Os paladinos da desgraça constitucional

Na política, como no cosmos, poucos são os cometas, numa maioria de estrelas. Por isso são abençoados os países em cuja liderança emergem humildes e pujantes cometas, que fazem da governação um acto de servir, unir a cidadania, solucionar os conflitos e diferendos, no espírito da harmonia, garante da estabilidade social e bem gerir a rés-pública.

Por William Tonet

Angola, infelizmente, não tem sido bafejada pela sorte, quanto a cometas, pese ter havido, nos últimos tempos, uma réstia de esperança, que rapidamente se esvaiu.

Em 2017, início da passagem do bastão da estafeta “emepelista”, muitos advogaram a impossibilidade de alguém fazer pior que José Eduardo dos Santos. Desgraçadamente, no tocante à selectividade, discriminação, má governação, corrupção, concentração excessiva de poder, num órgão não eleito nominalmente: Presidente da República, e bandalheira na gestão das finanças públicas, o rito continua a navegar nas mesmas águas turvas. Nada mudou. Melhor, mudou a vontade de nada mudar!

A forma truculenta, raivosa, como foi colocada a carruagem nos trilhos, cedo me apercebi do equívoco de uma grande maioria, pois o maquinista, na tentativa de mostrar que conhecia melhor a máquina, entrava a alta velocidade nas curvas, levando o comboio a roçar em todos túneis, destruindo-o e deixando cair comida, para alimentar os mais desfavorecidos, claramente, na lógica de legalizar a injustiça, contra os pobres.

Nos últimos dias, a percepção de estar-se no mais do mesmo, ficou patente nas palavras dos ministros de Estado, Adão de Almeida, menino com currículo académico mas sem tarimba da alta roda da política e o da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Manuel Monteiro Queiroz, com o argumentário jurídico e constitucional, dos mesmos, por força da bajulação.

“O presidente do Tribunal Supremo não precisa de ser tecnicamente mais competente, mas sim o que tem melhor perfil para dirigi-lo”, Adão de Almeida.

“Os juízes de 1.ª e 2.ª instância só são órgãos de soberania na sala de audiência”, Francisco Queiroz.

Estes dois senhores, respeitáveis juristas, converteram-se em “guilhotineiros” da doutrina do Direito e da norma jurídica, ao atentarem contra as evidências da própria Constituição atípica, empoleirando uma revisão pontual, como se fosse uma obra-prima, quando não passa de uma operação cosmética, em tecido roto, onde os remendos não serão capazes de retirar as mazelas dolosos e danosas, que atentam contra a pluralidade, lisura e transparência da democracia.

O termo pontual, limita o alcance e a vinculação das contribuições da oposição e sociedade civil, completamente, excluída, assim como as igrejas, autoridades reais autóctones e membros das regiões que reclamam um estatuto especial, como os Tchokwe-Lundas, Cabinda e os Khoissan, todos considerados, “clementinos”, meros figurantes, para animar uma festa onde até as contribuições, dos partidos com assento parlamentar, se andarem em sentido contrário à vontade do proponente, morrerão na margem da discriminação, imposta por um órgão, considerado de soberania, no art.º 105.º da CRA, mas sem nunca ter sido eleito nominalmente, por vontade do verdadeiro soberano: o POVO, reduzido à insignificância.

Esta revisão vai criar mais danos do que benefícios aos cidadãos e a Angola. Esperemos o ratinho que vai sair da montanha…

A PODRIDÃO DA JUSTIÇA

A justiça em Angola vai de mal a pior, uma vez que, sob a capa de se combater manifestações, nunca esperadas pelo Titular do Poder Executivo e de combate à corrupção se estão a cometer atropelos graves à Constituição e à lei.

Daí muitos cidadãos certos ou errados considerarem os tribunais e a PGR como “longa manus” dos comités de especialidade do partido no poder, principalmente depois da cruzada em que os mesmos de ontem são os de hoje, a julgar os antigos kambas, que se lambuzavam na mesma gamela.

Neste momento, passados três anos, Augusto Tomás é o único condenado, num julgamento eivado de erros e vícios, denotando ser preso político, pois o seu julgador, por sentenciar, sem provas, de acordo com o direito, foi promovido, pelo Presidente da República, João Lourenço, a presidente do Tribunal Supremo.

E de tantas irregularidades, até à falta de sensibilidade de alguns magistrados, não se coíbem de atentar contra a vida, como ocorreu, com um eminente economista, Manuel Paulo, do “CASO CNC”, a quem foi negada a saída para o exterior do país, para ser alvo de uma operação cirúrgica e, com essa denegação de assistência médica e de justiça, viria a falecer dias depois (início do ano).

É a justiça convertida em parque de diversão, violando reiteradamente a Constituição e as Leis, ante o silêncio cúmplice de quem se devia indignar.

Neste momento a impunidade não está a ser combatida, pois estão no ringue: os dirigentes do MPLA que roubaram mais e os dirigentes do MPLA que roubaram menos, sendo a excepção, os últimos, estarem, agora, no poder a esvaziar a riqueza e depenar os seus antigos camaradas, para estes entregarem todos os bens (um dia até as mulheres, como ocorreu no tempo de Neto em 1977), para integrarem o seu património aos estrangeiros amigos. Isso é império da injustiça. Por esta razão na revisão parcial, se pretende incluir o confisco, já em lei ordinária, para que possam, dolosamente, vender património de quem esteja ainda em fase de julgamento. Não nos espantemos se daqui a dias o Kero e o Candando antes do trânsito em julgado, sejam vendidos a favor dos amigos do Presidente da República.

Recuando ao “Caso CNC”, em sede de recurso quando o “cabo de guerra” emprestado à justiça, já nas vestes de Presidente do Tribunal Supremo, para não ficar mal na fotografia caso a sua decisão fosse chumbada e até existiam motivos para tal, simulando um falso impedimento. No entanto, nos bastidores, influenciou a decisão da segunda instância, no sentido de agravarem a pena de Augusto Tomas e pares e assim demonstrar, ter sido, até mais benevolente e brando do que o plenário. Infelizmente, antes de ser publicado, o projecto do acórdão vazou para as redes sociais e o Tribunal teve de fazer marcha atrás para mostrar, ter sido o projecto forjado, por pessoas que só queriam denegrir a imagem das instituições da administração da justiça e mergulhar o país em confusão.

Uma estratégia que não funcionou, junto da sociedade jurídica e civil, pois para além de recuarem nas suas intenções, alguns juízes neutros e corajosos por não serem do CAP (Comité de Especialidade do Partido) do MPLA, naquela instância, denunciaram através das declarações de voto vencido, terem sido muitos magistrados obrigados a assinar de cruz o acórdão sem que lhes fosse dado o processo para ler e formarem as suas convicções, com base nas provas existentes no processo.

A veneranda juíza conselheira, Anabela Vidinhas, por exemplo, foi mais longe, ao textualizar que “em toda carreira enquanto magistrada judicial” nunca tinha visto uma decisão condenatória não fundada em factos, fortes indícios ou provas materiais concretas.

Se no Tribunal Supremo é assim, secundado pelo Tribunal Constitucional, não restam dúvidas, da vergonha da nossa justiça e, parafraseando um velho ditado popular: “a verdade é como o azeite, demora, mas vem sempre ao de cimo” e, um dia, os cidadãos angolanos conhecerão outra aurora, que sancionará uma nova democracia, uma nova justiça.

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