Dezenas de funcionários do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), em Luanda, que denunciam alegados despedimentos arbitrários e gestão danosa, forçaram hoje a transferência do acto de lançamento da Reserva Estratégica Alimentar (REA), exigindo os empregos de volta.
O início da operacionalização da REA, iniciativa do Governo angolano para influenciar a baixa de preços dos produtos alimentares, estava marcado para esta terça-feira (como o Folha 8 noticiou), nas instalações do EAA, em Luanda, e seria presidido pelo ministro da Indústria e Comércio angolano, Vítor Fernandes.
Frente a uma das naves do EAA, decorada a preceito para a cerimónia, estavam igualmente concentrados perto de 100 trabalhadores, que se queixam de despedimentos arbitrários, falta de diálogo entre o patronato e o sindicato e de terem sido impedidos, a partir de hoje, de acederem às instalações.
“Queremos o nosso emprego”, era a frase que mais ecoava no seio dos funcionários, que avidamente aguardavam pela presença do governante, que não apareceu ao local, sendo que depois de uma hora de espera os jornalistas foram convidados dirigirem-se à sede do ministério, onde a actividade acabou por ter início.
A comissão de gestão da empresa deliberou que a partir de hoje, cerca de 300 funcionários “devem gozar de uma licença, por força da pandemia”, mas temem pelos empregos por esta estar a “contratar novos funcionários”, entre eles estivadores.
O Entreposto Aduaneiro de Angola, em Luanda, foi inaugurado em 18 de Outubro de 2002 pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos, conta com 334 trabalhadores e é a partir de hoje o centro logístico da REA.
“Essa comissão de gestão desde que cá chegou nunca conversou com os trabalhadores, já estão há dois anos e o que nos espanta é sermos informados que alugaram os nossos armazéns para a REA”, disse hoje João Silva Fernandes, funcionário do EAA.
Este funcionário do sector dos transportes receia perder o emprego porque, argumentou, “já saiu uma lista de funcionários que não podem entrar na empresa”.
Valdemar de Oliveira, membro da comissão sindical do EAA, apontou a falta de diálogo entre a comissão de gestão da entidade pública e trabalhadores como principais entraves, lamentando que estejam a ser proibidos de aceder às instalações da empresa.
“E o nosso receio é que nos coloquem em casa sem satisfação e nós não somos tidos e nem achados”, referiu.
A GESCESTA é a empresa que ganhou o concurso público para a gestão e operacionalização da Reserva Estratégica Alimentar, iniciativa do Governo angolano visando regular o mercado e influenciar a baixa de preços dos produtos alimentares essenciais.
Os funcionários do EAA temem pelo emprego pelo facto de a empresa gestora REA surgir já com os seus recursos, técnicos e humanos, numa altura em que uma circular da comissão de gestão da EAA determina a partir desta terça-feira a redução da força de trabalho presencial e limita o acesso dos trabalhadores à instituição.
A contenção da propagação da Covid-19, actual baixa de produção da empresa e as obras em curso nas instalações são os argumentos da direcção da empresa que, para Celso Mutendele, não colhem porque a EAA “já está a trabalhar abaixo de 50%”.
“Então, estamos num horizonte de 300 funcionários que devem ficar de fora, escolheram alguns para trabalhar, ele [o coordenador da comissão de gestão] trata mal os funcionários, os clientes e tudo isso é preocupante”, afirmou Celso Mutendele, segundo secretário da comissão sindical.
Domingas Gaspar, funcionária das Finanças do EAA há 18 anos, diz-se surpresa com a atitude da direcção da empresa e também teme pelo emprego, sobretudo porque faz parte da lista de funcionários com acesso limitado às instalações.
Por seu lado, o coordenador da comissão de gestão da EAA, Eduardo Machado, considerou que a empresa “não está a ser alienada”, mas “está apenas a ser concessionada num serviço que carece de um grau de operacionalidade e eficiência operacional, o que o entreposto não tem”.
“Por isso contratámos uma entidade gestora, e esta está no direito de trazer os seus meios técnicos e humanos e poderá ou não fazer recurso aos quadros do entreposto. Ela pode decidir que vai reutilizar os recursos do entreposto”, disse hoje aos jornalistas.
Os colaboradores do entreposto, salientou, “devem manter-se tranquilos, não há razões para qualquer animosidade ou preocupação”.
“O mercado é livre e aberto e se existem competências internas a nível do entreposto eles têm de demonstrar essas capacidades e têm que demonstrar capacidade e viabilidade para que funcionem de forma articulada”, rematou Eduardo Machado.
Em Setembro de 2018, o então ministro da Agricultura e Florestas do governo de João Lourenço, Marcos Alexandre Nhunga, foi mais sofisticado que o Presidente João Lourenço ao dizer que o país tinha alguma “população considerável que não passa fome como tal”, mas que “se encontra numa situação difícil”.
“Não passa fome como tal”? Ou passa fome ou não passa. Essa coisa de “fome como tal” não existe. Queria o ministro dizer que passa fome às segundas, quartas e sextas e come qualquer coisa às terças, quintas e sábados? E que “como tal” aos domingos faz jejum? João Lourenço disse, dois anos depois, que a fome é relativa.
Marcos Nhunga falava aos jornalistas depois de questionado pela agência Lusa sobre o relatório de segurança alimentar e nutrição elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o qual indicava que, em Angola, 23,9% da população passava fome. Passava fome. Não “fome como tal”, não “fome relativa”.
“É uma realidade, mas não temos essa realidade. A FAO divulga os seus dados e não queremos fazer comentários. Mas a FAO, quando divulga, tem dados com base num levantamento a nível mundial”, afirmou o governante que João Lourenço escolhera, na altura, como o melhor cérebro para liderar o Ministério da Agricultura. E o que é que um levantamento a nível afecta, “como tal”, os dados relativos a cada país?
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Folha 8 com Lusa