O grupo parlamentar da UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista em Angola, exigiu hoje a demissão do governador do Banco Nacional de Angola (BNA), devido ao escândalo financeiro que envolve oficiais da Casa de Segurança do Presidente da República, João Lourenço.
Em conferência de imprensa, o partido exige também a demissão da responsável da Unidade de Informação Financeira, bem como a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao banco central angolano e ao Ministério das Finanças, para se determinar a extensão das conexões fraudulentas com os órgãos auxiliares do Presidente de Angola, João Lourenço.
Em causa está o processo que envolve oficiais afectos à Casa de Segurança do Presidente da República, que levou já à exoneração do ministro e general Pedro Sebastião, então responsável deste órgão, e sete outros oficiais, encontrando-se detido um major, supostamente flagrado com avultadas somas em dólares, euros e kwanzas.
O presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, disse que os relatos que vieram a público sobre a custódia ou posse indevida de fundos públicos em casas particulares são alarmantes, mas não surpreendem, por serem “situações que a UNITA sempre denunciou”.
“Há três anos sentíamos que o senhor Presidente da República estava determinado a combater a corrupção, mas fraquejou ante os inúmeros interesses instalados. A Assembleia Nacional deve ajudar. Sentimos que o sistema é opaco e as instituições estão muito fragilizadas”, referiu.
Segundo Liberty Chiaka, “parece haver um certo ‘marketing’ político ou mediático à volta desse assunto, que retira seriedade e credibilidade ao que se pretende combater, o que fragiliza ainda mais a débil imagem do Estado”.
“É de interesse geral que o combate à corrupção não seja considerado pela sociedade como uma mera estratégia de distracção devido ao fracasso da governação. Mas, infelizmente, pode levar-nos a esta conclusão, porque são muitos os casos sem responsabilidade política, civil e penal, a começar pelo chefe de gabinete do Presidente da República [Edeltrudes Costa]”, sublinhou.
O deputado frisou que “ninguém movimenta milhares de milhões de dólares, sozinho”, questionando qual a conexão que existe entre os dinheiros encontrados na posse do major Pedro Lussaty e as exonerações na Casa de Segurança do Presidente da República.
“Se o major não é sequer um gestor orçamental, já não é efectivo da Casa de Segurança do Presidente da República, quem é que assinou as ordens de saque? Quem fez ao Ministério das Finanças os pedidos de créditos adicionais? E se o processo está alegadamente sob investigação, porquê induzir os cidadãos a fazer a associação entre a “detenção” do major e a exoneração das entidades da Casa de Segurança do Presidente da República”, questionou.
Liberty Chiaka interroga ainda a necessidade de se expor o processo, através da Televisão Pública de Angola, com um suposto mandado de vistoria ou apreensão, quando ainda se encontra em segredo de justiça.
“Efectivos fantasmas nas folhas de salário existem em toda a Administração Pública. Mas, porque é que não se explica a origem verdadeira das divisas? Quantas mais malas, sacos, GRECIMAS [gabinete ligado ao ex-ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais, recentemente condenado por peculato e branqueamento de capitais] e contentores haverá por aí? E porque surgem só agora? E se houve transferências para o exterior quem as fez? E para quem? A corrupção na Casa de Segurança do Presidente da República é uma grave ameaça a estabilidade política do Estado”, disse.
De acordo com o líder da bancada parlamentar da UNITA, o partido está preocupado com esta situação e vai apresentar à Assembleia Nacional medidas legislativas adequadas para aperfeiçoar os mecanismos de execução e controlo de certas despesas militares e apoiar o Presidente angolano na melhoria da qualidade da despesa pública, no quadro do princípio do Estado democrático de direito.
“Por isso, propomos uma reforma profunda aos órgãos auxiliares do Presidente da República”, salientou, recordando que o grupo parlamentar da UNITA já tinha apresentado à Assembleia Nacional um projecto de Lei sobre o Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial.
“Nos termos da lei do OGE, as despesas especiais de segurança interna e externa de protecção do Estado, constantes do Orçamento Geral do Estado, estão sujeitas a um regime especial de execução e controlo orçamental, estabelecido pelo Presidente da República, que assegure o carácter reservado ou secreto destas funções e o interesse público, com eficácia, prontidão e eficiência. A Assembleia Nacional não conhece este regime especial”, considerou.
Ao longo dos anos, a UNITA tem denunciado a existência de fundos públicos sem controlo adequado e a não prestação de contas da totalidade dos gastos efectuados sob as rubricas relativas às despesas dos órgãos de defesa e segurança, prosseguiu Liberty Chiaka.
O MPLA é Angola, Angola é do MPLA
Como esperado em função da correlação de forças e das ordens superiores do MPLA/Estado, a Assembleia Nacional chumbou no dia 17 de Maio de 2018 o projecto de lei proposto pelo grupo parlamentar da UNITA, para trazer para o país capitais existentes no exterior, enquanto aprovou a proposta no mesmo sentido de iniciativa governamental (MPLA/Estado).
O Projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regulação Patrimonial (RERP), de iniciativa da UNITA, obteve apenas 49 votos a favor, 135 contra do MPLA, partido maioritário e no poder desde 1975, e 17 abstenções da CASA-CE, PRS e FNLA.
Na sua iniciativa legislativa, a UNITA propunha a regularização de património não declarado, prevendo o pagamento de uma taxa de 45% ao Estado e a criação de um Fundo de Erradicação da Pobreza, para receber as receitas provenientes do RERP.
Essa de um Fundo de Erradicação da Pobreza nem ao Diabo lembraria. Que sentido fazia, e continua a fazer, falar de pobreza num país que para cerca de 31 milhões de habitantes só tem… 20 milhões de pobres?
A projecto de lei da UNITA previa ainda um “regime extraordinário de regularização cambial e tributária”, que se aplicaria “a todos os elementos patrimoniais quer se encontrem ou não em território angolano”, que consistem em direitos reais, barras de ouro e prata, minerais, metais e ligas metálicas, depósitos, certificados de depósitos, valores mobiliários e imobiliários.
“Valores monetários e outros instrumentos financeiros de origem lícita ou ilícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorrecção em relação a dados essenciais, remetidos ou mantidos dentro e no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no país”, referia ainda a proposta.
Previa igualmente, a criação de uma “contribuição especial para a regularização patrimonial”, sob a forma de “prestação pecuniária compulsória”, devida ao Estado, uma única vez, como receita extraordinária, “calculado com base na aplicação de uma taxa única de 45%, que incide sobre os elementos patrimoniais declarados”.
Na sua declaração de voto, o então vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA, José Pedro Cachiungo, lembrou que este assunto surgiu na Assembleia Nacional, porque “alguns compatriotas assumiram como seu o dinheiro que é de todos e foram guardar este dinheiro no estrangeiro”.
“A UNITA pretendia que esse dinheiro que é de todos voltasse para os bolsos de todos, se não fosse todo, pelo menos parte. Este não foi o entendimento maioritário da bancada do MPLA”, lamentou José Pedro Cachiungo.
Segundo o deputado, “o povo angolano foi roubado e os ladrões guardaram o dinheiro lá fora”, recursos que se pretende que “volte para os bolsos do povo”.
Por sua vez, o então líder da bancada parlamentar do MPLA, Salomão Xirimbimbi, considerou “uma falácia” os argumentos apresentados pela UNITA, sublinhando que um Estado de Direito é baseado em princípios, “que devem ser necessariamente respeitados”, bem como na política.
“Nós votamos contra o diploma proposto pela UNITA porque consideramo-lo como um diploma bastante confuso, parte de pressupostos errados, tecnicamente errados, legalmente errados”, disse Salomão Xirimbimbi.
“Nós pela urbanidade que nos caracteriza não quisemos na especialidade dizer isso aos nossos colegas da UNITA, mas obrigam-nos a dizer isso”, continuou o deputado do partido maioritário.
De acordo com Salomão Xirimbimbi, a UNITA na “tentativa de agora justificarem o seu projecto dizem que queriam trazer o dinheiro roubado – que linguagem grosseira – quando não se respeita o princípio da presunção da inocência, quando o diploma do Governo exclui o dinheiro roubado – que em termos técnicos chama-se peculato – o diploma do Governo não defende o peculato e não permite que o infractor beneficie de parte desse dinheiro”.
“A UNITA é que estava a querer beneficiar os gatunos. A UNITA parte do pressuposto de tributar uma alíquota de 45%, revelando que desconhecem em absoluto as leis que regem o nosso país. No quadro das leis do sistema tributário não há nenhuma lei que estabelece uma alíquota-tributária de 45%, a maior encontra-se em sede do código industrial, que são 30%”, referiu.
A Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País foi aprovada com 133 votos a favor do MPLA, 65 contra da UNITA, CASA-CE e PRS e uma abstenção da FNLA.
O documento prevê que os detentores de recursos financeiros em bancos no exterior do país, que voluntariamente repatriassem os referidos recursos para o país, dentro do prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da desta lei, ficavam isentos de penalização.
Os recursos financeiros seriam aplicados em programas de desenvolvimento económico e social direccionados pelo Estado, em condições a definir pelo titular do poder executivo.
A extinção de quaisquer obrigações ficais e cambiais exigíveis em relação àqueles recursos financeiros e a exclusão de toda e qualquer responsabilidade por eventuais infracções ficais, cambiais e criminais, desde que conexas com os referidos recursos, não se verifica sempre que os visados apresentarem declarações ou documentos falsos relativos à titularidade e à condição jurídica dos recursos financeiros declarados.
Folha 8 com Lusa