A Unitel admite que a decisão de processar Isabel dos Santos na justiça britânica para recuperar uma alegada dívida foi discutida e aprovada pela Administração, mas negou (como se alguém acreditasse nisso), em documentos apresentados em tribunal, que tenha sido por ordem do Governo angolano que, há 45 anos, é do MPLA.
Numa réplica aos advogados de Isabel dos Santos apresentada no Tribunal Comercial de Londres, a Unitel reconhece que o processo judicial no Reino Unido contra a Unitel International Holdings (UIH), detida pela Isabel dos Santos, para recuperar uma dívida de mais de 350 milhões de euros, bem como um pedido de arresto em Portugal dos activos da empresária angolana na ZOPT e NOS, “foram discutidos e aprovados pela Comissão de Coordenação do Conselho de Administração da Unitel”.
Porém, perante a sugestão de que a maioria dos membros do Conselho de Administração foi escolhida (eufemismo para dizer imposta) pelas autoridades do MPLA/Governo, a Unitel lembrou que os dois administradores nomeados pela PT Ventures, Miguel Geraldes e Luiz Rosa, foram designados antes da venda da PT Ventures à petrolífera estatal (do MPLA) angolana Sonangol.
“De qualquer forma, é irrelevante que a maioria dos membros do Conselho de Administração tenham sido nomeados por entidades pertencentes ao Estado angolano”, continua, no documento datado de 5 de Fevereiro, enfatizando que “os administradores são obrigados a agir no interesse da Unitel”. Recorde-se que, como todos sabem mas muito poucos afirmam, o MPLA é Angola e Angola é do MPLA.
O processo, em curso no Tribunal Comercial de Londres, que faz pate do Tribunal Superior [High Court], tem avançado com a apresentação dos argumentos escritos das duas partes, mas não tem ainda audiências agendadas nem data para o início do julgamento.
Em causa está uma dívida de mais de 362 milhões de euros, acrescidos de juros de mora, que a Unitel reclama à UIH pelo empréstimo de fundos que financiaram a compra de acções nas operadoras de telecomunicações portuguesas Zon e ZOPT, a aquisição da T+ Telecomunicações em Cabo Verde e o investimento na Unitel em São Tomé e Príncipe.
Na sua resposta à queixa inicial da Unitel, iniciada em Outubro passado, Isabel dos Santos alegou estar a ser alvo de uma campanha pelo Presidente angolano, João Lourenço, “por questões políticas”, e que os procedimentos judiciais de arresto dos bens em Angola não foram justos nem transparentes. Goste-se ou não, a cada dia que passa aumentam as certezas de que, depois de se tornar dono da cozinha, João Lourenço cuspiu nos pratos onde durante décadas se lambuzou a comer lagosta enquanto, ali ao lado, o Povo aprendia a viver sem… comer.
Segundo os advogados de Isabel dos Santos, “o Procurador-Geral angolano actua sob a orientação do Presidente da República, sem quaisquer outros mecanismos de responsabilização ou transparência”, e repete a acusação de que a Procuradoria usou documentos falsos para fundamentar a ordem de arresto apresentada no Tribunal Provincial de Luanda, em 2019.
“Esta campanha é puramente uma questão de perseguição política para desviar a atenção dos próprios problemas políticos internos de Lourenço, que incluem numerosas alegações de corrupção em torno dos seus próprios associados”, afirmam, na réplica apresentada em Dezembro.
A Sonangol, que já tinha 25% das acções da Unitel, comprou a PT Ventures, detentora de outros 25%, à brasileira Oi em Janeiro de 2020, passando a ser accionista maioritária, enquanto o restante capital ficou dividido de forma igual pela Vidatel, de Isabel dos Santos, e pela Geni, do general Leopoldino “Dino” Fragoso do Nascimento.
Em Dezembro passado, o Tribunal Supremo das Ilhas Virgens Britânicas decidiu colocar a Vidatel sob administração judicial na sequência de uma sentença do Tribunal de Recurso de Paris a favor da PT Ventures, que reclamava uma indemnização de cerca de 280 milhões de euros.
Segundo a Procuradoria-Geral de Angola, correm contra Isabel dos Santos vários processos de natureza cível e criminal, em que o Estado reivindica valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros).
Recorde-se que João Lourenço reconhece que viu roubar, que ajudou a roubar, que beneficiou do roubo mas esclarece que não é… ladrão.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação revelou, no ano passado, mais de 715 mil ficheiros, denominados “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros que terão permitido a Isabel dos Santos e ao marido, Sindika Dokolo, que entretanto morreu, retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.
Relembre-se que o general João Lourenço assume o papel do MPLA na luta contra a corrupção, apesar de este ser o partido que está à frente dos destinos de Angola desde 1975 e de muitos dos seus anteriores dirigentes serem agora alvo das investigações para o seu suposto combate. Só escapam os que, entretanto, deixaram de ter coluna vertebral, testículos, e cérebro, tornando-se em autómatos ao serviço do novo representante de Deus em Angola.
“O mérito do MPLA consiste no facto de, enquanto partido governante, ter orientado o Executivo a encetar esta cruzada de luta contra a corrupção, mesmo sabendo do presumível envolvimento de militantes e dirigentes seus nos mais diferentes escalões da hierarquia partidária”, admite o general João Lourenço, aplaudindo a coragem das “vozes discordantes da sociedade civil”, que condenam este problema há vários anos. Coragem que, contudo, quer agora substituída pela bajulação com direito a condecorações.
“O MPLA não tem de que de envergonhar, antes pelo contrário, com esta nossa postura de coragem e de total transparência, só temos de nos orgulhar e andar de cabeça cada vez mais levantada”, diz o general presidente do partido. Nisto tem razão. Quanto mais levantada estiver a cabeça, mais improvável é verem o que se passa no país real, nos caixotes de lixo que são o “self-service” de milhões de angolanos.
O Presidente do MPLA (e cada vez menos presidente dos angolano) promete uma “agenda política que fortaleça o patriotismo, o respeito ao primado da lei, o respeito pela diferença, que promova a tolerância política e a reconciliação nacional”, dizendo que a sua causa é a do “desenvolvimento económico e social de Angola”.
O país de todos nós, e não apenas o dos angolanos de primeira (os do MPLA), ganharia se fossem divulgadas, as muitas actas produzidas, no tempo do ex-vice presidente da Assembleia Nacional, general João Lourenço, espelhando o seu inconformismo contra a corrupção, peculato e nepotismo praticados, unicamente, por José Eduardo dos Santos favorecendo os filhos, família e excluindo camaradas do seu partido, que são miseráveis, rotos e esfarrapados, como os vinte milhões de pobres.
O problema está que nesses 38 anos, todos os “joões lourenços” do MPLA eram consciente e milionariamente surdos, cegos e mudos. Tal como acontece hoje.
Folha 8 com Lusa