A GRANDE BATALHA DAS ELEIÇÕES DE 2022

A campanha eleitoral em Angola já arrancou. Nas eleições organizadas até cá a oposição sempre perdeu, em grande parte, devido às debilidades do processo democrático. As anomalias na governança democrática sempre indicaram haver fissuras institucionais, para além da falta de uma vontade séria de debate por parte da classe política dominantes; e, nas redes sociais, as conclusões nunca foram abonatórias, estiveram sempre envoltas em acusações de falsificação de votos e fraude eleitoral, mesmo por observadores internacionais. Como será em Agosto de 2022?

Por José Marcos Mavungo (*)

Depois da pré-campanha, que permitiu aos partidos percorrerem as 18 províncias, a campanha arrancou este domingo, 24 de Julho. As caravanas dos partidos já estão a acelerar em campanha pelo país.

João Lourenço (JL) lançou a campanha do MPLA, em Luanda, com várias promessas de melhoria, com «força» e «violência», como de costume.

E Adalberto da Costa Júnior, em Benguela, aposta na ideia de que o País vive num amplo movimento, “imparável”, para a alternância, ao fim de 47 anos de governança do MPLA. No seu manifesto eleitoral, a UNITA promete Governo “de competentes e não de partidários”.

Como nas eleições precedentes – mas nestas com um significado especial: 5 anos, depois do primeiro mandato de JL, em que prometeu corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. No pleito eleitoral que se aproxima e que terá como cenário as promessas de reformas de JL que não se concretizaram, a democracia volta a ser decisiva, mas as coisas invertem-se – há cada vez mais vozes a dizer que as eleições vão mudar Angola.

“Quaisquer que sejam os resultados das próximas eleições em Angola, o vencedor terá que efectuar profundas mudanças no país”, diziam em declarações à VOA, em Junho último, os veteranos de guerra dos dois maiores partidos políticos, o MPLA e UNITA.

Parece a todos estarem a ver em toda a parte gente de peito aberto para acção contra as corrupções e debilidades já observáveis na cultura do regime. A vontade de mudanças está bem visível nas redes sociais, com exposições muito coerentes sobre os “erros de palmatória” do partido no poder nestes últimos 47 anos; mas deixa aterrorizados os círculos do regime.

“Ainda não li que alguém queira facas e catanas, ninguém quer matar ninguém”, dirá a defensora dos direitos humanos, Laura Macedo. No entanto, o Chefe da Casa Militar de João Lourenço, o general Francisco Pereira Furtado já fala de “Primavera Árabe para Angola”, e avança com uma máquina de guerra, contra os homens que estão do outro lado da trincheira.

JL tem tentado dirigir mensagens à opinião pública para que esta adira a esta ideia de que as eleições estão a correr bem. Porém, nas redes sociais, os comentários não são abonatórios e mais especulativos, alguns activistas sociais ventilam a ideia de eleições musculadas e de uma fraude eleitoral angolana “já preparada”, tendo sobretudo em conta o registo de mortos nas listas eleitorais e a linguagem e/ou actos de ameaça a activistas sociais da oposição.

Ao longo dos pleitos que se sucederam nestas últimas três décadas foram marcadas com impedimentos à transparência do processo. Constantes desrespeitos pela Constituição e da lei, no tratamento dos Partidos Políticos, a nível dos órgãos de comunicação social; atrasos na publicação da lista dos cidadãos maiores registados no país, em atropelo ao nº 3 do artigo 15 da Lei 21/2 sobre a afixação das listas.

Além disso, a falta de transparência no processo de legalização de novos partidos indicia fortemente, mais do que uma incongruência, suspeitas graves sobre uma eventual mobilização dos órgãos da administração da justiça para a fraude. A oposição política e civil vive sob o sufoco legal. Também, são preocupantes as anomalias no cadastramento dos observadores eleitorais e na constituição dos cadernos eleitorais.

Ademais, a oposição continua com o espaço de intervenção limitado; e a sua capacidade financeira está à mão de semear, as verbas sendo atribuídas de forma arbitrária pelo Presidente da República (PR) e não por lei (VOA, Abril 27, 2022). A oposição vive sob sufoco financeiro, seja pelas atribuições arbitrárias e não por lei, seja pelos atrasos (VOA, Abril 27, 2022). Mas, mais uma vez, vai poder tentar a inevitável conquista do poder.

Note-se, o cenário das eleições de 2022 está marcado pelo fardo de 47 anos de autoritarismo e de esbanjamento do erário público. Um cenário no qual nos deparamos com desafios lançados por questões éticas, pelo atropelo às liberdades civis e políticas e aos direitos humanos, em especial o direito à vida, e por questões de grave exclusão social, cujo corolário é uma degradação social, incidindo na pobreza nacional em 54%, sendo 87% em meio rural, em especial no Sul de Angola (Fonte: INE, Pobreza Multidimensional em Angola, Julho de 2020, p.12).

Mais uma vez, pode-se ver com uma clareza moral – o MPLA está a organizar eleições de escolha para satisfazer as ambições dos seus homens de se manterem no poder. Para os atuais detentores do poder, todos os meios para o exercício e manutenção do poder adquirido desde a acessão de Angola à independência são bons (legítimos), ainda que não conformes à moral.

A oposição está a envidar esforços titânicos para uma campanha de necessidade para defender o seu projecto de mudança, a vontade de cerca de 70% de angolanos que subvive abaixo do limiar da pobreza, vítimas de repressão e impedidos de se fazer ouvir a sua voz nestes últimos 47 anos. Mas os homens do regime resistem a todas as discussões conducentes a uma mudança radical no país; e, para eles, tudo é válido, desde a violação de leis e costumes democráticos e tudo o mais que for necessário para atingir as consequências visadas.

Já muitos se interrogam: e se as eleições 2022 forem uma nova fraude?

O que a democracia angolana precisa nas atuais eleições.

A democracia pode, por si só, não ganhar eleições, mas seguramente ajuda a perdê-las. Tem sido a lição amarga para a oposição angolana desde a implementação do processo democrático, em 1992.

Assim como nas eleições precedentes, as atuais eleições estão longe de serem livres e justas. Angola continua a não ser uma verdadeira democracia, a se afirmar uma “democracia das bananas”, e onde a opinião pública nacional e internacional não é muito importante para o regime.

Há muito em jogo e que é muito perigoso e instável. Do ponto de vista estratégico, tem-se assistido a uma “democracia de guerra”, na qual as instituições democráticas forjadas depois do longo conflito funcionam em meio hostil. Os discursos da parte dos detentores do poder são mais empolgados, cada vez mais explosivos; não estão apenas virados para a manutenção do poder, mas mais para diabolizar e enfraquecer a oposição.

Os angolanos continuam a enfrentar a problemática das ditaduras eleitas, como um longo pesadelo. A relativização das instituições e padrões da governança. As detenções arbitrárias e execuções inevitáveis. Os juízes inacessíveis, e os advogados indetectáveis ou, pelo menos, pressionados a não defender a justiça para a oposição. O lento deslizar das intervenções políticas para o nada, o absurdo.

Em todas as eleições precedentes, é notória uma sucessão de processos eleitorais no quais os detentores do poder resistem a todas as discussões conducentes a mudanças radicais. O problema é quando o recurso ao autoritarismo e a cultura belicista ou militarista se torna irremediável. Só temos ouvido falar de slogans: “o mais importante é resolver os problemas do povo”, “produzir para distribuir melhor”; “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”. Como é óbvio, existe uma diferença enorme entre aquilo que se passa na retórica e a realidade nacional, entre a lei e a prática.

Parece que, assim como a instauração de uma pseudodemocracia levou décadas, também parece que vai levar décadas a instauração de um verdadeiro Estado de Direito Democrático.

Há aqui uma tendência preocupante, quando se evita em um processo democrático os debates face a face, com convidados de peso entre os candidatos, para escutá-los sobre propostas susceptíveis de gerar uma nova ordem institucional e reduzir a incerteza nas interacções humanas, na governança do país.

Tempos de eleições são uma oportunidade para se discutir sobre tudo: das origens da ditadura em Angola e como sair dela, dos crimes políticos que se cometeram ao longo destes 47 anos à propaganda dos vários lados, do conflito armando ainda reinante em Cabinda às perspectivas de solução, da impunidade à aplicação da lei, da expansão maciça dos enormes recursos naturais do país às causas da actual condição das populações a figurar entre as mais carentes do mundo, da corrupção ao funciona normal das instituições de administração da justiça. Temos a certeza de que estas são de entre as questões que o público gostaria de ouvir dos candidatos.

Mas o ponto de partida do debate em Angola – a de que há uma Constituição atípica no país, que ocasiona abusos de poder – não só não pode ser ignorado, ao achar normal que o chefe de Estado não possa ser interpelado pelo Parlamento ou protegido de crimes contra a humanidade e de má gestão do erário público, como não pode ser um mero intróito, protegendo da crítica quem o expõe, e ocultando-se, logo de seguida, de toda a análise. Porque a equivalência entre governantes iníquos e governantes virtuosos não pode permitir o desenvolvimento de uma nação. Na prática é tomar partido pela governança de malfeitores.

Vê-se muito bem aqui que os angolanos continuam a assistir a morte da democracia nas mãos de líderes eleitos que subvertem o próprio processo que os levou ao poder, e com algum desespero. E o “sério risco” de se manter as instituições herdadas do eduardismo, a miséria física e moral actual é enorme.

Qual quer que seja a influência desta situação, há probabilidade de que as eternas querelas entre os detentores do poder, os ódios irracionais entre o partido no poder e a oposição, vão continuar a ser um mau sinal para o país, que nestes últimos 47 anos vive os efeitos deletérios da maldição dos enormes recursos naturais.

Urge, pois entender os problemas políticos angolanos, tomar a consciência que o mais premente é o de evitar o funcionamento das instituições em meio hostil, que impede consensos e um futuro humano.

O risco sempre presente de novas eleições fraudulentas tem levado vários atores sociais a propor sistema transparente sustentado por observadores independentes e responsáveis, no qual os órgãos de administração da justiça se comportariam como sendo a garantia da democracia funcional de um Estado de Direito.

É difícil, mas, no final das contas, penso que há muito espaço para perguntarmos se os angolanos, em particular os homens do regime podem aprender. Teria sido bom, pelo menos em relação aos factores do actual crime reinante, terem uma visão mais clara do que iria acontecer em Angola, e provavelmente haveria lições a serem lá com respeito à países com instituições fortes e estáveis acima das individualidades e dos partidos.

Depois de 47 anos de pseudo-eleições, Angola precisa de eleições que possam trazer uma mudança radical, permitir dar um passo transcendental. A mudança supõe antes de mais nada a cultura da lei, uma verdadeira liberdade de expressão e transparência na gestão das instituições de administração da justiça e do erário público, estes valores sendo o critério da democracia funcional de um Estado de Direito.

É necessário pois criar condições para que não haja mais ditaduras eleitas. As eleições precisam de uma verdadeira dinâmica democrática em que se possa debater sem tabus os problemas do país, em que os candidatos estão empenhados em criar um país mais próspero, estável e menos desigual.

Observe-se, a dinâmica democrática é animada, entre outras, por uma oposição forte, tanto política quanto civil. «Parece-me que não há dúvida de que a oposição está para a democracia, como o médico está para a saúde», dizia José Carlos de Oliveira Robalo.

Por todas estas razões, a democracia angolana precisa de ajuda, por causa do actual sistema opressor, por causa da coragem dos atuais activistas sociais, por causa dos milhões de angolanos em risco de pobreza e de exclusão social, por causa dos cidadãos que continuam a ser mortos ou detidos de forma arbitrária, por causa da questão de Cabinda, por causa de tanta corrupção e de tantos cidadãos que continuam a se sentir estrangeiros na sua própria terra, depois de 47 anos de governação perversa.

(*) Activista dos Direitos Humanos

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