A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda e por enquanto) permite, acusou hoje o MPLA, no poder há quase 46 anos e que reconhece que aceitou a democracia porque esta “lhe foi imposta”, de “subverter a lei visando perpetuar-se no poder”, reiterando a legalidade da eleição do seu líder, Adalberto da Costa Júnior. Recorde-se que no MPLA não há eleições para escolher o seu líder.
“O Secretariado Executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA acompanha com bastante atenção e preocupação os últimos desenvolvimentos da vida política em Angola, caracterizada por práticas lesivas ao Estado Democrático e de Direito e à boa convivência, onde o partido no poder usa todos os recursos e Instituições do Estado para subverter a lei visando perpetuar-se no poder”, lê-se num comunicado enviado aos jornalistas.
No comunicado, a UNITA dá conta de “práticas que incluem a violação de direitos dos cidadãos e dos partidos, bem como a utilização abusiva dos órgãos estatais de comunicação social, demonstram a sua congénita impreparação para uma disputa política leal, pois só assim se justificam os seus actos e pronunciamentos à moda dos regimes totalitários”.
Para o principal partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, “os sinais desta convicção acontecem todos os dias tal como atesta a Declaração de Voto do recém-demissionário Venerando Juiz Presidente do Tribunal Constitucional, para quem a postura do Regime em controlar o sistema judicial, representa um `suicídio do Estado Democrático e de Direito`”.
A UNITA defende que “é impossível a existência de um Estado Democrático e de Direito sem um poder judiciário autónomo e independente capaz de assegurar a observância do sistema jurídico, sobretudo das normas consagradas na Constituição da República, tal como defende na sua declaração de voto vencido o Juiz em causa” e considera que “a recente e superficial revisão constitucional e os acórdãos que inviabilizaram novos partidos políticos, vêm confirmar este retrocesso do Estado Democrático e de Direito, por vontade e capricho do partido governante”.
Reconheça-se, contudo, algumas imprecisões da UNITA. Quem dá ordens superiores ao poder judiciário (como todos os outros) não é o Presidente da República, João Lourenço, nem o Titular do Poder Executivo, João Lourenço. Quem o faz é Presidente do MPLA, João Lourenço.
O Tribunal Constitucional (TC) recebeu em Maio uma impugnação, de um alegado grupo de membros da UNITA, que contesta a actual liderança, aponta supostas irregularidades registadas no congresso, nomeadamente que Adalberto da Costa Júnior teria concorrido à liderança sem renunciar à nacionalidade portuguesa. O Ministério Público deu entrada, no início de Agosto, junto do TC com uma impugnação do congresso que elegeu o actual líder.
Para esbater a polémica sobre a nacionalidade do seu líder, o secretariado executivo do comité permanente da comissão política da UNITA reagiu, logo em Maio, dizendo que que Adalberto da Costa Júnior “renunciou e perdeu a nacionalidade portuguesa adquirida” como aferem os “processos examinados” pelo Tribunal Constitucional angolano.
Hoje, a UNITA criticou novamente a “insistente e vil campanha” contra o presidente, Adalberto da Costa Júnior, e garantiu que não há qualquer ilegalidade na sua eleição como presidente do partido.
“A eleição do Engenheiro Adalberto da Costa Júnior para o cargo de Presidente do Partido obedeceu à Constituição, à Lei dos Partidos Políticos, aos Estatutos da UNITA e aos regulamentos do seu XIII Congresso Ordinário”, dizem, lembrando que “o documento de renúncia da nacionalidade adquirida do Eng. Adalberto da Costa Júnior é datado de 11 de Outubro de 2019 e o apuramento de candidaturas teve lugar no dia 21 de Outubro de 2019, ou seja aquando do apuramento das candidaturas, Adalberto da Costa Júnior era detentor de uma só nacionalidade”, a angolana.
Como sempre, MPLA atira a pedra e esconde a “pata”
Nesta altura em que a popularidade do MPLA cai a pique, o Presidente do MPLA, na sua qualidade de Presidente da República, deu instruções “confidenciais” para que Celestino Paulo Benguela fosse o Procurador da República que vai “provar” junto do Tribunal Constitucional que Adalberto da Costa Júnior (AJC) não pode ser Presidente da UNITA porque, como se sabe, ele nasceu não recusou a cidadania Alemanha, é branco, os pais são austríacos e foram auxiliares de Hitler. E, é claro, com estas origens, não pode ser considerado angolano. Aliás, o MPLA equaciona até a possibilidade de provar que, tal como Jonas Savimbi, AJC nem sequer pode ser considerado… humano.
O MPLA, partido no poder apenas desde 1975, advertiu (entenda-se “ameaçou”) no passado dia 30 de Julho os seus “adversários” (que na intimidade das suas orgias canibalescas, como aprenderam com Agostinho Neto, significa “inimigos e terroristas”) que o poder “não se conquista com inverdades e manchando o nome do país além-fronteiras” (fronteiras de Cabinda? De Cafunfo? Dos massacres de 27 de Maio de 1977?), exortando-os à “responsabilidade, respeito e patriotismo” no exercício da liberdade de expressão.
Não fosse uma verdadeira declaração de guerra, até poderia ser uma candidatura à já exaustiva enciclopédia do nosso anedotário nacional. “Não precisamos de optar por inverdades eivadas de falácias e auto-vitimização, proferindo afirmações que demonstram ignorância e desrespeito pelas instituições”, afirmou a vice-presidente do MPLA, Luísa Damião, na província do Cunene, quando reproduziu as ordens superiores.
Para a líder partidária dos “camaradas”, num “claro desespero ou ânsia desmedida” pelo poder, “certos adversários esquecem-se que este deve ser legitimado por vontade soberana do povo”. É ocaso do MPLA. Naquilo a que chama de eleições, até foi, é e quer continuar a ser, legitimado pelos votos dos angolanos que já morreram, bem como pelos “eleitores desconhecidos” que fazem com que em muitas mesas de voto aparecem mais boletins do que eleitores inscritos.
“Não é com inverdades que se conquista o poder e, muito menos, manchando o país além-fronteiras. O povo angolano está atento, acompanha e aplaude as reformas políticas, económicas e sociais lideradas pelo camarada presidente João Lourenço e saberá fazer a sua escolha”, disse Luísa Damião, coerente com os seus discursos anteriores, apenas substituindo o nome de José Eduardo dos Santos.
Luísa Damião falava na abertura do encontro interprovincial dos secretários executivos dos organismos intermédios do MPLA no Sul, que decorreu na província do Cunene, sul de Angola, afectada pela seca que, como se sabe, é um problema originado pelos adversários, nomeadamente por Adalberto da Costa Júnior, que teimam em não respeitar o patriotismo e a macular o nome do reino além fronteiras.
Segundo a vice-presidente do partido no poder em Angola, no actual contexto de pandemia, dentro e fora do país, são raros os exemplos de economias que alcançaram marcos satisfatórios em termos de crescimento. “E, não ter em conta este facto é sinónimo de ignorância pura dos mais elementares princípios de mercado”, referiu Luísa Damião, mostrando que sabe muito bem a macro diferença entre seis e meia dúzia… desde que primeiro se descalce para contar com a ajuda dos dedos dos pés.
O presidente da UNITA tinha dado na altura uma entrevista à televisão portuguesa RTP (a mesma na qual João Lourenço afirmou que em Angola não havia fome) em que teceu “críticas ao Governo angolano e deplorou a condição social das famílias angolanas”. E, é claro, isso é – sobretudo porque é verdade – um crime de lesa Pátria, de lesa Estado, de lesa Reino. E, é claro, os prevaricadores sujeitam-se a chocar com alguma bala perdida. A isso acresce que, citando o seu único herói nacional (Agostinho Neto), o MPLA não está disposto a perder tempo com julgamentos.
Na sua intervenção, Luísa Damião considerou que a democratização da sociedade angolana “tem passado, nos últimos tempos, pela ampliação do espaço de intervenção, expressão e manifestação de opiniões”.
“Sendo inegável que é hoje um dos principais ganhos, reconhecidos reiteradas vezes por organismos internacionais, contudo, a ampliação das liberdades implica maior responsabilidade e responsabilização”, defendeu. Certo, se for de uma regra de sentido único. O MPLA, e bem, exige que a liberdade dos outros termine onde começa a sua. No entanto, não aceita que a sua termine onde começa a dos outros.
Este vértice, realçou, “é, por conveniência, ignorado em profunda manipulação da opinião pública nacional e internacional”. Luísa Damião sabe do que fala.
O MPLA, assegurou, “vai continuar a primar pelo diálogo franco e aberto e a consolidar os ganhos da democracia. Enquanto os nossos adversários estão apenas focados no alcance do poder a qualquer preço, nós devemos fazer bem o nosso trabalho (…)”, notou.
Assim, relembre-se o diálogo do MPLA com os angolanos para iniciar a guerra civil; o diálogo com as muitas dezenas de milhar de angolanos que fuzilou no 27 de Maio de 1977; o diálogo com Cassule e Kamulingue; o diálogo que levou ao fuzilamento do miúdo Rufino António e o jovem adulto Ganga; o diálogo com zungueiras….
Folha 8 com Lusa