariedade para com as vítimas civis do conflito que assola o território ucraniano”, afirmou João Lourenço, ao discursar na noite de segunda-feira, no Palácio Presidencial cabo-verdiano, na Praia.

Angola mantém relações históricas com a Rússia desde o período anticolonial, mesmo após a desintegração da URSS, com João Lourenço a dizer que lamenta o regresso da guerra ao continente europeu. E que ocasião mais apropriada para o fazer do que o banquete oficial oferecido pelo Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves.

“O mundo acordou a 24 de Fevereiro com o ressurgir da guerra na Europa, continente palco das duas guerras mundiais que o planeta conheceu. Embora não seja a primeira vez que a paz é quebrada na Europa, eis que 77 anos depois da segunda guerra mundial, que foi responsável por 50 milhões de vidas humanas perdidas, o ‘velho continente’ volta a enfrentar de novo esta realidade que a todos preocupa, pelas repercussões que pode atingir, se não houver contenção da parte daqueles directamente envolvidos e dos líderes mundiais no geral”, apontou João Lourenço que, na ONU, mandou o represente de Angola abster-se (ao contrário de Cabo Verde) na condenação da Rússia.

Para João Lourenço, “talvez tenha havido nos últimos anos a oportunidade de dialogar e de negociar para se prevenir a guerra”. Contudo, “não tendo sido possível fazê-lo antes, há a necessidade, hoje, de se evitar a todo o custo a escalada do conflito para nunca se chegar ao ponto de não retorno”.

“Saudamos e encorajámos todos os líderes mundiais que de forma incansável se desdobram em múltiplos contactos diplomáticos na busca da paz e da segurança na Europa. Confiamos numa mediação internacional neutra e credível, que seja aceite pela Rússia e pela Ucrânia, e que contribua para se alcançar um cessar-fogo definitivo e a abertura de negociações alargadas para uma paz duradoura para todo o espaço europeu”, disse o chefe de Estado angolano.

O Presidente angolano também se mostrou preocupado com a situação de segurança em África nos últimos tempos e pediu uma “acção concertada” dos Estados africanos para a procura e implementação de “soluções” locais.

“O continente não se deve iludir contando que as soluções virão da Europa, da Ásia ou da América, as soluções devem ser encontradas e implementadas por nós, os filhos de África”, defendeu Lourenço, numa intervenção numa sessão especial na Assembleia Nacional de Cabo Verde.

O chefe de Estado disse estar preocupado com a situação de segurança em África ultimamente, com o alastrar de acções de terrorismo nos países da região do Sahel, desde a Líbia, no Corno de África, na República Democrática do Congo e, mais recentemente, em Moçambique.

“A remoção do poder pela força das armas, de Governos legitimados nas urnas e eleições democráticas, muitas vezes estimuladas e financiadas por interesses difusos, devem merecer também uma acção concertada dos Estados africanos a nível regional e continental”, sugeriu.

O Presidente angolano enumerou iniciativas tomadas para inverter a tendência, nomeadamente uma iniciativa de Angola de promover uma cimeira sobre o terrorismo e as mudanças inconstitucionais em África, que terá lugar na Guiné Equatorial, em 28 e 29 de Maio próximo.

Folha 8 com Lusa

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