O ministro da Justiça e dos Direitos Humanos angolano, Francisco Queiroz, reconheceu hoje que o país ainda não atingiu a primeira posição dos padrões para eliminar o tráfico de seres humanos, mas está a esforçar-se para atingir o ponto de excelência. Não pediu desculpa nem anunciou o fornecimento gratuito de certidões às vítimas.
“Para estarmos na posição 1 teríamos que não ter nenhuma manifestação de tráfico de seres humanos dentro do país, nas fronteiras e estar totalmente livres deste mal. Infelizmente, ainda não atingimos esse patamar, mas é um esforço que temos que empreender sempre para atingir esse ponto de excelência”, disse Francisco Queiroz em declarações à rádio pública angolana.
Esta semana (ver o artigo “Tráfico e exploração de crianças em Angola”, ontem publicado pelo Folha 8), o relatório sobre Tráfico de Seres Humanos do Departamento de Estado norte-americano refere que Angola não está a cumprir o mínimo dos padrões para eliminar este fenómeno, admitindo, entretanto, que o Governo “demonstrou um aumento geral dos esforços em relação ao relatório anterior”, mas manteve-se no nível dois.
Francisco Queiroz disse que o que permitiu aos EUA avaliarem positivamente (embora sem cumprir o mínimo dos padrões) Angola foram os esforços empreendidos pelo Governo, nomeadamente a perseguição e actuação, quatro vezes, sobre os traficantes comparativamente ao ano passado, “sobre a justiça ao oficial suspeito de ser cúmplice no tráfico de seres humanos e um outro também que está a ser perseguido pela justiça”.
“Além disso incrementou a cooperação para a protecção das fronteiras e trabalhou-se bastante nesse domínio na fronteira sul, que é aquela que tem registado mais tráfico e houve um trabalho profundo”, frisou.
O governante angolano salientou que, por outro lado, o Governo também incrementou as acções de protecção e assistência às vítimas de tráfico, bem como em relação ao controlo do número das acções.
“Estamos inseridos no banco de dados da SADC [Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral], onde estão inscritas as acções quer das vítimas quer dos traficantes de modo a poder melhor acompanhar”, acrescentou.
Segundo o ministro, Angola tem um plano nacional de prevenção e combate ao tráfico de seres humanos, que prevê um período de cinco anos, aprovado em 2019, e está em curso “com bastante sucesso”.
“É um plano que integra várias instituições, vários departamentos ministeriais e está em curso com o financiamento do Estado e os resultados são bastante positivos, isso, aliás, é apontado no relatório do Departamento de Estado norte-americano”, disse Francisco Queiroz.
O ministro referiu que o relatório faz algumas recomendações, aponta que Angola deve incrementar mais capital humano, para tornar mais eficiente e eficaz a aplicação da Lei do Branqueamento de Capitais e Crimes Conexos, punindo com penas de 12 a 15 anos os traficantes.
O relatório coloca os países em três níveis, sendo que no primeiro nível constam os Estados que têm em consideração os padrões mínimos da lei norte-americana para a protecção de vítimas de tráfico e os do nível três incluem os que não cumprem quaisquer padrões.
Os do nível dois, onde se encontra Angola, incluem os países que não cumprem os padrões, mas estão a fazer esforços.
O documento norte-americano destaca como esforços feitos por Angola a condenação de vários traficantes, incluindo cinco funcionários públicos, com sentenças de prisão, dedicação de fundos para o combate ao tráfico de seres humanos, incluindo para a aplicação de um plano de acção nacional.
No entanto, salienta o relatório, o Governo angolano continua sem alcançar padrões mínimos em algumas áreas, falhou investigações de tráfico de seres humanos com suspeita de envolvimento oficial naquele crime e as sentenças contra os traficantes são “curtas em comparação com a gravidade do crime”.
No dia 26 de Novembro de 2014 foi anunciado (coisa em que o MPLA é useiro e vezeiro) o combate ao tráfico de seres humanos em Angola que passaria a ser coordenado por uma comissão interministerial criada pelo Presidente da República, integrando ainda a Polícia Nacional e a Procuradoria-Geral da República.
De acordo com informação divulgada então pela Casa Civil do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos, esta comissão, criada por despacho, visava “garantir a protecção, a assistência, a recuperação, a reabilitação e a reinserção no seio da sociedade de vítimas de tráfico”.
Seria coordenada pelo então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira – envolvendo mais oito ministérios -, e deveria, entre outras funções, “formular um programa abrangente e integrado para prevenir e reprimir o tráfico de seres humanos”.
A comissão iria ainda “elaborar normas e regulamentos” necessários à “implementação efectiva” do combate a este tipo de crime, além de “monitorar e supervisionar” a sua aplicação, sendo apoiada por um grupo técnico integrando representantes da Procuradoria-Geral da República, da Polícia Nacional, do Instituto Nacional da Criança e do Instituto Nacional da Juventude.
Em Julho de 2013, o então comandante geral da Polícia Nacional de Angola, Ambrósio de Lemos, afirmou que aquela força estava “atenta” e a trocar informações nomeadamente com as autoridades policiais portuguesas sobre situações suspeitas de tráfico de seres humanos envolvendo os dois países, neste caso de menores.
Na altura, o último caso conhecido acontecera 8 de Maio, quando o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal procedeu à detenção de um suspeito de tráfico de três menores, com idades compreendidas entre os 4 e os 13 anos, no aeroporto Sá Carneiro, no Porto, provenientes de Luanda.
“É mais uma tipicidade criminal que se juntou às outras que nós temos. Como se está internacionalizar, é necessário que Angola esteja atenta porque não está isenta desta criminalidade”, reconheceu o comandante da polícia angolana.
A troca de informação com a Polícia portuguesa, e outras forças estrangeiras, foi classificada por Ambrósio de Lemos como uma “necessidade muito premente”, de forma a combater alegadas redes de tráfico de seres humanos que passam ou operam no país.
As autoridades policiais suspeitavam sobretudo de grupos que operavam entre a República Democrática do Congo e o centro da Europa, via Angola e Portugal. O tráfico de mulheres, para prostituição, era outra das preocupações das autoridades angolanas.
E, como o Folha 8 revelou no dia 24 de Novembro de 2014, o relatório 2014 do departamento das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) salientava que o tráfico de crianças continuava a crescer e já representava um terço dos casos de tráfico de pessoas no mundo.
Em África e no Médio Oriente, as crianças representam a maioria das vítimas de tráfico de pessoas e em países como Índia, Egipto, Angola ou Peru podem alcançar 60% do total de casos, indicava o UNODC.
O UNODC lembrava que entre 2003 e 2006 as crianças e os adolescentes só representavam 20% dos casos de tráfico conhecidos. No mundo, 70% das vítimas de tráfico de pessoas são mulheres, contra 84% dez anos antes.
O relatório também expressava a sua preocupação por alguns tipos de tráfico de pessoas, como o que obriga as crianças a combater, ou a participar em pequenos crimes ou na mendicidade forçada. No entanto o documento, baseado em dados fornecidos por 128 países, só permitia ver a “parte visível do iceberg”, indicava a ONU, que lamenta que em muitas regiões do mundo o tráfico de seres humanos continue a ser “uma actividade pouco arriscada e muito lucrativa para os criminosos”.
Folha 8 com Lusa