Nova Provedora da (in)justiça

A Assembleia Nacional elegeu hoje Florbela Araújo nova Provedora de Justiça de Angola, para um mandato de cinco anos, em substituição de Carlos Ferreira Pinto, que renunciou ao cargo sem qualquer explicação.

O projecto de resolução que aprova a eleição do Provedor de Justiça foi aprovado com 154 votos a favor, um voto contra, do deputado David Mendes, não integrado em grupo parlamentar, e nenhuma abstenção.

Na sua declaração de voto, David Mendes disse não aceitar o modelo usado para a indicação e eleição da nova provedora, proposto pelo MPLA, partido maioritário desde sempre e no Poder desde… sempre.

“É preciso mudarmos de paradigma, é preciso respeitar as minorias, nem sempre as maiorias têm razão e esse jogo da proporcionalidade, que tem levado a que o partido MPLA decida tudo, temos que pôr termo. Não é a primeira vez que isso acontece, que somos obrigados a aceitar pela maioria”, disse.

O relatório parecer conjunto do projecto de resolução sublinha que a proposta pelo grupo parlamentar do MPLA foi feita “em observância ao princípio da representação da proporcionalidade”.

Na sua intervenção durante o debate, David Mendes questionou se “o facto de o MPLA ter a maioria absoluta no Parlamento o legitima a saber quem são os melhores angolanos para ocuparem as principais funções”, propondo que o provedor adjunto fosse indicado pela oposição, estando assim a cumprir-se “o princípio da proporcionalidade”.

O deputado defendeu que deveria ter sido aberto um concurso público para que as pessoas pudessem concorrer para o cargo, salientando que é preciso que se pare de ver o país “como se fosse propriedade de um partido político”.

Por sua vez, o deputado António Paulo, do MPLA, explicou que as instituições funcionam com base em procedimentos e a Assembleia Nacional assim o fez, apelando às instituições públicas e privadas e sociedade civil que apoiem a nova provedora, nomeadamente nas respostas a uma simples solicitação ou um pedido de esclarecimento.

“O que ocorre muitas vezes é que o provedor de justiça se dirige às instituições e elas não se dignam sequer a enviar uma resposta”, salientou.

Na agenda de trabalhos desta sessão plenária constava também a eleição do novo provedor de justiça adjunto, em substituição de Florbela Araújo, tendo sido proposto, pelo MPLA, o nome de Aguinaldo Cristóvão, o que não aconteceu por uma questão levantada pela deputada do grupo parlamentar da UNUTA, Mihaela Weba.

Segundo Mihaela Weba, não tendo havido dupla renúncia, Florbela Araújo está ainda em exercício do cargo de provedora de justiça adjunta, fazendo sentido apenas a eleição ao cargo de provedor de justiça.

Mihaela Weba frisou que tendo sido hoje eleita, apenas na próxima semana, após a publicação da resolução, a mesma cessa funções e fica em aberto o cargo de provedor de justiça adjunto.

“Só depois de cessar as suas funções como provedora de justiça adjunta é que nós podemos eleger um novo provedor de justiça adjunto”, disse a deputada, advogando ainda a necessidade de se cumprir com o estabelecido na lei, nomeadamente o Estatuto do Provedor de Justiça, que prevê o preenchimento da vaga, pela Assembleia Nacional, no período de 30 dias.

Segundo Artigo 192º da Constituição:
1. O Provedor de Justiça é uma entidade pública independente que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade da actividade da Administração Pública.
2. O Provedor de Justiça e o Provedor de Justiça-Adjunto são eleitos pela Assembleia Nacional, por deliberação de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
3. O Provedor de Justiça e o Provedor de Justiça-Adjunto tomam posse perante o Presidente da Assembleia Nacional para um mandato de cinco anos, renovável apenas uma vez.
4. Os cidadãos e as pessoas colectivas podem apresentar à Provedoria de Justiça queixas por acções ou omissões dos poderes públicos, que as aprecia sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar as injustiças.
5. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e na lei.
6. Os órgãos e agentes da administração pública, os cidadãos e demais pessoas colectivas públicas têm o dever de cooperar com o Provedor de Justiça na prossecução dos seus fins.
7. Anualmente é elaborado um relatório de actividade contendo as principais queixas recebidas e as recomendações formuladas, que é apresentado à Assembleia Nacional e remetido aos demais órgãos de soberania.
8. A lei estabelece as demais funções e o estatuto do Provedor de Justiça e do Provedor de Justiça-Adjunto, bem como de toda a estrutura de apoio denominada Provedoria de Justiça.

Em Angola, residentes de cinco províncias são obrigados a deslocar-se a Luanda para recorrer aos serviços da Provedoria da Justiça. Ex-Provedor reconheceu falhas e falou, no início do ano, a em falta de recursos, criticou as precárias instalações da Provedoria, a funcionar num dos andares do Palácio da Justiça.

A Provedoria da Justiça não está representada em cinco das 18 províncias de Angola. As populações do Bengo, Benguela, Cabinda, Kwanza Sul e Cunene são forçadas a viajar para a capital, Luanda, para que o provedor medeie os seus conflitos.

O principal factor apontado para a inviabilização da presença da Provedoria da Justiça em todo o território é a falta de recursos financeiros. A mesma razão justifica a paralisação dos serviços na província do Huambo, revelou, recentemente o ex-provedor Carlos Ferreira Pinto.

Em declarações à DW, a organização não-governamental (ONG) OMUNGA lamentava em Janeiro a baixa eficácia do órgão que tem a função de promover a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos. João Malavindele, coordenador da ONG, falou mesmo numa provedoria da Justiça “inoperante”.

“A provedoria não resolve nada. Apenas toma conhecimento e depois há muita lentidão ao agir. Quase que não é proactiva na resolução de alguns casos que lhe chegam”, diz.

Um exemplo então referido foi o conflito de terras em Benguela, que os cidadãos costumam levar a Luanda, sob orientação da OMUNGA. Quando chegam à capital, explicava João Malavindele, alguns conseguem ter audiência com o provedor, mas o conflito não é resolvido.

“Estou a falar por experiência própria. Tivemos um caso ao nível da OMUNGA que estivemos acompanhar a partir de Malanje, que tem a ver com o jovem detido e condenado por alegadamente atirar algo ao carro do vice-presidente da República. Na altura, recorreu-se à provedoria devido à questão da ilegalidade que se verificou na detenção dele. Mas a Provedoria pouco ou nada fez”, asseverou.

Também o advogado e coordenador da Associação Mãos Livres, Salvador Freire, foi da opinião de que a Provedoria não é eficaz, porque não intervém directamente para que os outros órgãos possam resolver a conflito de um determinando cidadão. O órgão, segundo o advogado, serve apenas para aconselhar quando deveria “punir certas ilegalidades”.

“O trabalho da Provedoria deveria ser mais dinâmico, devia ter competência de ação punitiva, que obrigue quer as instituições cumpram com as suas orientações. Mas infelizmente, não acontece”, lamenta Salvador Freire.

A própria instituição reconhece estas dificuldades e dizia estar a trabalhar para servir melhor os cidadãos, disse o provedor da Justiça numa sessão plenária na Assembleia Nacional.

“Já se fez muito, reconhece-se, porém não é o suficiente. Tem que se fazer muito mais para que a instituição Provedoria de Justiça seja melhor reconhecida e que os cidadãos possam ter maior acesso a ela”, admitiu Ferreira Pinto.

A Provedoria da Justiça foi despejada da sua própria sede, onde se encontra agora o Tribunal Supremo, estando a funcionar num dos andares do edifício do Palácio da Justiça. No entanto, segundo o então provedor Carlos Ferreira Pinto, neste espaço não existiam condições de trabalho.

“O provedor de Justiça teve que se instalar noutro edifício, e claro, teve que se sujeitar às condições (existentes), até porque é gerido por um órgão de soberania. Não temos, de facto, aquelas condições de acessibilidades que existiam no edifício anterior. Estamos a tratar com quem gere o edifício para ver se conseguimos encontrar algumas soluções paliativas”, disse o provedor angolano.

Folha 8 com DW

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