Rabo escondido com gato de fora

O secretário-geral do Parlamento angolano, qual perito dos peritos em informação e jornalismo, defendeu hoje que todos os deputados “têm igualdade de direito” no acesso aos órgãos de comunicação social, devendo os jornalistas abster-se de “fazer juízos de valor em relação à acção destes”. Ou seja, os jornalistas devem informar mas abster-se de formar os seus telespectadores, ouvintes ou leitores.

Agostinho de Neri, que falava hoje na abertura de um encontro metodológico dirigido à imprensa, disse que a Assembleia Nacional “é uma casa, por natureza, de diferenças, onde a democracia é exercida, onde o respeito pela diferença é imprescindível”.

“E aí [deve-se] saber respeitar e colocar em pé de igualdade todos os intervenientes directos desta casa. Quer dizer que todos os deputados eleitos têm igualdade de direito perante os órgãos de comunicação social e aí encerra a necessidade de nenhum de nós tirar partido no exercício da nossa actividade, não fazer juízos de valor em relação à acção dos deputados”, afirmou o responsável parlamentar.

Para Agostinho de Neri, a igualdade de tratamento dos deputados a nível dos órgãos de informação concorre para se evitar leituras diferentes em relação aos deputados: “Nós temos sido muitas vezes questionados por que demos primazia a um em detrimento de outro”.

“Nós, infelizmente, não o podemos fazer. Esta é uma casa que difere das outras por este motivo, é que todos os deputados têm um mandato que lhes é dado pela mesma fonte, todos eles [deputados] são eleitos pelo povo”, notou.

Políticos e formações políticas angolanas, sobretudo na oposição, queixam-se reiteradamente e com toda a legitimidade factual do tratamento parcial no que diz respeito às suas informações e actividades a nível dos órgãos públicos (leia-se dominados pelo MPLA) de informação e outros detidos pelo Estado.

“O Processo Legislativo e as Terminologias Parlamentares” foram a temática do “IIIº Encontro Metodológico” dirigido hoje aos jornalistas, iniciativa da Secretaria-geral da Assembleia Nacional.

Segundo Agostinho de Neri, o encontro visa reforçar os “propósitos, a cooperação, os mecanismos de actuação” para “melhor servir a população” angolana. “A nossa e a vossa missão tem de buscar cumplicidade na acção e no modus operandi”, afirmou.

“Este encontro surge para também comungarmos objectivos e fundamentalmente alinharmos a forma em como nos devemos comunicar quer a nível interno e externo ao comunicarmos a nossa acção ao povo”, apontou.

A necessidade da uniformização da linguagem, terminologias e nomenclaturas parlamentares nos órgãos de comunicação social no país visando “compreensão da produção legislativa” a nível dos cidadãos em Angola foi defendida pelo prelector do encontro.

As funções legislativa, representativa e de controlo e fiscalização do Parlamento angolano, os procedimentos de aprovação dos diplomas legais, propostas ou projectos de lei, constam entre os pontos apresentados à classe jornalística presente no encontro.

Terminologias e nomenclaturas parlamentares, nomeadamente debates na especialidade, na generalidade e de urgência, diferença entre declaração de voto e declaração política, grupos parlamentares e grupos parlamentares mistos, entre outros, foram também abordados no encontro.

O encontro visou igualmente projectar a abertura da quinta sessão legislativa da quarta legislatura do parlamento angolano, que tem início previsto para o dia 15 deste mês com um discurso sobre o Estado da Nação, que deve ser proferido pelo Presidente João Lourenço.

No jornalismo a verdade não prescreve!

Em Abril deste ano, a Assembleia Nacional (do MPLA) agendou um debate sobre o papel da comunicação social e a consolidação do Estado Democrático de Direito. Embora não seja possível consolidar o que não existe, não custa imaginar que existe e, a partir dessa miragem, debater.

O debate foi proposto pela UNITA durante a conferência de líderes parlamentares, tendo o presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, concordado com a discussão do tema, mas – há sempre um “mas” na abertura do MPLA – apelou para que fosse feita numa perspectiva pedagógica e num âmbito mais abrangente. Ou seja, devemos discutir tudo na certeza de que, no fim, só um partido decide.

Para Virgílio de Fontes Pereira, o debate deveria visar, também, o apelo à prestação do serviço público, em nome da construção e do aprofundamento dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

“Entendemos que não é um problema que nos cria grande incitação para não discutirmos. Estamos num momento em que todos os debates que visam consolidar o nosso processo democrático são bem-vindos e, por isso, demos a nossa anuência”, disse Virgílio de Fontes Pereira.

Para o deputado, de acordo com o Jornal de Angola (JA), a visão de cada partido político sobre o tema deve contribuir para que a comunicação social seja propulsora do reforço do Estado Democrático de Direito: “Estaremos sempre abertos a isso, porque entendemos que os princípios da lisura, objectividade, de formar e informar com verdade, sendo sujeitos de violações sistemáticas ou ambulatórias, são transversais a todos os órgãos de comunicação social”.

Para Virgílio de Fontes Pereira, não se pode dizer que só os órgãos de comunicação social públicos – e não os privados – não sejam rigorosos nalgumas matérias em relação à objectividade. É claro que o MPLA, em benefício próprio, vai continuar a confundir informação com Jornalismo, apesar de serem coisas diferentes, às vezes até antagónicas. O MPLA não quer perceber que mostrar a sumptuosidade da elite angolana é informação, mas que Jornalismo é mostrar o Povo a procurar comida nos caixotes do lixo.

“É só nós ouvirmos órgãos de comunicação social que estão associados a partidos para compreendermos o modo como a informação fica inclinada relativamente àquilo que é o processo democrático do debate sobre os factos que devem ser tratados a nível da comunicação social”, salientou o líder parlamentar do MPLA, certamente estribado nos exemplos do JA, das múltiplas TPA e da RNA.

Virgílio de Fontes Pereira espera que o debate seja feito com responsabilidade, voltado para a verdade e, sobretudo, para a reunião de ideias que possam habilitar os órgãos de comunicação social públicos e privados para o percurso em sede do reforço do Estado Democrático de Direito.

“Fazermos um debate sem esta matriz, provavelmente vamos atiçar mais as nossas desavenças e, num momento pré-eleitoral, se quisermos levar a sério esse desiderato de debatermos a comunicação social, temos de fazê-lo com objectividade, patriotismo e com toda a responsabilidade”, defendeu.

Na óptica do presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka, a construção de um Estado verdadeiramente Democrático de Direito exige dos actores principiais, em particular da comunicação social, seja pública ou privada, uma postura que construa para o alcance deste desiderato.

“O passado deixou lições duras, foi de divisões e ódio”, lembrou o deputado, para quem é preciso passar para uma nova fase, a da consolidação da democracia, particularmente a promoção da unidade na diversidade.

Chiyaka sublinhou que, “apesar das convicções políticas serem diferentes, a pátria que servimos é a mesma e queremos alcançar o desenvolvimento económico e social de uma forma sustentável”.

A UNITA, adiantou, pretendia que o debate fosse numa perspectiva pedagógica: “Sobre aquilo que é o desempenho da comunicação social, os angolanos sabem, não nos compete a nós, enquanto deputados, avaliar o desempenho da comunicação social”.

Rabo escondido com gato de fora

Não tenhamos medo das palavras e das verdades. Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, é o que o MPLA pretende para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único) é do então secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke.

Convenhamos, desde logo, que a falhada existência de um ministério da Comunicação Social foi reveladora da enormíssima distância a que estamos das democracias e dos Estados de Direito. De quanto longe estamos do Jornalismo e do quanto perto permanecemos da propaganda, se bem que esta também tenha evoluído.

O Governo e o MPLA, o MPLA e o Governo querem formatar o que a comunicação social diz. Esse era e continua a ser o diapasão do MPLA. Mesmo maquilhado, o MPLA não consegue separar o Jornalismo do comércio jornalístico.

Quem são os assalariados do MPLA, no Parlamento ou na ERCA, ou o próprio Titular do Poder Executivo, para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou, com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?

Esta peregrina ideia do MPLA foi categoricamente manifestada no dia 27 de Fevereiro, na cidade do Huambo, na abertura do seminário dirigido aos jornalistas das províncias do Huambo, Bié, Benguela, Cuanza Sul e Cuando Cubango.

Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke informou que o então Ministério da Comunicação Social iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estivessem aptos para corresponder às expectativas do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo/MPLA, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Celso Malavoloneke lembrou – e muito bem (as palavras voam mas os escritos são eternos) – que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretários de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.

Aos servidores públicos, segundo Celso Malavoleneke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicação Social, estabelecendo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola.

Alguns leitores perguntaram-nos por que razão o Folha 8 (como outros) não é convidado para eventos levados a cabo por quem manda no país há… 46 anos, ainda por cima sendo eles pagos com o dinheiro de todos nós. Não somos convidados porque os donos da verdade oficial entendem que não somos “patriotas”, não aceitam a nossa tese de que se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil, e de que se sabe o que se passa e se cala é um criminoso.

Folha 8 com Lusa

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