UNITA DENUNCIA “ELEVADA CENSURA”

A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, denunciou hoje um “tratamento absolutamente desigual” dos órgãos públicos na cobertura do seu congresso, realizado na última semana, e do MPLA, partido no poder, queixando-se também de “elevada censura”. Nada de novo, portanto. Volta a confirmar-se que filho de jacaré nunca será vegetariano.

O XIII Congresso Ordinário da UNITA, que elegeu Adalberto da Costa Júnior como presidente, realizou-se entre 2 e 4 de Dezembro, em Luanda, e vários actores da sociedade angolana questionaram e criticaram a cobertura dos órgãos públicos.

O MPLA (no poder desde 1975) realiza o seu VIII Congresso Ordinário entre 9 e 11 de Dezembro, em Luanda, e João Lourenço, actual presidente do partido e da República (não nominalmente eleito) e Titular do Poder Executivo de Angola, é candidato único à liderança.

Num comunicado tornado público hoje, o Comité Permanente da Comissão Política UNITA, que realizou na terça-feira a sua primeira reunião ordinária, após o conclave, diz ter analisado a “degradação dos referentes do Estado democrático e de direito”. Neste caso a UNITA errou. “Degradação”, seja ela qual for, só pode existir quando há algo que se degrade. Se não existe Estado democrático e de direito não pode, convenhamos, haver “degradação”.

“Nomeadamente, o direito de tratamento igual entre os partidos políticos numa fase de pré-campanha eleitoral. É visível a elevada censura aos conteúdos dos partidos da oposição nos órgãos públicos de comunicação, com particular relevância sobre a UNITA”, lê-se no comunicado. Novo “lapsus linguae” do “Galo Negro”. Esses órgãos são propriedade do MPLA e ao sector público (bolso dos angolanos) só vão buscar os milhões necessários às suas mordomias.

A Comissão Permanente da UNITA denuncia igualmente o que classifica de “tratamento absolutamente desigual aos congressos do seu partido e do partido do regime (MPLA) nos órgãos públicos”. Estavam à espera do quê? O patrão manda e os sipaios obedecem. Simples.

Para a UNITA, o diálogo institucional é o caminho “para que Angola conheça melhoria no ambiente político”. É verdade. Mas também aqui os jacarés vão manter o seu ADN. Ou seja, o MPLA aceita o diálogo, como aceita opiniões diferentes, desde que seja ele o único a decidir.

Em relação ao congresso, imposto pelo Tribunal Constitucional (TC) por imposição do MPLA, e que elegeu Adalberto da Costa Júnior para o cargo de presidente, a UNITA refere que o mesmo foi “amplamente positivo em todas as vertentes” e “felicita todos os militantes do partido e membros da sociedade civil que contribuíram para o seu sucesso”.

O Comité Permanente diz ter orientado igualmente “medidas para que o expediente exigível, para a anotação do VIII Congresso pelo TC, seja reunido e entregue com todo o rigor legal e no mais curto prazo”. E, é claro, com cópia ao MPLA e ficar à espera que este decida o que quer fazer, nem que seja “reeleger” novamente Isaías Samakuva…

As próximas eleições gerais em Angola estão previstas (apenas isso) para o segundo semestre de 2022 e neste momento decorre pelo país o processo de actualização do registo eleitoral oficioso que se realiza nos Balcões Único de Atendimento ao Público (BUAP).

Quanto ao registo eleitoral oficioso, a UNITA manifesta “grande preocupação pelo baixo número de actualizações efectuadas até ao momento e pelo facto de as direcções provinciais do Ministério da Administração do Território terem instruído os oficiais do BUAP a não partilharem os dados com os fiscais dos partidos políticos”. Claro. É o paradigma da transparência “made in MPLA”.

A UNITA pede também maior celeridade nos serviços dos BUAP e alargamento destes balcões “para compensar a lentidão que se observa”. Lamenta igualmente o “agravamento” da situação socioeconómica do país, “com consequências dramáticas” sobre os trabalhadores e as empresas e manifesta ainda solidariedade com a greve dos médicos angolanos, “que apresentam reivindicações justas”, apelando ao Governo para dialogar com a classe profissional.

Habituados a viver na selva supostamente civilizada onde, com o patrocínio e cobertura dos poderes instituídos, vale tudo, os chefes de posto desses órgãos de propaganda do regime entendem que a razão da força, dada por alguns milhares de kwanzas, dólares ou euros de avenças ou similares, é a única lei. Dos Jornalistas esperar-se-ia que lutassem pela força da razão. Não acontece. Não é de agora, mas agora tem mais força e seguidores.

Força da razão? Claro que não. Até porque em Angola, por exemplo, não existem Jornalistas a tempo inteiro. Na maior parte do tempo útil são cidadãos como quaisquer outros e que, por isso, não precisam de ser sérios nem de o parecer. Nas horas de expediente, sete ou oito por dia, exercem o comércio jornalístico, tal como poderiam exercer o enchimento de latas de salsichas.

Mas como existe uma substancial diferença entre exercer jornalismo e ser Jornalista, entre ser operário de um órgão de comunicação social (sobretudo estatal) e ser Jornalista, tal como exercer medicina e ser médico, continuamos a dizer que nesta profissão quem não vive para servir não serve para viver.

E é por isso que uma bitacaia no presidente do MPLA terá com certeza muito maior cobertura (ou até mesmo um livro sobre as Notícias do Palácio) do que o facto de Angola ter 20 milhões de pobres, ou de os angolanos serem gerados com fome, nasceram com fome e morrem pouco depois com… fome.

É por isso que os operários dos órgãos de comunicação, tal como quer quem manda na ERCA, lá estão para se servir, para servir os seus capatazes, e não para servir o público, para dar voz a quem a não tem.

Como disse Gay Talese, cabe ao jornalista procurar incessantemente a verdade e não se deixar pressionar pelo poder público ou por quem quer que seja. Não interessa se as opiniões são do Secretário-Geral da ONU, da Rainha de Inglaterra ou do “dono” de Angola, de seu nome João Lourenço.

Falar hoje da regra basilar do regime angolano (até prova em contrário todos somos… culpados) é algo que desagrada aos poderes políticos de Angola, os mesmos desde 11 de Novembro de 1975.

Em Angola, 46 anos depois, uma muito grande parte da comunicação social amplia a voz dos donos do poder, na circunstância o MPLA, esquecendo que a sua função básica é dar voz a quem a não tem, neste caso aos milhões que – pior do que no tempo colonial – continuam a receber “desdém, fuba podre, peixe podre, panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilarem”.

Folha 8 com Lusa

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