Preferencialmente quando o rei quiser

De acordo com a remendada Constituição, as eleições gerais em Angola realizam-se, “preferencialmente, durante a segunda quinzena do mês de Agosto” do ano em que terminam os mandatos do Presidente da República e dos deputados, cabendo ao Presidente da República definir a data.

Por Orlando Castro

Como preferencialmente não significa imperativo, em Angola haverá eleições (autárquicas e outras) apenas quando o MPLA quiser, mesmo que o país pense de outra forma. A cada dia que passa, João Lourenço e a sua máquina de guerra (o MPLA) mostram que, tal como no tempo de José Eduardo dos Santos, filho de jacaré é jacaré. Ao contrário do que afirmou, o Presidente mostrou que não há jacarés vegetarianos.

Os angolanos começam a ver que o MPLA não é (nunca foi) uma solução para o problema. É, isso sim, um problema para a solução. Não admira, por isso, que João Lourenço comece a dar sinais de que não vai perder tempo com julgamentos nem com eleições cujos resultados não controle. Agostinho Neto já o fizera com total sucesso.

Dando uma no cravo e outra na ferradura, o MPLA já admite em público que, seja quando for, a vitória será sempre certa.

Com a formação de uma frente/coligação eleitoral da oposição (UNITA, PRA-JA, BD), com a qual o MPLA está a ficar farto porque ela vai mostrando que o partido de João Lourenço só consegue viver em guerra ou num sistema de único partido, o MPLA usa todos os subterfúgios possíveis para esconder a falta de vontade política do partido no poder para dar a palavra (e o direito de escolha) ao Povo.

Com efeito, o secretário para os Assuntos Eleitorais do MPLA afirmou há uns meses não haver, de momento, “condições objectivas” para levar o escrutínio avante, no meio da pandemia de Covid-19. Referia-se às autárquicas, mas a estratégia aplica-se a tudo o que o MPLA quiser.

Em declarações à Rádio Nacional, Mário Pinto de Andrade sustentou que a experiência dos países da África Austral que realizaram eleições legislativas foi “muito má”, o que exige muita cautela. De facto, é complicado. Como é que o MPLA poderá aceitar ser derrotado por um vírus que, ainda por cima, foi gerado nos históricos amigos chineses? Melhor mesmo seria fazer umas eleições em que apenas votassem os deputados do reino.

“Aliás, nós temos estado, ao nível do MPLA e dos partidos da oposição, a participar (em encontros) online de outros países aqui da África Austral que realizaram eleições legislativas, e em que as pessoas pedem-nos para termos cautela porque a experiência deles foi, de facto, muito má”, sublinhou Pinto de Andrade.

E tem razão. Como sempre o MPLA tem razão. Porque o MPLA é Angola e Angola é do MPLA, não há razões para respeitar a democracia (que, ainda por cima, como disse Eduardo dos Santos, “nos foi imposta”). Além do mais, as eleições custam muito dinheiro que, na verdade, faz falta para ajudar os dirigentes do MPLA a comprarem mais casas, empresas etc. no estrangeiro.

No dia 10 de Janeiro… de 2020, o MPLA disse que “não tinha medo” das eleições autárquicas, afirmando ser “o mais interessado”, enquanto a UNITA admitia a vontade política para as autarquias, defendendo “respeito de opiniões contrárias”.

Na verdade, hoje o MPLA tem medo. Mas não há razões para isso. Bem que o partido de João Lourenço poderia até divulgar agora os resultados das próximas eleições autárquicas e gerais…

“Nas eleições de 2017, dos 164 municípios do país o MPLA ganhou 156, isto é para ter medo? O MPLA é um partido de consenso, é uma máquina que trabalha, prepara muito bem, não tem medo”, afirmou em Janeiro de 2020 o presidente do grupo parlamentar do MPLA, Américo Cuononoca.

Ora aí está. E nos 164 municípios só não ganhou 180 porque não quis. 180 se só existiam 164? Perguntarão os nossos leitores. Pois é. Mas se o MPLA já nos habituou a ter em determinados círculos eleitorais mais votos do que eleitores inscritos, se consegue até que os mortos votem no MPLA, nada é impossível para quem é patrão, entre outros organismos, da CNE (Comissão Nacional Eleitoral).

Segundo o líder parlamentar do partido dirigido pelo “querido líder” João Lourenço, “é uma falsa expectativa” pensar-se que o seu partido tenha medo das eleições porque “quem está mais interessado para que estas eleições se realizem é o MPLA”. Mentira, é claro. Por alguma razão o MPLA tem adiado sucessivamente as eleições. Agora agarra-se com unhas e dentes à Covid-19 para engavetar a democracia, sem esquecer que a pandemia é uma boa forma de sacar dinheiro aos doadores.

“Não há outro partido mais interessado em realizar eleições autárquicas que são uma promessa eleitoral. Prometemos realizar eleições autárquicas neste mandato, de tal sorte que o MPLA ter medo? Pelo contrário”, notou.

Pois é. E promessas são coisas que não faltam ao MPLA. Já em 1975 Agostinho Neto prometeu resolver os problemas do Povo e o resultado (20 milhões de pobres, por exemplo) está à vista. Aliás, o querido presidente de Américo Cuononoca conseguiu – reconheça-se – resolver o problema dos milhares e milhares (cerca de 80 mil) de angolanos que mandou assassinar nos massacres de 27 de Maio de 1977.

Alguns analistas apontam, como alternativa a criação de um governo inclusivo. No contexto angolano essa “solução” significaria certamente todos a monte (em redor da gamela do erário público), com o partido maioritário a dar as ordens e os outros (mesmo que sejam da chamada sociedade civil) a comerem (bem) e a calar. Desde logo porque inclusivo não significa governo de coligação. Se fosse de coligação poderia ter, à partida, uma definição estratégica em áreas essenciais como, por exemplo, a economia, a saúde, o ensino, a segurança, as liberdades (de imprensa e de expressão) etc.. Não sendo assim, é como a nossa democracia actual em que acabou a era do partido único e ficou a era do único partido.

Será que se pode considerar que o actual governo angolano é inclusivo? Não. Não é. Desde sempre o governo é unipessoal, e a suposta “inclusão” mais não é do que um conjunto de pessoas em que todos opinam mas em que só um, sempre o mesmo, é que decide. É como a Justiça. Isto é, primeira é dada a sentença e depois é feito o julgamento, cabendo aos agentes judiciários encontrar enquadramento legal para justificar o veredicto. Por alguma razão todos temos a noção de que, ao contrário das mais elementares regras de qualquer Estado de Direito, até prova em contrário todos somos… culpados.

Alguns questionam se a Comissão Económica e Social, que incluiu o economista Carlos Rosado e diferentes membros da sociedade civil, é uma forma – mesmo que indirecta – de governo de inclusão.

Mas não. Não é uma forma de governação inclusiva mas, antes, uma forma de simular a inclusão nas decisões governativas de opiniões independentes e, eventualmente, contrárias. Quando os outros são chamados por nós para emitir opiniões, mas estas não são (nunca são) vinculativas, mais não estamos a fazer do que mascarar as coisas, a fingir que somos corredores de fundo quando, de facto, apenas estamos no fundo do corredor. Que adiantará ao Carlos Rosado, como a muitos outros, dizer que as couves devem ser plantadas com a raiz para baixo, receber aplausos de quem manda e, depois, ver as couves continuam a ser plantadas com a raiz para cima?

Para se ter um governo inclusivo deveriam ser chamados também para o executivo algumas pessoas da sociedade civil e de partidos na oposição?

Segundo as teses do Governo, o executivo é, sempre foi, inclusivo. Sempre teve pessoas de todos os quadrantes do… MPLA. Se, como se sabe, o “MPLA é Angola e Angola é (d)o MPLA”, todas as pessoas da sociedade civil podem participar de forma inclusiva (desde que sejam do MPLA) e todos os partidos da Oposição podem igualmente participar, basta-lhes (e não faltam exemplos) mudar de partido. O que Angola precisaria era, eventualmente, do tal Governo de Coligação em que a diversidade de ideias e a consequente autonomia vinculativa permitisse uma visão diferente, uma medicação diferente para tratar o “doente”.

Então, a existir, qual seria a importância de um governo inclusivo para o país?

Reiteramos que um governo inclusivo é algo falacioso porque, no nosso caso, o mais forte acabaria não só por impor a sua lei como mostrar a sua “antropofagia”. Os que nunca foram governo funcionariam como o mabeco que pede ajuda à hiena para derrotar o leão. O leão, depois de derrotar a hiena… come o mabeco. Melhor seria mesmo um governo de coligação. No entanto, a solução para “salvar” o país passa pela alternância de governo (se assim os eleitores quiserem e as eleições forem sérias). É que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe muito mais. E quando se junta ao poder absoluto a sua vitaliciedade… a catástrofe é total.

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