Funcionários da Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL) vão fazer greve por tempo indeterminado, a partir de quinta-feira, para “exigir” o pagamento regular dos salários, melhores condições laborais, assistência médica e seguro obrigatório contra acidentes, foi hoje anunciado.
A paralisação dos funcionários ligados às áreas de produção, captação, tratamento e distribuição de água na capital angolana, com cerca de oito milhões de habitantes, foi anunciada pelo primeiro secretário sindical da EPAL, António Martins.
Segundo o sindicalista, que falava à Rádio Luanda, os constantes atrasos salariais, a falta de condições de trabalho, a falta de assistência médica e medicamentosa e a falta de seguro obrigatório contra acidentes de trabalho e doenças profissionais constituem alguns dos pontos do seu caderno reivindicativo.
Em caso de sinistro, explicou, o trabalhador da EPAL “é que tem custeado todas as despesas relativamente à reparação dos danos físicos que sofre”, verificando-se também “desvios de valores para o pagamento de imposto” no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
“Alguns trabalhadores com idade de reforma sentem-se obrigados a fazer um trabalho que é industrial e para o qual, pela sua natureza, é necessário um técnico mais jovem, mas por falta de pagamento no INSS esses são obrigados a continuar a trabalhar mesmo estando com capacidade física e psicológica reduzida”, disse o sindicalista.
Durante a paralisação os grevistas garantem os serviços mínimos para o fornecimento de água à população.
António Martins acusou igualmente a entidade patronal de desviar a imobiliária construída e financiada pelos trabalhadores, afirmando que as residências abrangidas “estão a ser distribuídas por pessoas próximas ou a parentes de membros da direcção da empresa”.
“Os trabalhadores acabam de ir para a reforma, outros até acabam por falecer, sem nunca receber uma casa financiadas por eles e há também a situação da recusa do pagamento de salário de alguns trabalhadores que já trabalham há mais de cinco anos”, apontou.
O primeiro secretário sindical da EPAL, afecto à Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), referiu, por outro lado, que a empresa pública está perante uma insuficiência de produtos químicos para o tratamento de água, “o que periga a vida dos cidadãos da província de Luanda”.
“Há ainda a existência de um software de gestão financeira que propicia furtos e fraudes financeiros na empresa, mas o empregador recusa-se a fazer um esforço para pôr cobro a esta situação, e vamos verificando que há sempre um trabalhador a desviar milhões na empresa”, realçou.
A greve dos funcionários da EPAL, frisou, foi declarada em assembleia-geral realizada na sexta-feira passada, 17 de Dezembro: “Não temos uma data prefixa para o termo da greve, mas estamos abertos às negociações.”
O presidente do Conselho de Administração da EPAL, tutelada pelo Ministério da Energia e Águas de Angola, morreu em Agosto passado, vítima de doença, e a empresa continua sem um novo presidente.
O líder sindical afirmou que a ausência de um presidente da administração “tem sido um dos factores que agravam ainda mais as preocupações dos funcionários”, porque “os administradores dizem não ter legitimidade para atender a muitas situações”.
“Daí que temos, por via de cartas, requerido ao ministro para que tomasse alguma posição que influenciasse o Presidente da República a nomear com urgência um presidente visto que esta situação está a criar-nos alguns transtornos”, sustentou.
“Mas, de certo modo, também não aceitamos que esse nosso problema não seja resolvido, porque outros problemas estão a ser resolvidos, mas [quem benéfica são] os membros do Conselho de Administração”, realçou.
António Martins disse ainda que os funcionários constatam “com estranheza” a contratação de novos trabalhadores e a realização de “contratos irregulares” para a ligação de água em alguns condomínios, alegadamente em benefício dos membros do Conselho de Administração.
MPLA é que sabe o que é ou não potável
Em 2018, cerca de metade dos agregados familiares (47%) angolanos não tinham acesso a fontes de água potável e muitas crianças passavam horas a caminhar diariamente para aceder a esse líquido. Quem o disse na altura foi a UNICEF. Quem reafirma que hoje está tudo na mesma… ou pior somos nós.
Segundo o ministro angolano da Energia e Água, João Baptista Borges, cerca de 60% da população em Angola, estimada em perto de 33 milhões de habitantes, tem acesso a água potável. A potabilidade da água é variável (ou relativa, segundo a nova terminologia do Presidente João Lourenço) de acordo com as ordens superiores do MPLA que, aliás, já tentou institucionalizar também a electricidade… potável.
João Baptista Borges disse, em 2018, à margem do 8º Fórum Mundial da Água que decorreu no Brasil, que a principal preocupação do Executivo era aumentar a taxa de acesso nas zonas urbanas, que deverá atingir 85%, nos próximos cinco anos. Para a população das zonas rurais, a meta é atingir uma taxa de 80%, segundo o ministro.
Um comunicado emitido em 21 de Março de 2018 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em alusão ao Dia Mundial da Água, referia que devido à falta de fontes de água potável muitas crianças não têm oportunidade de ir à escola.
Segundo a UNICEF, “esta jornada pode ser perigosa”, tendo em conta que os utensílios utilizados para acarretar água pelas crianças podem pesar, geralmente, cerca de 20 quilos.
“Para algumas, essa rotina diária para colectar água pode consumir as suas vidas. Elas temem ataques e temem caminhar longas distâncias, e perdem a oportunidade de ir à escola ou de brincar com os amigos”, lê-se no comunicado.
Em tempos de crise e de instabilidade, a UNICEF fornece o acesso à água potável, saneamento e higiene para crianças em todo o mundo, mesmo nos locais de difícil acesso, sublinha o documento.
Em 2017 a UNICEF forneceu água potável a perto de 30 milhões de pessoas em emergências humanitárias, 284.184 das quais se encontravam em Angola.
“Pelo menos 263 milhões de pessoas no mundo levam mais de 30 minutos para ir e voltar para colectar água. Em Angola, isso ocorre com 19% dos agregados em áreas urbanas e 43% dos agregados em áreas rurais, dentre aqueles sem acesso à água para beber dentro de casa”, salientou na altura.
No entanto, a UNICEF realça que houve uma evolução no acesso à água dos agregados familiares em Angola entre 2015-2016 comparativamente a 2008-2009, aumentando 12 pontos percentuais (42% para 54%), crescimento que se registou sobretudo nas áreas urbanas.
Na Lusofonia somos (relativamente) os piores
Angola é, dos nove Estados lusófonos, o país com menor acesso a água potável “per capita”, em que apenas 44% da população a obtém facilmente, com Portugal (100%) e Brasil (97%) no pólo oposto. No que ao reino do MPLA respeita, tudo normal. Porque carga de chuva os 20 milhões de pobres precisarão de água potável? Não lhes basta terem acesso gratuito a comida… nas lixeiras acessíveis a todos os angolanos de segunda?
Num relatório do Programa Conjunto de Monitorização das Nações Unidas, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), são analisadas as situações da água potável, saneamento e higiene em mais de 200 países e territórios.
O documento faz a comparação entre a evolução registada em cada um dos nove países lusófonos – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste –, tendo também em conta o respectivo aumento da população.
No quadro desta análise é referido também o aumento da população nas zonas urbanas, o acesso a água que dista mais de 30 minutos do local de residência, água não melhorada e água proveniente da superfície, como rios e lagos, entre outras fontes.
No acesso a água potável canalizada, Cabo Verde surge em terceiro lugar entre os lusófonos (subiu de 78% para 86%), à frente de São Tomé e Príncipe (de 67% para 80%), Timor-Leste (não havia dados disponíveis anteriores mas tem agora 0%), Guiné-Bissau (de 53% para 69%) e Moçambique (de 22% para 47%). Angola subiu de 38% para 41%, enquanto o Brasil passou dos 94% para 97% e Portugal de 99% para 100%.
O relatório sublinha que os dados são susceptíveis de alguma “relatividade”, tendo em conta o tamanho dos países, o total da população e o grau de desenvolvimento de cada um deles.
À excepção de Portugal e do Brasil, todos os restantes países lusófonos, em maior ou menor escala, ainda têm bolsas da população que só conseguem obter água a mais de 30 minutos do local de residência.
O estudo dá ainda conta da relação entre os dados estatísticos e a evolução da população urbana nos nove Estados lusófonos, sempre em crescendo, com o Brasil a “liderar” esta tabela, com os habitantes citadinos a subirem, em 15 anos, de 81% para 86%.
Cabo Verde é o segundo país lusófono com maior crescimento da população urbana (aumentou de 53% para 66%), seguido por São Tomé e Príncipe (de 53% para 65%), Portugal (de 56% para 63%), Guiné-Bissau (de 37% para 49%), Angola (de 32% para 44%), Guiné Equatorial (de 39% para 40%), Timor-Leste (de 24% para 33%) e Moçambique (de 29% para 32%).
Folha 8 com Lusa