Para ganhar volta a valer tudo

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da República Democrática do Congo (RD Congo), Célestin Mbala Musense, criticou alegadas incursões da Marinha angolana em águas territoriais do país em operações contra rebeldes de Cabinda. Coisa estranha. Alguma vez o MPLA permitiria uma coisa dessas?

“Chamo a vossa atenção para o facto de o nosso serviço de informações militar relatar a incursão da marinha angolana nas águas territoriais da RD Congo ao largo do território de Moanda e no território de Tshela e Songololo”, refere Mblana Musense, numa carta dirigida ao ministro da Defesa do país.

“Os soldados das Forças Armadas Angolanas (FAA) estão a multiplicar as incursões na perseguição aos rebeldes da FLEC [Frente de Libertação do Estado de Cabinda]”, acrescentou o dirigente.

Na missiva, datada de 18 de Agosto, o general assinala que a RD Congo e Angola são membros signatários do acordo de paz da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que, proíbe a agressão por parte de um dos Estados-membros.

“Sugiro que relembre o seu homólogo angolano a regressar ao senso comum, respeitando, ao mesmo tempo, os direitos da RD Congo”, escreveu o responsável, que sugeriu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros congolês o envio de uma mensagem ao mecanismo de monitorização da SADC “para lembrar Angola de respeitar as cláusulas da comunidade”.

Ao ver de forma cada vez mais nítida o fantasma de uma possível derrota eleitoral, em 2022, tal como a Covida-19 também uma “guerrinha” fronteiriça com implicações internas, ou mesmo só interna, dava um jeitaço ao MPLA.

Os cobardes são mesmo assim

Em tempos a UNITA “repudiou e deplorou veementemente” as declarações do Ministro do Interior e do 1º Secretário Provincial de Luanda do MPLA, Bento Bento, segundo as quais, “a UNITA estava a mobilizar elementos afectos ao Movimento Revolucionário para efectuar manifestações violentas nas ruas de Luanda contra o MPLA e o seu líder durante a realização do Congresso extraordinário desse partido”.

Quando é que isto se passou? Não, não foi agora depois da cura de patriotismo e de reeducação ministrada pelo MPLA a Bento Bento. Foi exactamente em Novembro. Novembro de… 2014.

Segundo essas declarações de Bento Bento, que importa e urge recordar, “os integrantes do Movimento Revolucionário são membros da JURA cuja direcção funciona nas instalações da Rádio Despertar, em Viana “.

“Estas declarações são falsas. Caluniosas. Irresponsáveis e eivadas de intenções inconfessas. Elas revelam, no mínimo, que o MPLA perdeu o norte e quer agora, tal como no passado, voltar a nadar nas águas turvas da calúnia e da desinformação, para sustentar os seus planos macabros, já denunciados, de executar assassinatos políticos dos seus adversários”, afirmou na altura (Novembro de 2014) a Direcção da UNITA.

Os dirigentes do Galo Negro disseram que ”os angolanos sabem que a UNITA não precisa de vestir outras camisolas para exercer os seus direitos. Os actos políticos da UNITA são reflectidos, organizados e assumidos por ela mesma em toda a sua dimensão, no país e no estrangeiro”.

A UNITA disse igualmente: “Assim tem sido ao longo de quase 50 anos de história. Em 1975, aquando da invasão russo-cubana no intuito de inviabilizar a democracia, a UNITA, em legítima defesa, escolheu o caminho do sacrifício, sozinha, o que veio a culminar com a conquista da democracia multipartidária que hoje vigora no País, embora contra a vontade do MPLA”.

“Esperamos que Bento Bento e o seu MPLA não estejam assim tão alheios ao que se passa em Luanda a ponto de revelarem desconhecimento quanto à sua geografia e especificamente à topografia da Vila Alice, pois, a sede da JURA funciona em Vila Alice a uma distância de cerca de 220 metros a Oeste da sede do Comité Provincial do MPLA onde Bento Bento tem os seus escritórios”, ironizou a UNITA.

Na realidade, esclareceu a UNITA, “a suposta transferência da Sede da JURA por Bento Bento para as instalações da Rádio Despertar não é inocente. Só por si ela clarifica a tácita intenção de encontrar pretexto para justificar a destruição desse órgão de imprensa resultante dos Acordos de Paz”.

“A UNITA nada tem a ver com os problemas internos do MPLA e repudia veementemente a tentativa deste Partido/Estado de atirar areia para os olhos das pessoas ao procurar atribuir à UNITA as causas das suas profundas contradições e crises de identidade”, salientava o partido então liderado por Isaías Samakuva, acrescentando que “é certo que a UNITA deplora a má governação de Angola pelo MPLA. Deplora a corrupção, as gritantes violações dos direitos humanos, o nepotismo, as injustiças sociais e as fraudes eleitorais que o Partido/Estado organiza, mesmo afirmando-se de Esquerda. Mas a UNITA sabe que o soberano em Angola é o povo e só o povo tem legitimidade para escolher e demitir os governos, nos termos da Constituição”.

Nesta violenta reacção, corrobora que “a todos os agressores da Paz, mandantes e executores, a nossa mensagem é clara e inequívoca: não percam o vosso tempo com provocações à UNITA. Desistam, porque jamais voltaremos a cair nessa armadilha”.

“O único desafio agora é o de ideias e aquele que não tiver capacidade para exibir a força de seus argumentos, perde e não deverá fazer recurso aos argumentos da força porque a Constituição não permite e a Democracia não se revê neles”, disse a UNITA, afirmando ainda que “o MPLA, que até por sinal sustenta um Governo que é Membro Não Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ajude-nos a manter a verdadeira PAZ, a Democracia autêntica e a uma Reconciliação Nacional genuína, valores pelos quais, nós da UNITA pugnamos”.

No contexto pragmático, afirma que “a UNITA sempre desejou que o MPLA fosse uma organização democrática, pacífica e tolerante. Por esta razão, a UNITA reafirma a importância da realização de congressos democráticos, com múltiplas candidaturas e com renovação de mandatos. Só pode governar democraticamente quem prática a verdadeira democracia no seio do seu partido”.

Em Maio de 2017, os especialistas (muitos eram portugueses) contratados pelo regime angolano disseram a Eduardo dos Santos e a João Lourenço que a vitória eleitoral não estava garantida. O MPLA começava a ficar nervoso e procurou soluções radicais.

Recorde-se que, pouco antes das eleições de 2012, em várias províncias, nomeadamente Benguela e Cuanza Sul, a população começou a debandar para as matas temendo, como diziam, o regresso da guerra.

Mas, afinal, quem falava em guerra? O próprio regime que estava então a movimentar as Forças Armadas Angolanas (FAA) por todo o país, justificando com uma normal movimentação de efectivos. A população não acreditava. E era isso mesmo que o MPLA pretendia.

Na capital mas com repercussão nacional, Bento Bento, dirigente do MPLA pedia aos militantes do seu partido para que controlassem “milimetricamente” todas as acções da oposição, em especial da UNITA, para não serem “surpreendidos”.

De acordo com o então primeiro secretário de Luanda do MPLA (cargo ao qual regressou agora), a oposição liderada pela UNITA decidira enveredar por “manifestações violentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando à desobediência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas da polícia com pedras, garrafas e paus”.

Era caso para dizer: Que bandidos são estes tipos da oposição. E então quando Bento Bento descobrir que Adalberto da Costa Júnior, Alcides Sakala, Lukamba Gato, Isaías Samakuva ou Abílio Kamalata Numa têm em casa um arsenal de Kalashnikov, mísseis Stinguer e Avenger, órgãos Staline, katyushas, tanques Merkava e muito mais…

Dizia Bento Bento que a direcção do MPLA “tinha dados da inteligência (informações) nas suas mãos que apontam que a UNITA estava prestes a levar a cabo um plano B”. Tinha? Será que agora não tem? É o mesmo, revisto e acrescentado?

Este plano previa, segundo os etílicos delírios de Bento Bento, “uma insurreição a nível nacional, tipo Líbia, Egipto e Tunísia”, sendo as províncias de Luanda, Huambo, Huíla, Benguela e Uíge as visadas. Aí estava o espírito da guerra, tão querido ao MPLA.

Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, ténue e embrionária, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder as eleições e de ver a UNITA (por si só ou em coligação) a governar o país.

Para além do domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros, o MPLA sempre apostou forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação.

No início de 2008, por exemplo, o MPLA pôs em marcha “notícias” que diziam que, no Moxico, “indivíduos alegadamente nativos criaram um corpo militar que diz lutar pela independência”.

Disparate? Não, de modo algum. Aliás, um dia destes vamos volta a ver Bento Bento, ou Luvualu de Carvalho, afirmar que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas da UNITA.

E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada, tão do agrado das potências internacionais que incendeiam muitos países africanos, de que há o perigo de terrorismo ou do regresso à guerra civil.

Se no passado, pelo sim e pelo não, falaram de gente armada no Moxico, agora deverão juntar o Bié ou o Huambo.

Tal como mandam os manuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas de propaganda, prevenir os angolanos de que ou ganha ou será o fim do mundo.

Além disso, nos areópagos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo o país bandos armados, ou a armar-se, que precisam de ser neutralizados.

Aliás, como também dizem os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus “sipaios” para criar a confusão mais útil. E, como também todos sabemos, em caso de dúvida a UNITA será culpada até prova em contrário.

O regime reedita agora, obviamente numa versão acrescentada e melhorada, as linhas estratégicas do seu plano de 2008, 2012 e 2017.

“A situação interna não transparece em bons augúrios para o MPLA, devido a várias manobras propagandísticas por parte dos partidos da oposição e de cidadãos independentes apostados em incriminar o Partido no Poder para fazer vingar as suas posições mercenárias junto da população civil e das chancelarias e comunidade internacional”, lia-se na versão de 2008.

Na de 2012 manteve-se o conteúdo e só a embalagem mudou qualquer coisa. Pouca coisa, aliás. Na de 2017 apenas deixou de aparecer a chipala de José Eduardo dos Santos…

No terreno está a onda propagandística sobre a UNITA e os seus dirigentes nos órgãos de comunicação social. Para além da apertada vigilância sobre os dirigentes da cúpula da UNITA (incluindo escutas telefónicas), foram reactivadas as células-mortas de informadores no interior do Galo Negro, bem como as Brigadas Populares de Vigilância nos bairros de Luanda e nas capitais provinciais, as quais podem contar – se for necessário – com armamento ligeiro.

Afinal, na História recente (desde 1975) do regime angolano, nada se perde e tudo se transforma para que os mesmos continuem a ser donos do poder e, é claro, de Angola.

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