MPLA roubou? Sim. É ladrão? Não.

O Cedesa, entidade internacional dedicada ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, em especial de Angola, considera que o país cometeu “um erro” ao entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção, defendendo a criação de um minissistema judicial para o efeito.

Tem razão. Mas a ideia é mesmo essa. Por alguma razão o Procurador-Geral da República é um general, por alguma razão a PGR (como muitos outros organismos) é uma mera sucursal de um partido (o MPLA) que comanda o país há 45 anos e que é dirigido por um general.

Para o Cedesa, o que existe hoje em Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Voltemos a ler: Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.

Por isso, os “processos perdem-se fisicamente nos tribunais, outros embrulham-se, outros surgem com decisões inaceitáveis e outros prolongam-se inexplicavelmente”, acrescenta o Cedesa, faltando – contudo – elencar que também, e sobretudo, há decisões judiciais que apenas oficializam as ordens superiores e, outras, que à partida consubstanciam – contrariando as mais elementares regras de um Estado de Direito (que Angola não é) – o veredicto de que até prova em contrário todos somos culpados.

Assim, “entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção revela-se um erro”, concluiu o Cedesa na sua análise intitulada “Estado de Direito e Corrupção em Angola: por um minissistema de justiça contra a corrupção”.

Neste contexto, o Cedesa propõe no documento a criação de um minissistema judicial anticorrupção para que os processos avancem. A ideia tem pernas para andar, mas as minas do MPLA são tantas que a vão amputar na primeira esquina. O máximo que o MPLA aceitará fazer é trocar seis por… meia dúzia.

Segundo o Cedesa, cada sistema jurídico nacional admite vários subsistemas de acordo com as matérias ou propriedades traçadas. “Tal não viola qualquer concepção de Estado de Direito, pelo contrário, cria regras e obrigações para todos, transparentes e claras, em determinadas áreas”, sublinhou.

Por isso, “existirá um Estado de Direito para a normalidade e um Estado de Direito para a corrupção”, defende.

O minissistema judicial anticorrupção, vocacionado para os grandes crimes de natureza económico-financeira e de captura do Estado, funcionaria, assim “com independência dos outros órgãos judiciários e judiciais e seria composto por quatro partes”, propõe o Cedesa no documento.

As quatro partes seriam: Um órgão especial com poderes judiciários para a investigação e acusação, um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, um corpo de juízes autónomo dedicado a esses tribunais e, por último, uma lei processual simplificada, elaborada à semelhança da norte-americana ou da francesa actual, que permitisse julgamentos rápidos e justos.

“Este órgão seria um misto de Polícia Judiciária e Ministério Público, tendo poderes de investigar, apreender, realizar buscas e detenções, pedir cooperação judicial internacional e, no final, fazer uma acusação ou arquivar um processo de grande corrupção”, especificou.

Além disso, “só trabalharia nestes casos e seria composto por um corpo de agentes com treino focado e dedicado”.

Porém, alertou que a existência de um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, para julgamento e recurso dos casos de grande criminalidade económico-financeira e captura do Estado, implicaria uma revisão da Constituição naquilo que se refere ao artigo 176.º n.º 3 e 5.

“Dever-se-ia passar a admitir uma jurisdição destinada aos grandes crimes de natureza económico-financeira e também abolir a proibição de tribunais com competência exclusiva para julgar determinados tipos de infracção”, referiu.

O Cedesa advogou que, com um corpo de juízes autónomo e dedicado aos tribunais do minissistema contra a corrupção, Angola teria a vantagem de poder ter juízes especializados nestas matérias, que preencheriam os lugares nos tribunais.

Caso Angola não pretenda realizar uma revisão constitucional sobre o tema, os analistas sugeriram que o país, em vez de criar um sistema de tribunais exclusivos com juízes próprios, possa estabelecer secções especializadas para o combate à corrupção nos tribunais já existentes.

Assim, os tribunais das capitais provinciais – ou somente o de Luanda – bem como os da Relação e o Tribunal Supremo disporiam de secções especializadas para a corrupção. “Tal já é constitucionalmente possível e o restante minissistema proposto mantinha-se como descrito”, frisaram.

O grupo de estudos recordou que o poder político angolano, quando elegeu como objectivo principal o combate à corrupção, resolveu fazê-lo “através dos órgãos judiciais pré-existentes e com as pessoas titulares habituais”.

“Não houve qualquer renovação orgânica ou de pessoal, apenas meros ajustes, o vice-PGR subiu a PGR, os presidentes do Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional trocaram de cargo e umas leis um pouco apressadas sobre recuperação de activos foram aprovadas”, referiu.

Para o Cedesa, esta opção de Angola deve ter tido por base uma opinião “formalista, dada pelos mais eminentes juristas angolanos, segundo a qual, o combate à corrupção deveria ser feito dentro do Estado de Direito e com os meios legais existentes”, porque só assim seriam garantidos os necessários direitos de defesa e credibilidade dos processos.

Permitindo ao mesmo tempo que, perante o estrangeiro, o país pudesse “afirmar que não haveria qualquer abuso por parte das autoridades pois era o sistema judicial instalado que estava a funcionar, dentro das normas habituais do Estado de Direito”.

“Esta normalidade legal parece correcta, mas na realidade é o que impede um real, célere e efectivo combate contra a corrupção”, afirmou a entidade.

O que acontece, sublinhou o Cedesa, “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Voltemos e reler: “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.

Salvaguardando que nessa estrutura existem “agentes de mudança”, juízes, procuradores, polícias, funcionários, que “devem ser elogiados pelo seu trabalho aturado”, o Cedesa considerou, porém, “que são uma excepção – mesmo que larga – e não impedem que a estrutura judicial como um todo seja conservadora e avessa ao risco de combater os seus aliados de ontem”.

Neste contexto, o relatório notou que “a luta contra a corrupção pode acabar por ser inglória e não resultar, atendendo aos vários empecilhos estruturais existentes”.

Folha 8 com Lusa

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