“Um atentado ao Estado democrático de direito”

O professor Fernando Macedo, da Universidade Lusíada de Angola, criticou hoje o Presidente angolano, João Lourenço, considerando que a revisão da Constituição é “um atentado ao Estado Democrático de Direito”. Tem razão. Mas como Angola não é (ainda) um Estado Democrático de Direito, o líder do partido (MPLA) que governa o país há 45 anos não está a cometer um a “atentado”…

Na sua participação no seminário virtual “Recuperação de Activos da Corrupção em Angola e implicações para Moçambique”, organizado pelo Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), Fernando Macedo, professor de Ciência Política e Direito Constitucional, disse estar preocupado com a “iniciativa do Presidente da República em promover uma revisão da Constituição”.

“A proposta que o Presidente da República faz ao poder judicial é um atentado ao Estado Democrático de Direito, porque visa retirar poder a cada juiz e, de certa maneira, ter uma organização judicial em que o Conselho Superior da Magistratura Judicial e o Tribunal Supremo teriam um poder excessivo incompreensível, no quadro de um Estado de Direito, para controlar os juízes”, afirmou o docente.

Na óptica de Fernando Macedo, estas alterações também poderiam mudar “de certa maneira, o combate à corrupção”.

“Cada juiz, quando tivesse um processo, pensaria duas vezes se poderia ser orientado no sentido de tomar esta ou aquela direcção em termos da sua acção e da sua capacidade de decisão, e isto é tanto mais grave quando se trata do Presidente da República”, assinalou.

O professor da Universidade Lusíada de Angola sublinhou que o chefe de Estado “assumiu que o combate à corrupção deveria ter início e deveria prosseguir, independentemente das pessoas que sejam visadas”.

Para o docente, Angola tem assistido a “sinais preocupantes” do Presidente angolano, que tem tido “algumas decisões, algumas posturas que demonstra falta de coerência e seriedade”.

A Assembleia Nacional do MPLA aprovou, em 18 de Março de 2021, a proposta de revisão pontual da Constituição da República.

Depois da aprovação em plenária (conforme ordem superior baixada pela Presidente do MPLA, João Lourenço), o documento é agora submetido à Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos da Assembleia Nacional, para a elaboração do Projecto de Lei de Revisão Constitucional, que vai cumprir a mera formalidade de (já previamente aprovado) ser posto à discussão na especialidade.

O Presidente João Lourenço propõe uma clarificação dos mecanismos constitucionais de fiscalização política do Parlamento sobre o poder executivo, de modo a melhorar o posicionamento e a relação institucional entre os dois órgãos de soberania (ambos correias de transmissão do MPLA), assegurar o direito de voto aos cidadãos angolanos no exterior do país, consagrar constitucionalmente o Banco Nacional de Angola como uma entidade administrativa independente do poder executivo, a desconstitucionalização do princípio do gradualismo na institucionalização efectiva das autarquias locais (quando o MPLA entender), para permitir que o Parlamento discuta livremente mas na obrigatoriedade de aprovação do que o Presidente quiser.

Já no dia 3 de Março, a activista Laura Macedo criticou a proposta de revisão da Constituição, anunciada pelo Presidente João Lourenço, “a um ano e pouco” de eleições gerais e sem resolver os problemas estruturais da lei, que classifica como o “poder absoluto” presidencial.

“Queremos eleger directamente o Presidente da República, não queremos que ele seja eleito por um partido” e, que depois de ganhar, “se torne um Presidente de todos os angolanos”, afirmou Laura Macedo, em declarações à Lusa, comentando a revisão pontual da Constituição.

A actual Constituição, com 11 anos, prevê que o Presidente seja o primeiro da lista do partido mais votado para o Parlamento, o que coloca questões quanto à separação dos poderes, já que quem pode fiscalizar o chefe de Estado é o órgão de onde este saiu, numa promoção indirecta.

“A revisão constitucional é necessária, mas a mim deixa-me um bocado confusa” porque está-se “a um ano e pouco das eleições gerais” de 2022 e “nenhum dos problemas principais fica resolvido” com esta proposta, disse.

Na proposta, o Governo, do MPLA, contempla a revogação da norma que exige gradualismo na institucionalização definitiva das autarquias locais, um argumento que tem sido utilizado pelo partido no poder para ser contra o poder local em todo o país, propondo apenas a eleição camarária nalguns locais.

Para Laura Macedo, a Constituição actual não impede que decorram em todo o país as eleições autárquicas, prometidas para 2020, considerando que o MPLA tem insistido nesse argumento como uma forma de “engodo político”.

“A questão do gradualismo [que existe na Constituição] é uma questão de interpretação” e prevê, no seu entender, que “os poderes do autarca devem ser atribuídos gradualmente”, tendo em conta as capacidades de cada município. Ora, o “Governo interpreta que é primeiro aqui ou acolá”, criando “municípios de primeira e de segunda” no que respeita à legitimidade do voto directo, considerou.

“Falta termos um Presidente honesto, nós não temos um Presidente honesto. O que temos vem várias vezes a público com falácias, falar com analfabetos, para pessoas que não conhecem o país”, acusou a activista, que alega que a “miséria e a fome mantêm-se por causa da corrupção instituída desde os primórdios da independência”.

Hoje, depois das expectativas criadas por João Lourenço, na sua sucessão de José Eduardo dos Santos, “os angolanos estão muito cansados, cada vez mais atentos, porque a miséria e a fome fazem com que estejam atentos à vida política”, avisou Laura Macedo.

“Com eleições livres e justas até eu ganho a João Lourenço”, disse a activista, considerando que o actual Presidente desiludiu “muitos dos angolanos que depositaram nele um voto de esperança”.

Folha 8 com Lusa

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