No re(i)gime do MPLA vale tudo

Líder do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, José Mateus Zecamutchimam, detido em Luanda. O coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), Sérgio Calundungo, afirmou hoje que as autoridades angolanas não parecem interessadas em investigar os incidentes em Cafunfo e defendeu que o Presidente angolano se deve pronunciar sobre o caso.

“Não parecem interessadas” é uma forma eufemística de falar do assunto quando, de facto, até dentro do MPLA se diz que as autoridades não estão interessadas em… mostrar que as ordens superiores fora para matar primeiro e interrogar depois.

Em declarações à Lusa sobre os acontecimentos de final de Janeiro na vila mineira da Lunda Norte, em que várias pessoas morreram e ficaram feridas, o também analista político defende uma investigação independente.

“Há uma prática continuada de não fazer recurso a investigação independente quando esses casos acontecem”, afirmou, lembrando que não é a primeira vez que incidentes envolvendo polícia e cidadãos ocorrem em Angola. São, aliás, uma forma de dar corpo à tese do governo (que é do MPLA há 45 anos) de que até prova em contrário todos são, somos, culpados.

Sérgio Calundungo defende o recurso à Procuradoria-Geral da República, ao ministro da Justiça e Direitos Humanos e à própria Assembleia Nacional – entidades com um nível de equidistância suficientes e que poderiam contar com o apoio de organizações da sociedade civil “que têm experiência na investigação deste tipo de casos”.

Desde quando a PGR (nomeada e escolhida pelo MPLA), o ministro da Justiça e Direitos Humanos (escolhido e nomeado pelo MPLA) e a Assembleia da Nacional (desde sempre órgão dominado pelo MPLA e caixa de ressonância do MPLA) são “entidades com um nível de equidistância suficientes”?

Sobre o impedimento da delegação que integrava cinco deputados da UNITA, bem como a activista Laura Macedo, entrarem em Cafunfo, considerou que não faz sentido impedir a circulação de qualquer cidadão, seja ou não deputado. Só não faria sentido, convenhamos, se Angola fosse o que não é – um Estado de Direito Democrático.

“A livre circulação de pessoas e bens nunca deveria ser questionada em nenhuma circunstância”, assinalou, afirmando que os deputados têm legitimidade para ir onde quiserem para tentar apurar o que aconteceu. O melhor mesmo é, como faz o MPLA, ver a legitimidade dos deputados da Coreia do Norte, regime que é guia do MPLA.

“O que me parece estranho é que esta não tenha sido uma iniciativa da própria Assembleia Nacional, ou seja, eu fico com a sensação de que as autoridades angolanas não estão a mostrar muita vontade de fazer uma investigação independente”, adiantou o analista. Não estão a mostrar vontade nem a vão permitir. A não ser, ressalve-se, que seja escolhida uma Comissão “independente” formada por dez elementos, sendo que cinco sejam indicados pelo MPLA, três pelo Governo, um pela Oposição e outro pela sociedade civil…

As razões pelas quais assim se procede podem estar sujeitas a especulações, prosseguiu, considerando que esta atitude “aumenta as suspeitas de que, se calhar, não há interesse em que se investigue”.

Questionado sobre algumas críticas que têm sido dirigidas ao Presidente da República por não se pronunciar sobre o tema, o responsável da OPSA disse que João Lourenço “é o presidente de todos os angolanos” e quando acontecem incidentes “que chocam toda a nação seria expectável” que falasse, até pelos seus efeitos sobre os responsáveis dos órgãos auxiliares da presidência.

Faz sentido. Mas falar para dizer o quê? Para repetir o disse o Bureau Político do MPLA? Para afirmar que “os que querem a instabilidade de Angola deviam saber que quando um grupo de cidadãos nacionais e estrangeiros munidos com armas de fogo, armas brancas e objectos contundentes ataca à madrugada uma esquadra policial, um quartel militar ou algum órgão da Administração do Estado ou algum órgão de soberania, não está a fazer uma manifestação, mas sim uma rebelião armada que merece da parte de qualquer Estado uma vigorosa reacção”?

Para chamar estrangeiro ao Presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, e dizer que se assiste a ”uma tentativa de divisão dos angolanos, de incitação ao tribalismo, ao regionalismo, para quebrar a unidade nacional tão bem preservada até aqui”?

Neste âmbito, Sérgio Calundungo deu como exemplo as declarações de João Lourenço sobre a detenção de jornalistas durante uma manifestação em Luanda, que tiveram um “papel de salvaguarda desse tipo de acções”.

“Num país onde a concentração de poderes é grande, o facto de o Titular do Poder Executivo se vir pronunciar teria um efeito muito positivo” para “ajudar a serenar os ânimos” e “clarificar qual é a posição oficial das autoridades”, sublinhou. É verdade. Mas será que Eugénio Laborinho e Paulo de Almeida deixam?

Sérgio Calundugo apontou ainda a divergência entre os discursos do comandante da Polícia Nacional e do ministro do Interior, “com um tom muito elevado”, numa primeira fase, em contraste com o discurso “de tom firme, mas mais conciliador” do ministro da Justiça e dos Direitos Humanos.

“Fazendo eles todos parte do mesmo Governo, não sabemos qual é a posição oficial e, se calhar, o Presidente poderia clarificar esta situação”, observou o analista. Poderia, se soubesse. Poderia, se tivesse autoridade para isso.

Segundo o analista, “é preciso que as pessoas percebam porque é que morreram pessoas em circunstâncias como estas”. “Eu sei que há muitos apelos à calma, à serenidade e diálogo, mas, por favor, não se deve deixar de apelar com a mesma veemência à ideia de que este crime, caso tenha havido crime, não passe impune”, apelou.

“Há quem diga que foi um assassínio da polícia, há outros que dizem que foi um acto de rebelião. Entre estas duas partes está a verdade e deve ser procurada, os angolanos merecem saber a verdade, quanto mais não seja para que não se voltem a repetir tais actos”, sugeriu.

Em 30 de Janeiro, segundo a polícia angolana, cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que há anos defende a autonomia daquela região, fortemente armadas tentaram invadir uma esquadra policial, obrigando as forças de ordem a defender-se, provocando seis mortes.

A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição, Igreja Católica e sociedade civil local, que falam pelo menos 25 mortos e alegam que se tratou de uma tentativa de manifestação, previamente comunicada às autoridades, e que os manifestantes estavam desarmados.

Enquanto isso, o líder do Movimento do Protectorado da Lunda Tchokwe, foi detido esta manhã, em Luanda, pelo Serviço de Investigação Criminal, depois ter sido notificado para prestar declarações sobre os acontecimentos de Cafunfo. José Mateus Zecamutchima é suspeito dos crimes de rebelião e associação criminosa.

Salvador Freire, advogado de José Mateus Zecamutchima, diz que a defesa foi surpreendida com a detenção do seu constituinte, quando, inicialmente, tinha sido convidado para prestar declarações.

O responsável da Associação “Mãos Livres” refere que o SIC tinha pedido que o acusado e a defesa fossem até às suas instalações para uma formalidade, na sequência de uma carta que veio da Lunda Norte.

Salvador Freire refere que a detenção do seu cliente é ilegal, visto que o Serviço de Investigação Criminal (SIC) terá violado alguns princípios legais para um mandado de detenção.

“É verdade que ele está detido. Está preso. Antes o SIC pediu que nós fôssemos lá para formalizar uma carta rogatória que veio da Lunda Norte com alguma informação.

“Nós, advogados, decidimos que o formalizassem como mandam as ordens, depois passarem-nos a notificação para que nós fôssemos presentes hoje no SIC no sentido exactamente de se prestarem declarações, mas assim que nós chegámos ao SIC, no local foi mostrado uma mandado de detenção proveniente da Lunda Norte assinado no dia 6 de Fevereiro”, disse o advogado.

Folha 8 com Lusa

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