Os trabalhadores da Efacec (Portugal) cumprem na próxima quarta-feira uma greve de duas horas para exigir ao Governo a compra de matérias-primas, contestar a reprivatização e reclamar a demissão da administração da empresa, avançou fonte sindical.
Nos termos do pré-aviso de greve – emitido pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte (Site-Norte) – a greve decorrerá entre as 14:00 e as 16:00 de quarta-feira, estando prevista uma concentração de trabalhadores na portaria principal do polo da Arroteia, em São Mamede de Infesta, Matosinhos, sede da empresa.
A paralisação foi decidida num plenário realizado em 28 de Outubro, na sequência da paragem forçada de vários sectores da empresa, que actua nos sectores da energia, engenharia e mobilidade, por falta de verbas para adquirir matérias-primas.
Dias antes, a 22 de Outubro, o Site-Norte tinha já reclamado a intervenção do Governo, enquanto “dono da Efacec”, para garantir que a empresa dispõe das matérias-primas necessárias para retomar a actividade com normalidade.
“O Estado, como dono da empresa, deve assumir o controlo da empresa com transparência e deve comprar matérias-primas para pôr a Efacec a trabalhar e a satisfazer as encomendas que tem em carteira”, sustentou então o dirigente do Site-Norte Miguel Moreira, em declarações à agência Lusa.
De acordo com o dirigente sindical, a “falta de dinheiro para pagar aos fornecedores e para comprar matérias-primas é uma situação recorrente na Efacec, que se vem arrastando há muito tempo, mas nos últimos meses agravou-se”, levando à paragem de vários sectores da empresa.
“Isto é algo que nós estranhamos bastante, porque não pretendemos que o Governo ponha lá dinheiro e que não queira saber para onde ele vai. Isto é uma empresa do Estado e o que nós defendemos é que a Efacec deve continuar na esfera do Estado e o Governo disponibilizar uma verba para comprar matérias-primas, mas ter o controlo dessa verba e fiscalizar para onde vai o dinheiro”, afirmou Miguel Moreira.
Salientando que sindicatos e trabalhadores estão “muito preocupados e apreensivos”, o dirigente do Site-Norte alerta que “a Efacec, assim, não vai lá” e admite: “Se calhar, a intenção do Governo — como já aconteceu com outras privatizações – é pôr a Efacec numa situação difícil, fragilizada, para depois vender isto por ‘tuta e meia'”.
O Site-Norte sustenta que “a Efacec não é uma empresa qualquer” e “faz falta ao país e, em particular, ao Norte”, podendo “produzir para o mercado nacional e internacional e contribuir para o Orçamento do Estado, tenha o Governo vontade para que efectivamente isso aconteça”.
“Agora, parece-me que temos um Governo a assobiar para o lado, a fazer de conta”, lamentou, revelando que “há já um mês e tal” foi pedida pelo sindicato uma reunião aos ministérios da Economia e do Trabalho, “com o conhecimento da Parpública”, mas “o Governo ainda não teve tempo para dizer quando essa reunião vai acontecer”.
Miguel Moreira questiona “onde é que está o dinheiro” do financiamento de 70 milhões de euros que o Estado assegurou junto da banca e pede respostas “ao ministro da Economia e ao primeiro-ministro”.
Quanto a eventuais dúvidas quanto à capacidade para a empresa – cujos resultados financeiros se terão deteriorado muito em Julho e Agosto – para assegurar o pagamento dos salários nos próximos meses, o dirigente sindical é taxativo: “Nem admitimos que essa questão seja colocada”.
O Governo pretende que o processo de reprivatização dos 71,73% do capital social da Efacec actualmente nas mãos do Estado esteja concluído antes do final do ano, tendo a resolução do Conselho de Ministros que aprovou a terceira fase do processo de reprivatização, admitindo a participação dos dois grupos que apresentaram propostas vinculativas — DST SGPS e Sing – Investimentos Globais – sido publicada a 8 de Setembro em Diário da República.
Ao jornal Público, a Parpública adiantou que a terceira fase de negociações “iniciou-se no passado dia 28 de Setembro, com diversos encontros com os investidores interessados na aquisição da referida participação social, devendo as propostas finais ser recebidas dentro de cerca de três semanas”.
A aprovação em Conselho de Ministros do decreto de lei para nacionalizar 71,73% do capital social da Efacec decorreu da saída do capital de Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, na sequência do envolvimento no caso ‘Luanda Leaks’, no qual o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou mais de 715 mil ficheiros que detalham alegados esquemas financeiros da empresária.
Em Agosto de 2019, em declarações ao jornal Valor Económico, Isabel dos Santos reiterou que não foram utilizados fundos públicos na compra de acções na Efacec e declarou que a ENDE – Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade não chegou a pagar o valor total da sua participação, que desceu de 40% para 16%.
“Fomos notificados de que o Presidente da República deu instruções ao Ministério de Energia e Águas da saída da Efacec da ENDE – Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade”, disse Isabel dos Santos.
A empresária reafirmou que a Efacec não foi adquirida com fundos públicos, sublinhando que foi ela própria quem avançou com o dinheiro para permitir a entrada da ENDE na Efacec.
“A Efacec foi comprada por 195 milhões de euros e a [entrada da] ENDE custou 16 milhões de euros. Como é que o Estado [angolano] pagou?”, questionou Isabel dos Santos, acrescentando que cada accionista teve de fazer a sua parte e pagar pelas suas acções.
“Supostamente, com os 40%, o capital da Winterfell, a ENDE deveria pagar 40 milhões de euros, mas só pagou 16 milhões de euros. O valor total nunca foi pago. Fui eu quem pagou adiantadamente o resto do dinheiro para a ENDE entrar no negócio”, acrescentou a empresária.
Isabel dos Santos insistiu que, “apesar da fraca parceria”, a Efacec ressuscitou” e tornou-se “uma referência global na energia e na engenharia”. “Alguns sectores devem ter passado um mau bocado por terem aceitado o ‘sucesso’ de Isabel dos Santos”, ironizou.
A empresária salientou que a parceria “tinha tudo para dar um casamento feliz”, uma vez que a ENDE teria tido acesso ao “talento para liderar a energia e a engenharia”.
“O projecto para construir uma fábrica de cabos eléctricos em Angola, em 2019, permitiria transferir ‘know-how’ e criar cerca de 300 novos empregos especializados”, acrescentou.
A Winterfell tinham uma quota de 66,07% das acções da Efacec, empresa que, em 2017, obteve um crescimento do lucro de 75%, atingindo os 7,5 milhões de euros.
As suspeitas de que foram envolvidos fundos públicos datam de Agosto de 2015, depois de um decreto presidencial do então chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, ter autorizado a ENDE a comprar 40% das acções da Winterfell que, cerca de três meses depois, formalizou a compra da Efacec. As dúvidas foram alimentadas pelo facto de o valor que a ENDE pagou pela compra não ter sido revelado.
Na ocasião, o Parlamento português pediu ao Governo de Lisboa para verificar se foram seguidos os procedimentos de combate à lavagem de capitais.
Nos anos mais recentes foram concluídos vários contratos avultados, como o projecto formalizado em 2014 para aumentar a capacidade de uma central hidroeléctrica da barragem de Luachimo, na província da Lunda Norte, com uma duração de 37 meses e num valor próximo do 83 milhões de euros.
Recorde-se que Comissão Europeia (CE) questionou em Fevereiro de 2016 as autoridades portuguesas sobre a venda de 66,1% da Efacec a Isabel dos Santos, no âmbito da legislação europeia de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.
Em 5 de Fevereiro de 2016 a comissária europeia Vera Jourova informou os eurodeputados do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Integridade e Transparência, Corrupção e Crime Organizado, que a Comissão questionou Portugal sobre “a conformidade da compra da empresa portuguesa Efacec por Isabel dos Santos”.
Em Outubro de 2015, os deputados enviaram para a Comissão Europeia, Autoridade Bancária Europeia (ABE) e Grupo de Acção Financeira (GAFI) uma carta a solicitar a investigação sobre a legalidade da compra da Efacec por Isabel dos Santos e dirigiram uma pergunta ao Banco de Portugal (BdP) a este propósito.
De acordo com as regras da União Europeia, as entidades portuguesas, nomeadamente, as instituições financeiras envolvidas na operação, “têm o dever legal de executar diligência reforçada sobre quaisquer operações que envolvam Pessoas Politicamente Expostas (PEP na sigla inglesa) – ou seja, o dever de estabelecer a origem dos fundos de PEP estrangeiros, ter uma imagem clara de como o PEP adquiriu a riqueza, de forma geral, ou para o negócio particular em que estão envolvidos”.
Os eurodeputados tinham pedido ao Banco Central Europeu (BCE), à Comissão Europeia e à ABE, enquanto agentes da supervisão da integridade do sistema financeiro europeu, para determinarem se o BdP – a autoridade de supervisão portuguesa – e as instituições financeiras em causa estariam a cumprir a legislação europeia no que respeita a esta aquisição, bem como a outras participações significativas de Isabel dos Santos em empresas em Portugal, particularmente, no sector de petróleo, através Galp, na banca, através do BPI e do BIC, e em telecomunicações, através do operador NOS, bem como em outros investimentos imobiliários.
No dia 28 de Dezembro de 2015, o BdP afirmou que, de acordo com a sua abordagem de supervisão e leis aplicáveis, não tem poderes para suspender ou bloquear a execução das operações financeiras concretas destinadas a adquirir ou aumentar a participação numa determinada empresa, salientando que a sua acção fiscalizadora “necessariamente consiste numa abordagem baseada no risco, cuja natureza periódica, corrente e preventiva é incompatível com o controlo ‘a priori’ de operações financeiras concretas”.
No que diz respeito à compra da Efacec, o regulador assinala, numa carta enviada a Bruxelas, “que tomou medidas de supervisão que entendeu convenientes para obter informações detalhadas sobre se os bancos que financiaram a operação cumpriram com as medidas preventivas prescritas no quadro da prevenção do branqueamento de capitais”, acrescentando que “procedeu à verificação da origem dos fundos próprios envolvidos nessa aquisição e de que o seu financiamento foi aprovado com base numa análise sólida e procedimentos de risco adequados”.
A venda de 66,1% da Efacec Power Solutions (EPS) pelos grupos José de Mello e Têxtil Manuel Gonçalves a Isabel dos Santos foi concluída a 23 de Outubro de 2015.
Angola representava uma carteira de negócios de 80 milhões de euros para a empresa portuguesa de energia Efacec, afirmou no dia 2 de Outubro de 2014 o director-geral da subsidiária angolana, José Cabral Costa.
De acordo com o administrador, a multinacional portuguesa opera no mercado angolano através de projectos próprios da Efacec Angola – participada a 100 por cento pelo mesmo grupo -, recorrendo às “capacidades locais”, ou em parceria com a sede, “nos projectos de maior envergadura”.
“Está aqui ininterruptamente desde 1967. A Efacec não saiu de Angola no tempo da guerra, ficou sempre aqui”, sublinhou José Cabral Costa, durante uma visita de empresários portugueses à província do Cuanza Norte.
Sobretudo na área da energia, o mercado de Angola representava um volume de negócios consolidado de 100 milhões de dólares (cerca de 80 milhões de euros) para a Efacec, dos quais 25% eram projectos próprios da subsidiária angolana do grupo português, garantiu o director-geral da Efacec Angola, assumindo uma taxa de crescimento, no país, acima dos dois dígitos nos últimos três anos.
Energias renováveis, telecomunicações ou automação são algumas das áreas de intervenção em Angola, mercado “considerado muito estratégico” pela Efacec, que agora começa a entrar em “obras maiores”.
Já em 2014 a empresa fechou um contrato de 62 milhões de euros com o Estado angolano, assumindo toda a parte electromecânica no Aproveitamento Hidroeléctrico de Lauchimo, na província de Lunda Norte, que era na altura a maior obra da Efacec no país.
Folha 8 com Lusa