Parem de confundir produtores de informação com Jornalistas

Associações angolanas de jornalistas consideraram hoje que a classe (não afecta à máquina de propaganda do regime do MPLA) está numa situação de “quase mendicidade”, apontando a “falta de união e de solidariedade entre os profissionais, baixos salários e a má gestão dos órgãos” como as principais barreiras.

A “preocupante” condição socioeconómica dos jornalistas angolanos foi abordada, em Luanda, durante uma mesa redonda sobre a “Situação Socioeconómica dos Jornalistas Angolanos”.

Sara Fialho, jornalista, lamentou no encontro a “falta de solidariedade entre os profissionais”, apontando esta como uma das situações que concorre para a “quase indigência em que se encontram muitos jornalistas” em Angola.

Para a também presidente da Cooperativa dos Jornalistas Angolanos (CJA), apesar de os profissionais manifestarem disposição em estarem filiados nas associações socioprofissionais, “não gostam de pagar quotas”.

“É preciso que nós jornalistas tenhamos consciência de que se nós não fizermos nada por nós, ninguém fará, e vamos ficar a vida inteira a reclamar, a exigir protecção e apoio e daí não vamos sair”, exortou Sara Fialho.

“E há quem faça o caminho subterrâneo para se dar bem, venda a alma, mas temos que ser nós a lutar de forma organizada e unida”, acrescentou.

A actual situação socioprofissional dos jornalistas angolanos foi também deplorada pela presidente do Fórum de Mulheres Jornalistas para a Igualdade de Género (FMJIG), admitindo a existência de uma “cobardia” no seio dos profissionais.

“Nós somos os últimos da cadeia alimentar, somos cobardes, somos preguiçosos, somos frustrados, porque nós é que não nos valorizamos. Porque não pararmos só um dia? O país existe porque nós existimos”, afirmou Josefa Lamberga.

Segundo a presidente do FMJIG, os jornalistas angolanos necessitam de “estar unidos, falar a mesma linguagem” para fazer valer o poder que têm: “Se não acreditarmos que a nossa saída está no cooperativismo ou em lutar por nós mesmos não vai dar nada”.

Já o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), Teixeira Cândido, considerou que o fenómeno de “entrada sem critérios” de pessoas nos meios de comunicação social, “sobretudo públicos, veio desvalorizar a profissão”.

“Há um outro fenómeno de má gestão das empresas públicas, todos os administradores entram lá e saem de Lexus e continua o processo de entrada de pessoas sem critérios e com salários até superiores aos dos jornalistas”, afirmou.

O sindicalista deu conta que as empresas públicas de comunicação social, particularmente a Televisão Pública de Angola (TPA) e a Rádio Nacional de Angola (RNA) continuam a desrespeitar pontos dos cadernos reivindicativos sobre a entrada de pessoal.

“Porque dentro dos cadernos reivindicativos que apresentamos à TPA e à RNA, já lá constavam que o critério de ingresso nas empresas devesse ser o concurso público e não estão a respeitar isso”, frisou.

Os conselhos de administração desses órgãos, prosseguiu, “continuam a admitir pessoas e a atribuir salários superiores e há inclusive pessoas que mesmo nos ministérios continuam na folha de salários”.

“É isso que eu qualifico de má gestão, aliás não há gestão nas empresas de comunicação social públicas, salvo raríssimas excepções, porque quando você não tem carreiras como é que você estimula, promove ou retém profissionais? Não há qualificador ocupacional”, apontou.

Para o líder sindical, a ausência de carreiras nas empresas de comunicação, públicas ou privadas, concorre para a “actual mendicidade” dos profissionais.

Teixeira Cândido lamentou igualmente as condições laborais e salariais dos órgãos privados de informação em Angola, sobretudo rádios, apontando a união e o cooperativismo como saídas para a actual situação.

“Temos de nos mobilizar para dizer que ou nos pagam à dimensão dos riscos da nossa actividade, ou seja, estamos a correr riscos absolutamente desnecessários, porque consentimos fazer um jornalismo que não nos dignifica nem profissionalmente e nem socialmente”, atirou o secretário-geral do SJA.

A mesa redonda, que decorreu na capital angolana, foi promovida pelo Instituto para a Comunicação Social da África Austral (Misa, na sigla em inglês) Angola em parceria com o Projecto Debate na Comunidade.

Fazedores de informação / Jornalistas

No passadodia22 de Abril, deputados angolanos convergiram sobre a importância da comunicação social na consolidação do processo democrático do país, reconhecendo as dificuldades para o exercício da sua actividade, nomeadamente casos de censura. Embora, na sua grande maioria, não saibam a diferença entre informação e jornalismo, lá vão divagando entre a casa do fundo e o fundo da casa. Não admira que não saibam. Se nem mesmo muitos dos ditos jornalistas sabem a diferença…

O presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, considerou a discussão sobre “O Papel da Comunicação Social na Construção do Estado de Direito Democrático”, solicitada pelo grupo parlamentar da UNITA, no período antes da ordem do dia, “um exercício sensível”, que deve ser feito “com espírito aberto”.

Segundo Fernando da Piedade Dias dos Santos, foram registadas posições coincidentes e discordantes, e apesar dos momentos em que se elevou o tom, contudo, foi sempre mantida “a disciplina e urbanidade”.

“Podemos considerar que foi um debate positivo e construtivo”, disse o presidente da Assembleia Nacional, frisando que a comunicação social “desempenha um grande papel na consolidação e fortalecimento do Estado democrático e de direito”, mas é preciso que trabalhem de acordo com a lei e com os regulamentos vigentes.

Logo aqui se vê que para os deputados (nomeadamente do MPLA) é difícil distinguir o corredor de fundo do fundo do corredor. Como é possível dizer que a comunicação social “desempenha um grande papel na consolidação e fortalecimento” de algo que (ainda) não existe (o Estado de Direito Democrático)?

“Sempre que surgirem situações de desrespeito aos direitos de cidadãos e instituições devemos fazer recurso aos instrumentos que a lei nos pôs à disposição para dirimir as diferenças. Não devemos tomar posições pré-concebidas nem extremas”, afirmou Fernando da Piedade Dias dos Santos.

O líder da bancada parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, defendeu, na sua intervenção, que o debate pretendia contribuir para a consolidação do Estado de Direito democrático, promover o cumprimento das obrigações constitucionais pelos órgãos de comunicação social e pelos jornalistas, assegurar a existência de um serviço de comunicação social promotor da unidade na diversidade e garante dos princípios e valores da liberdade, igualdade de tratamento, informação plural, dignidade da pessoa humana e respeito pelas diferenças, tolerância, decência e observância do princípio do contraditório.

Liberty Chiaka salientou que o objectivo é que a comunicação social contribua para um ambiente democrático, de liberdade e de competição política leal e de respeito pelas diferenças de adversários políticos.

Na sua intervenção, a deputada do MPLA (no Poder vai para 46 anos) Luísa Damião, saudou a iniciativa do debate que, para o partido do qual é vice-presidente, inscreve-se na visão e compromisso de continuarem a aprofundar o diálogo plural de forma construtiva e responsável, a pensar para além dos egos e interesses dos partidos políticos no cidadão e no reforço do Estado de Direito democrático, na plena cidadania e com foco na livre manifestação de pensamento.

Luísa Damião frisou a necessidade de os meios de comunicação social servirem também de meio de educação, criticando um trabalho em que se “promova a mentira, o insulto gratuito e se manipulem as informações”, comportamentos que não promovem a reconciliação nacional e a construção do Estado democrático e de Direito.

Por sua vez, o deputado Lucas Ngonda, da FNLA lamentou que a discussão tivesse decorrido antes da ordem do dia, defendendo que “devia ser um debate mesmo, porque trata-se de uma questão muito importante”.

Lucas Ngonda lembrou que na história recente de Angola que a comunicação social angolana produziu resultados que levaram a uma longa guerra civil.

“Devemos pensar nisso, a guerra civil angolana começou com a comunicação social, com programas que não quero citar nomes, porque não é o momento de desenterrarmos estas coisas, é daí que começou tudo”, disse.

Já a deputada da UNITA Miraldina Jamba, considerou que a liberdade de imprensa está intimamente ligada à liberdade de expressão, “pois é através desse direito que várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e discutidas para a formação do pensamento”.

“Em Angola, os órgãos da comunicação social têm enfrentado imensas dificuldades no desempenho das suas funções. Numa auscultação realizada junto do Sindicato dos Jornalistas obtivemos as seguintes preocupações: a questão da liberdade editorial dos órgãos públicos. Não existe liberdade, na medida que é o Presidente da República que nomeia os gestores dos órgãos públicos (…), em face disso não é expectável que os órgãos respeitem o estabelecido na Constituição da República de Angola”, salientou.

Por sua vez, o deputado Benedito Daniel, do Partido de Renovação Social (PRS), realçou o papel educativo da comunicação social, principalmente no que diz respeito ao fortalecimento da democracia e na construção de uma sociedade livre.

Benedito Daniel lamentou que em Angola “criou-se uma mentalidade de medo”, com a censura dos trabalhos dos jornalistas ou a criação de condições de autocensura.

Alexandre Sebastião, da CASA-CE, considerou que a comunicação social angolana “está muito aquém da isenção que se requer e refém de certa vontade partidária”.

“Produzir informação não é fazer jornalismo”

“A liberdade de expressão exige um nível de responsabilidade acrescido e uma maior literacia mediática, que possibilite a cada cidadão distinguir o tipo de informação que consome. Produzir informação não é fazer jornalismo e, por si só, não faz do produtor de informação um jornalista”, afirma o Sindicato dos Jornalistas (SJ) de Portugal.

Segundo o SJ, “neste contexto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas alertam para a proliferação de meios e formas de comunicação no meio digital que se apresentam como sendo órgãos jornalísticos não o sendo e que transmitem informação não verificada, sem fundamento científico e/ou sem qualquer independência face a interesses nunca revelados, porque nada os obriga a isso”.

“O jornalismo é uma actividade sujeita a escrutínio público e legal, que começa na formação do profissional e se desenvolve, na tarimba, diariamente, com alto grau de exigência técnica e ética, devendo o jornalista profissional cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas e agir dentro do quadro ético-legal previsto no Estatuto do Jornalista, consolidado na Lei 1/99, de 13 de Janeiro. O desrespeito pelas normas que regem a actividade está sujeito a um quadro sancionatório regulado na lei, além da responsabilização ética, hierárquica e até judicial (em alguns casos)”, prossegue o SJ.

Assim, “dentro do cumprimento do quadro ético-deontológico, o jornalismo é a marca de água que distingue informação de desinformação, o contraste que autentica os factos face às falsificações que o contexto das redes sociais promove, não obstante o esforço de algumas em conter a pandemia da desinformação”.

“O jornalismo tem um papel fundamental no Estado de Direito e o seu compromisso é com a (busca da) verdade. Por isso a Constituição assegura o direito dos jornalistas às fontes de informação e à protecção da sua independência. A independência é um valor fundamental do jornalista e primeiro garante da veracidade da informação que produz”, diz o Sindicato dos Jornalistas portugueses.

Conclui o SJ que, “posto isto, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o Sindicato dos Jornalistas condenam a usurpação do bom nome colectivo dos Jornalistas e apelam às autoridades competentes, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República e à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que investiguem e fiscalizem as condutas e os grupos que promovam a desinformação”.

Este texto, recentemente divulgado pelo SJ de Portugal, deve merecer a atenção do Sindicato dos Jornalistas de Angola, bem como de todas as entidades ligadas ao sector, começando pelo Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, já que por cá é comum as organizações oficiais confundirem a obra-prima do Mestre com a prima do mestre-de-obras.

De facto, tal como em Portugal, em Angola (ou a partir de Angola, ou tendo como fulcro Angola) existe uma enxurrada de meios que se auto-intitulam de comunicação social e que mais não são do que bordéis onde o dinheiro compra tudo. Não é, aliás, difícil ver que são antros putrefactos de negócios que nada têm a ver com Jornalismo.

Basta ver, se alguém estiver preocupado com isso (no caso angolano o Sindicato dos Jornalistas, a ERCA – Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana e a CCE – Comissão de Carteira e Ética) que esses meios não têm – por exemplo – Ficha Técnica, nem Estatuto Editorial nem Código de Ética e Deontologia específico.

Pois é. Para o bem e para o mal (muito mais para o mal, reconhecemos) quem quiser saber o que é o Folha 8, onde está, o que faz, quem faz, como faz, basta consultar – por exemplo – a nossa edição digital diária. Nela, desde sempre, encontrará a Ficha Técnica, o Estatuto Editoria e, o Código Ético e Deontológico dos Jornalistas do Folha 8,

Folha 8 com Lusa

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