Angola e Suíça assinaram hoje, em Luanda, um memorando de entendimento sobre assistência jurídica e judiciária mútua em matéria penal, que deve conferir “maior celeridade” às acções de recuperação de activos por parte do Estado angolano.
O memorando rubricado traduz-se num “instrumento de interesse comum”, sobretudo pela “simplificação de procedimentos de assistência jurídica, a uniformização da linguagem de trabalho e a faculdade de contacto directo ao invés do recurso obrigatório à via diplomática”.
Foram signatários do documento em representação do Estado angolano o Procurador-Geral da República (PGR), general Hélder Pitta Gróz, e por parte da Confederação Suíça o seu embaixador em Angola, Nicolas Herbert Lang.
Segundo o PGR angolano, o memorando resulta de um “trabalho apurado entre as partes, motivado pelo desejo de reforçar as relações de cooperação no domínio penal, relações, até então, mantidas com base na amizade, na reciprocidade e no reconhecimento mútuo entre os Estados”.
O instrumento de assistência jurídica mútua em matéria penal, referiu Hélder Pitta Gróz, “inscreve um amplo âmbito de cooperação, nomeadamente notificações de actos judiciais, recolha de documentos e testemunhas, buscas, apreensões e congelamentos de bens”.
O rastreio e/ou identificação de rendimento ilícitos, transmissão espontânea de informações à efectiva recuperação de activos constituem igualmente outros domínios do memorando assinado hoje na capital angolana.
A recuperação de activos, “que tem sido uma das grandes prioridades da política criminal do Estado angolano”, observou o magistrado do Ministério Público angolano, “assume-se como uma das grandes e importantes soluções traduzidas pelo memorando”.
“O que certamente permitirá que, com maior segurança e celeridade, os bens e activos que se encontram domiciliados e não só regressem a Angola”, afirmou Pitta Gróz, durante a cerimónia que decorreu no Palácio da Justiça.
Para o PGR de Angola, o instrumento jurídico bilateral será “bastante valioso na prossecução penal, que permitirá com maior celeridade realizar diligências processuais em conexão com o Estado suíço”. E deste modo, explicou, “trazer às autoridades judiciárias angolanas os elementos essenciais à realização da justiça”.
O diploma legal assinado entre as partes, adiantou o general, “marca uma etapa muito importante” nas relações mútuas entre os Estados, “permitindo a que num futuro próximo sejam firmados acordos de Estado nos domínios da extradição e da transferência de pessoas condenadas”.
“Que são também formas de cooperação que viabilizam a efectividade do direito pessoal e processual penal do Estado implicado, a aproximação dos dois ordenamentos jurídicos penais por intermédio desse diploma”, frisou o procurador angolano.
“Convictos estamos que sairemos todos a ganhar com a celebração desses instrumentos, sobretudo por existirem relevantes assuntos de interesse comum que poderão ser ultrapassados pela ampla assistência jurídica e judiciária mútua em matéria penal propiciada por este memorando”, concluiu.
Já o embaixador da Confederação da Suíça em Angola, Nicolas Herbert Lang, valorizou o instrumento ora rubricado com o Estado angolano, assegurando que “todo o dinheiro de origem angolana, indevidamente depositado em contas suíças, será devolvido”.
Muitas vezes, observou o diplomata suíço, “está em jogo muito dinheiro, até mesmo enormes somas, trata-se de dinheiro que não pertence à Suíça”.
“É do direito suíço que todo o dinheiro cuja origem é ilegal e tenha sido provada seja devolvido com base num procedimento de assistência jurídica, isto evidentemente também se aplica a todo o dinheiro de origem angolana indevidamente depositado em contas suíças”, notou.
O memorando “prevê uma fundação para a cooperação futura, promoverá a compreensão mútua do sistema jurídico e das realidades uns dos outros, temos a partir de hoje um instrumento que permite discutir um caso entre os nossos peritos em cooperação jurídica antes de redigir um pedido”, realçou Nicolas Herbert Lang.
“Inversamente, graças a este acordo, será mais difícil no futuro lucrar com a corrupção e outros actos criminosos, quer em Angola, quer na Suíça”, vincou.
O diplomata suíço deu conta também que a praça financeira do seu país continua a ser o número um do mundo em gestão de fortunas e gere 2,5 biliões de dólares americanos (2,11 biliões de euros) de activos transfronteiriços, o que representa mais de 25% dos activos transfronteiriços do mundo sob gestão.
Os activos totais sob gestão na Suíça, apontou, ascendem a 8,7 biliões de dólares americanos (7,37 biliões de euros) referindo igualmente que o seu país “tem uma das legislações mais rigorosas para prevenir a criminalidade financeira”.
“Nenhum outro país devolveu até agora mais fundos ilícitos aos países de origem e, a propósito, já não existem contas bancárias anónimas e o sigilo dos clientes bancários estrangeiros foi abolido há anos”, realçou.
Nicolas Herbert Lang deu conta ainda que acordos similares como o assinado hoje serão celebrados com muitos outros Estados “num futuro não distante”.
Em papel, digital ou mala diplomática?
No passado dia 27 de Abril, a PGR negou ter recebido das autoridades judiciais portuguesas uma lista discriminada de fortunas de cidadãos nacionais domiciliadas em Portugal.
De acordo com o PGR, Hélder Pitta Gróz, que falou ao órgão oficial do MPLA/Estado, o Jornal de Angola, uma notícia veiculada pelo jornal português Correio da Manhã (CM), “até ao presente momento a PGR não recebeu qualquer lista com este teor.”
Hélder Pitta Gróz reconheceu, no entanto, que “temos tido cooperação e colaboração pontual com as autoridades portuguesas em processos específicos.” “Por conseguinte, é frequente deslocarmo-nos a Portugal e a outros países no âmbito da aludida cooperação”, reforçou o magistrado do Ministério Público.
O jornal português noticiou que a Justiça portuguesa, através do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), entregara, na altura, a Angola uma lista das fortunas que vários cidadãos angolanos (listados pela PGR angolana) possuem em Portugal.
As listas, que constam de um relatório, têm mais de sete mil páginas e incluem detalhadamente todos os bens que existem em Portugal, com destaque para contas bancárias, aplicações financeiras em fundos de investimento, acções de várias empresas cotadas e não cotadas, imóveis e participações sociais.
O relatório, que cumpre com uma carta rogatória que a Procuradoria-Geral da República de Angola tinha pedido, há mais de um ano, às autoridades judiciais portuguesas, foi entregue em mão, segundo o CM, a um funcionário judicial da PGR de Angola que se deslocou propositadamente a Portugal.
São dezenas de nomes de cidadãos angolanos que constam da lista, entre eles (como não poderia deixar de ser) os de familiares do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos. O grosso da informação disponibilizada, segundo o CM, refere-se a Isabel dos Santos. A filha do ex-Presidente fez investimentos nas empresas portuguesas NOS, Galp, Efacec, Millennium BCP, Banco BIC e noutras dezenas de empresas.
Segundo Hélder Pitta Gróz, “em Democracia, as instituições públicas exercem as suas funções norteadas pela prossecução do interesse público, pela transparência e pela prestação de contas à sociedade do cumprimento das suas atribuições constitucionais e legais, na medida em que é em nome e em prol dos cidadãos que se estruturam e organizam os poderes públicos”.
Assim, “a Procuradoria-Geral da República, o fiscal mor da legalidade democrática, obriga-se à criação de canais de comunicação e de interacção com os cidadãos, de modo a permitir o escrutínio da sua acção e a obter dos destinatários finais do seu papel social o retorno necessário ao aprimoramento e melhoria dos seus procedimentos”.
“Nesta era digital, a inauguração do portal da Procuradoria-Geral da República visa impulsionar e dinamizar o fornecimento de informações sobre o funcionamento desta Instituição, a sua composição em matéria de magistrados do Ministério Público, técnicos de justiça e outros servidores, bem como a divulgação de toda a actividade quotidiana com valor noticioso ou de interesse público”, afirmou o PGR.
Recorde-se que a PGR, a mesma PGR, o mesmo PGR (Pitta Gróz) esclareceu no dia 25 de Junho de 2018 ter recebido da congénere portuguesa a certidão digital integral do processo envolvendo o antigo presidente da Sonangol e ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, mas explicando que só com a recepção em formato de papel (“folha seca e fina feita com toda a espécie de substâncias vegetais reduzidas a massa, para escrever, imprimir, embrulhar, etc.”) poderia continuar as diligências.
Em comunicado, a PGR confirmava ter recebida a certidão digital em 19 de Junho, na qualidade de “autoridade central para efeitos de cooperação judiciária internacional em matéria penal”, do processo que corria no tribunal de Lisboa, “na sequência da sua transferência para continuação do procedimento criminal em Angola”.
“A PGR de Portugal, no ofício de remessa do referido expediente, mencionou o envio do processo em suporte físico, isto é, da certidão integral em formato papel tão logo seja concluída a respectiva feitura”, lê-se no comunicado.
No entanto, a PGR angolana alertava que, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-membros da CPLP, o pedido de auxílio é cumprido “em conformidade com o direito do Estado requerido”. E, na altura, “não existindo no ordenamento jurídico angolano regras processuais que admitam processos em formato digital, a PGR de Angola aguarda que lhe seja remetida pela sua congénere o processo em formato de papel, para ulteriores trâmites”.
Hoje tudo está diferente. “Um recurso extremamente útil e de reforço ao exercício da cidadania é o espaço (no Portal) para a apresentação de denúncias públicas, cuja confidencialidade a anonimização dos denunciantes é garantida pelo sistema informático e por técnicos especializados da Procuradoria-Geral da República, permitindo ainda que o interessado faça o acompanhamento do tratamento dado à sua denúncia por via do portal”.
Folha 8 com Lusa