De joelhos só perante Deus!

O activista político de Cabinda, André Bônzela, libertado por ordem do tribunal por excesso de prisão preventiva, disse hoje que a situação que enfrentou é recorrente e o povo “não tem direito a nada”. É verdade. Se o Povo de Angola não tem direitos (veja-se o recente massacre em Cafunfo), porque carga de chuva o de Cabinda haveria de ter?

André Bônzela, Maurício Gimi e João Mampuela, membros da organização União dos Cabindenses para a Independência (UCI), foram detidos entre os dias 28 e 30 de Junho de 2020, acusados dos crimes de rebelião, ultraje ao Estado e associação criminosa, tendo sido libertados, na sexta-feira, sob termo de identidade e residência, por excesso de prisão preventiva.

Em declarações à agência Lusa, André Bônzela considerou a detenção “ilegal e arbitrária”, questionando como é possível pessoas que se encontravam a andar na rua serem acusadas de rebelião. Em todos os cantos e esquinas onde o MPLA está é possível tudo. Veja-se, também, os massacres de 27 de Maio de 1977, ordenados por Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola e considerado pelo MPLA como o único herói nacional.

“A detenção foi ilegal e arbitrária, porque nos encontrávamos a caminhar na rua, íamos em direcção à paragem para pegar o táxi e daí formos surpreendidos por um jipe de vidros fumados, onde se encontravam pessoas vestidas à paisana, com óculos escuros, pistolas, sem qualquer distintivo que pudesse identificar que eram homens da autoridade”, explicou.

Segundo André Bônzela, os activistas acharam que se tratava de uma tentativa de rapto, mas a confusão gerada causou engarrafamento e as pessoas aperceberam-se da situação.

“Deu-nos a entender que eles queriam raptar o Maurício Gimbi, mas como estávamos juntos eu não aceitei que fosse sozinho. Acabaram por levar os dois para o SIC [Serviço de Investigação Criminal]”, contou.

“No SIC, fomos ouvidos e dirigidos para a cadeia civil, onde”, salientou o activista, “ainda houve muitas tentativas” de os levarem para parte incerta.

“No nosso terceiro dia, recordo-me, estivemos um dia sem ver os nossos familiares, diziam que esses presos não se encontravam no estabelecimento. Houve muitas denúncias nas redes sociais e nos órgãos de comunicação e isso é que nos veio salvar naquela noite”, frisou.

André Bônzela reiterou que os activistas não aceitam os crimes de que são acusados. Durante os sete meses na cadeia, o activista frisou que não havia quaisquer condições e que foram maltratados.

“Sem notificarem os advogados, ninguém, fomos surpreendidos para ir ao tribunal para sermos ouvidos. Aí entenderam restituir-nos à liberdade, mas em termo de identidade e residência”, disse.

André Bônzela estava empregado, mas devido à detenção viu os seus salários cancelados, tendo acabado por perder o emprego. Hoje está sem qualquer remuneração.

Sobre a cadeia, André Bônzela referiu que havia superlotação, numa cela de quatro camas havia até 15 indivíduos, os corredores não tinham espaço para as pessoas passarem.

“O tratamento foi cruel, não havia água para beber, só para tomar banho, era difícil. Há muitas doenças contagiosas, estamos num momento de pandemia e as autoridades não queriam saber disso, até agora o que existe lá é desumano”, salientou.

A pronúncia descreve que no dia 28 de Junho Maurício Gime e André Bônzela foram encontrados a colar panfletos A4, com os dizeres: “Abaixa as Armas, Abaixa a Guerra em Cabinda, Cabinda não é Angola, Queremos Diálogo, Viva Liberdade, Viva o Povo de Cabinda”.

André Bônzela rejeitou a acusação, aceitando que os panfletos são de autoria da organização, mas não foram colados por eles.

Questionado para que serviam os panfletos, o activista disse que “eram somente para avisar as entidades angolanas que baixassem as armas”.

“Porque o que é o Estado democrático de direito? O povo devia ter o direito à opinião, de expressão e muito mais. Ao contrário, não nos permitem nada, nada mesmo, nas nossas casas somos vigiados constantemente, já não podemos falar, não podemos fazer nada, é uma autêntica ditadura o que acontece em Cabinda”, lamentou.

“Cabinda é um território com recursos e [há um] desemprego elevado. Os povos, donos da província, não temos nenhum direito, as condições sociais não existem, não há escolas, hospitais”, criticou.

A UCI foi criada em 2018 e conta com mais de 5.000 membros, disse André Bônzela, frisando que é uma organização de carácter filantrópico, pacífica, que luta pelo direito de autodeterminação e independência de Cabinda.

Maurício Gimbi é o líder da UCI, sendo vice-presidente André Bônzela, enquanto João Mampuela é o director do gabinete do presidente.

Arão Tempo, advogado dos activistas, disse que vai aguardar pelo julgamento para levantar inconstitucionalidade ou recorrer ao Tribunal Constitucional para arguir inconstitucionalidade.

No que a Cabinda respeita, Portugal não se lembra dos compromissos que assinou ontem e, por isso, muito menos se recordará dos assinados há mais de 100 anos. E, tanto quanto parece, mesmo os assinados ontem já estarão hoje fora de validade.

Portugal não só violou o Tratado de Simulambuco de 1 de Fevereiro 1885 como, pelos Acordos de Alvor, ultrajou o povo de Cabinda, sendo por isso responsável, pelo menos moral (se é que isso tem algum significado), por tudo quanto se passa no território, seu protectorado, ocupado por Angola.

Quando Portugal diz que Angola vai de Cabinda ao Cunene está, desde logo, a dar cobertura e a ser conivente, como acontece com a China em relação ao Tibete, com as violações que o regime angolano leva a efeito contra um povo que apenas quer ter o direito de escolher o seu futuro.

Não seria mau que Portugal olhasse para Espanha e Angola para Marrocos. Ou seja, para a questão do Sahara Ocidental.

Recorde-se que o governo espanhol, na altura liderado por José Luís Zapatero, mostrou – ao contrário de Portugal – coragem política não só ao reconhecer o direito do povo saharaui à autodeterminação como ao levar a questão às Nações Unidas.

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana e similares elefantes brancos) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por o MPLA o censurar nos seus órgão de propaganda que ele deixa de existir.

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

Por alguma razão, em 1975, o Governo de Lisboa reconheceu o MPLA como legítimo e único governo/dono/proprietário de Angola, embora tenha assinado acordos com a FNLA e a UNITA. O resultado ficou à vista nos milhares e milhares de mortos da guerra civil.

Cabinda (se é que os governantes portugueses, sejam eles quais forem, sabem alguma coisa sobre o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma dimensão jurídica de enorme complexidade”.

Segundo os governos portugueses, no actual contexto geopolítico, Cabinda é Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma diferente. Ou seja, a coerência é feita – à boa maneira portuguesa – ao sabor do acaso, dos interesses unilaterais.

Folha 8 com Lusa

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