Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, maior partido da oposição que o MPLA está farto de permitir, reuniu-se com a cúpula de dirigentes da organização política, para reflectir sobre as eleições de 2022 (se acontecerem) e o (mau) estado da democracia no país.
Segundo uma nota distribuída hoje, Adalberto da Costa Júnior abordou, com os altos dirigentes da formação política, questões da vida interna do partido, “assim como das incidências dos interesses da comunidade internacional sobre os vários domínios da vida do país”.
No “encontro de reflexão” estiveram presentes, o ex-presidente do partido, Isaías Samakuva, e dirigentes que disputaram com Adalberto da Costa Júnior a liderança da UNITA, em 2019, como Alcides Sakala, o segundo candidato mais votado e o general Abílio Kamalata Numa, que ficou em terceiro lugar na corrida.
A reunião da cúpula da UNITA acontece numa altura em que Adalberto da Costa Júnior enfrenta um processo de destituição no Tribunal Constitucional, movido por desertores internos e sob o alto patrocínio de altos dignitários do MPLA, devido a supostas irregularidades.
De acordo com o documento divulgado pela UNITA, os dirigentes deram destaque “às diferentes variantes do grande desafio da construção do Estado de direito democrático, tendo em conta a realidade vigente, marcada por retrocessos preocupantes, e o processo eleitoral de 2022”.
Nos últimos dias, e à medida que se aproximam as eleições, a tensão entre a UNITA e o MPLA, partido do poder desde 1975 e cujo líder não foi eleito mas imposto, tem aumentado com frequentes trocas de acusações.
No início de agosto, o MPLA reagiu ao anúncio de uma “Ampla Frente Patriótica para a Alternância”, que integra, entre outros políticos, Adalberto da Costa Júnior, afirmando que o lugar do presidente da UNITA está por um fio e considerando que as forças da oposição revelam “falta de sentido de Estado e de respeito para com as instituições democráticas”.
Na terça-feira, o partido do “Galo Negro” acusou o MPLA de “subverter a lei visando perpetuar-se no poder”, reiterando a legalidade da eleição do seu líder, Adalberto da Costa Júnior.
O Tribunal Constitucional (TC) recebeu em Maio uma impugnação, de um alegado grupo de membros da UNITA, que contesta a actual liderança, aponta supostas irregularidades registadas no congresso, nomeadamente que Adalberto da Costa Júnior teria concorrido à liderança sem renunciar à nacionalidade portuguesa.
A isso acresce, recorde-se, que será fácil aos dissidentes da UNITA comprados pelo MPLA “provar” junto do Tribunal Constitucional que Adalberto da Costa Júnior (AJC) não pode ser Presidente da UNITA porque, como se sabe, ele nasceu na Alemanha, é branco, os pais são austríacos e foram auxiliares de Hitler. E, é claro, com estas origens, não pode ser considerado angolano. Aliás, o MPLA equaciona até a possibilidade de provar que, tal como Jonas Savimbi, AJC nem sequer pode ser considerado… humano.
Para esbater a polémica sobre a nacionalidade do seu líder, o secretariado executivo do comité permanente da comissão política da UNITA reagiu, logo em Maio, dizendo que Adalberto da Costa Júnior “renunciou e perdeu a nacionalidade portuguesa adquirida” como aferem os “processos examinados” pelo Tribunal Constitucional angolano.
A UNITA é mesmo um alvo a abater. É certo que tem razão, mas não tem força. Exactamente o contrário do que se passa com o MPLA. Mesmo assim, ACJ diz que o seu partido tem de “ajudar” o partido no poder a ir “com tranquilidade” para a oposição.
Reagindo ao comunicado do Bureau Político do MPLA, em que afirma que “a Frente Patriótica Unida não tem propostas alternativas para Angola”, o líder do Galo Negro, Adalberto da Costa Júnior, e um dos integrantes da plataforma da oposição, diz que o partido no poder não está preparado para a democracia.
Não está, não quer estar e nunca aceitará estar. Para o MPLA a democracia significa existirem diversos partidos desde que, é condição “sine qua non”, só o MPLA fique no Poder.
“Nós temos que o ajudar a olhar com tranquilidade para alternância política, porque o MPLA está cansado. Dá notas claras, indicadores claros de que precisa efectivamente de ser ajudado a ir para a oposição”, sublinhou o presidente da UNITA durante a visita a Benguela.
Para o líder da oposição, “deve vir uma nova liderança que sirva melhor Angola e os angolanos, garantindo a todos estabilidade, respeito e acima de tudo a garantia do funcionamento de um Estado democrático e de direito”.
O novo projecto político Frente Patriótica Unida integra a UNITA, o Bloco Democrático e o PRA-JA Servir Angola, que procuram unir forcas para remover o MPLA do poder nas próximas eleições… se o MPLA as levar a efeito. Por regra, o MPLA só aceita eleições quando tem a certeza que as ganha folgadamente, nem que para isso ponha os mortos a votar e consiga ter mais votos do que eleitores inscritos.
Na visita a Benguela, Adalberto da Costa Júnior voltou a criticar a pobreza generalizada no país e afirmou que o desemprego e a falta de oportunidades são as bandeiras hasteadas pelo MPLA na província que, recorde-se, João Lourenço prometeu transformar na Califórnia de Angola, durante a campanha eleitoral de 2017.
“Encontrei uma província paupérrima, cheia de pobreza, com muita gente com fome, com falta de emprego e com muitos problemas que não se justificam”, afirmou Adalberto da Costa Júnior. “Este é um país que tem tudo para vencer”, acrescentou. Tudo não. Até agora não conseguiu ter um governo competente, um governo preocupado com os milhões que têm pouco ou nada e não, apenas e só, com os poucos que têm milhões.
Em Julho de 2017, João Lourenço (então vice-presidente do MPLA, sucessor de José Eduardo dos Santos, general e ministro da Defesa), exigiu aos milhões de militantes e dirigentes do partido que trabalhassem em conjunto para uma vitória “retumbante”. Em boa verdade não precisavam de trabalhar muito. O resultado, como habitualmente, já estava determinado. Precisam apenas de fingir que trabalhavam. Em 2022, caso haja mesmo eleições, vai ser o mesmo. A máquina da fraude está na fase de afinação.
“Este é um ano de grandes desafios e, como sabemos, temos de enfrentar o pleito eleitoral, em Agosto do corrente ano. E para alcançarmos a vitória, uma vitória que seja retumbante, que esteja à dimensão dos 60 anos do nosso partido, é preciso que trabalhemos, que trabalhemos bem e bastante”, afirmou João Lourenço.
O MPLA tem muito mais do que 64 anos. Quando um dia os arautos do Boletim Oficial do regime (Jornal de Angola) escreverem a real história do partido veremos, sem margens para dúvidas, que Diogo Cão já era militante do MPLA. Ficaremos igualmente a saber que, ao contrário do que se propaga, quem é líder do partido não é o “escolhido de Deus” porque é, isso sim, o mais alto represente directo de deus na Terra ou, segundo outros, o próprio… deus.
“É preciso trabalharmos buscando objectivos muito concretos, trabalhando de forma colegial, porque sozinho ninguém alcança vitórias. Aqui não há milagreiros, como dizem os brasileiros”, disse ainda João Lourenço.
João Lourenço procurava assim, numa operação de marketing que embora importada cabia bem em Angola, dar a entender que o MPLA precisava de trabalhar para ganhar as eleições. Acontece que, como sempre, a vitória estava (como estará a próxima) garantida antes da votação só faltando, eventualmente, estabelecer as percentagens. Mas que ficou bem, isso ficou. Até dava a ideia de que Angola era o que não é: um Estado de Direito democrático.
João Lourenço acrescentou a convicção de que “mais uma vez” o MPLA iria “saber merecer a confiança do eleitorado, de uma forma geral a confiança dos cidadãos angolanos, que reconhecem em nós o único partido à altura de dirigir os destinos do nosso país”.
Foi verdade. É verdade. Será (sempre) verdade. O MPLA tem sempre a confiança dos eleitores, até mesmo dos que já morreram mas que, para o caso, eleitoralmente ressuscitam sempre. Também tem sempre o apoio daqueles que não vão votar mas cujo voto, por uma questão de educação patriótica, aparecerá na urna.
João Lourenço disse que 2017 era “um ano de trabalho, não é um ano de grandes discursos”, pelo que o patrão quer “ver acções concretas, muito trabalho” mesmo que isso implique fazer horas extraordinárias.
“Já sabemos que não vamos poder trabalhar como funcionários. Não há oito horas de trabalho. Vamos trabalhar quantas horas forem necessárias, para que consigamos obter os tais bons resultados, nas eleições”, disse o general.
O MPLA, seja com o actual João Lourenço ou outro qualquer João Lourenço, quer superar os 500 anos de colonização portuguesa em Angola, mostrando a todo o custo que “o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA”. Para isso, mantém com a força das armas e da fraude, a hegemonia nos órgãos do Estado que, ao fim e ao cabo, são todos os que têm poder de decisão.
O MPLA é, contudo, um partido medroso, cada vez mais medroso, que se pavoneia, por ter o controlo da máquina do Estado, que lhe permite escancarar os cofres públicos e de lá sacar (roubar) dinheiro para a sua maquiavélica empreitada.
O MPLA não está, nunca esteve, preparado para viver em democracia e, por essa via, aceitar mudanças. Mesmo que, numa hipótese remota, a máquina eleitoral do regime bloquear e não concretizar a fraude, dando assim a vitória a outro partido, o MPLA não só não aceitará, como em 1992, fez a UNITA, como também irá desencadear uma nova guerra, com suporte nos dois exércitos que têm, sob seu controlo, mais a (sua) Polícia Nacional.
Folha 8 com Lusa