Montanha do MPLA só pariu um rato

Activistas anticorrupção defenderam hoje que, um ano depois das revelações dos mais de 700 ficheiros do caso “Luanda Leaks”, pouco foi feito para recuperar e devolver a Angola os activos alegadamente desviados por Isabel dos Santos. A montanha (o MPLA) pariu um rato, como o Folha 8 disse, logo em 2017, que iria acontecer. Ter razão (mesmo antes do tempo) é estimulante para quem faz jornalismo com memória desde 1995.

“Conseguiu-se congelar alguns activos em Angola e em Portugal, mas o mapeamento de todos os activos não está feito e a única coisa que aconteceu foi ter ficado impedida de beneficiar de acções e investimentos, mas não teve de devolver dinheiro algum”, disse a directora da organização Transparência e Integridade de Portugal, Karina Carvalho.

A activista falava durante uma conversa promovida por esta organização anticorrupção para assinalar a passagem de um ano sobre a revelação do caso pelo Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação.

Em 19 de Janeiro de 2020 foram divulgados mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, entretanto falecido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais.

Às revelações seguiram-se investigações em Portugal e Angola, que ainda decorrem, e a empresária viu parte dos seus activos nos dois países congelados.

“Estes processos de recuperação de activos são muito longos e apesar de não terem dado ainda resultados substanciais na Europa, são processos com uma tal complexidade jurídica que podem ser prolongados “ad-nauseum” e com isso quem sofre é o povo angolano que continua sem poder beneficiar do dinheiro que lhe foi roubado”, apontou Karina Carvalho.

Para a activista anticorrupção angolana Laura Macedo, o caso “Luanda Leaks” “mostrou as fragilidades do Governo [de Angola], mas também a facilidade com que a Europa se deixa promiscuir”, mas fez pouco pelo combate à corrupção no país.

“A luta contra a corrupção não existe. O que nos apresentam é tão falso e de má qualidade que não podemos considerar luta contra a corrupção”, afirmou.

Segundo Laura Macedo, na sequência das revelações do “Luanda Leaks”, a Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana “ensaiou uma reacção”, mas demorou demais a agir e a congelar os bens da filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos.

Mesmo nas empresas congeladas, prosseguiu, é visível uma tentativa crescente de evitar que as receitas entrem no circuito bancário.

Dando como exemplo, a rede de supermercados Candando, em Angola, Laura Macedo assegurou que o Governo angolano permitiu que os cofres fossem esvaziados sem que se saiba o destino do dinheiro.

No mesmo sentido, Maíra Martini, investigadora da Transparency International, alertou para o risco de Isabel dos Santos poder ainda “esvaziar as empresas” sobre as quais ainda tem controlo e de se perder o rasto ao dinheiro.

“É preciso investigar o que se passa com as empresas de onde ainda pode tirar dinheiro”, advogou.

Segundo a PGR de Angola, correm contra Isabel dos Santos vários processos de natureza cível e criminal, em que o Estado reivindica valores superiores a cinco mil milhões de dólares (4,6 mil milhões de euros).

A empresária angolana rejeitou sempre as acusações, argumentando que se trata de uma campanha política contra si e contra a sua família.

Recorde-se que Karina Carvalho, afirmou no dia 11 de Outubro de 2018, em Lisboa, que existe “uma liderança clara” por parte do Presidente de Angola, João Lourenço, contra a corrupção.

“Independentemente daquilo que cada um de nós possa pensar sobre o que são as concretizações do Presidente João Lourenço, apesar de tudo, existe uma liderança clara. É o líder da nação que está a assumir o combate à corrupção como uma das suas prioridades”, disse Karina Carvalho.

A directora-executiva da TIAC integrou na altura uma mesa-redonda “Angola: A Ética e ‘Compliance’ na Banca e no Sistema Financeiro Internacional”, que decorreu no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa.

A responsável da TIAC – que integra a Transparency International — saudou a luta conduzida por João Lourenço que considerou fundamental para uma maior concretização ética em Angola.

“O facto de existir alguém – o líder da nação – que elenca isso como absolutamente estratégico é importante para a mudança e para a transformação rumo a uma concretização mais ética daquilo que é a (…) vida das pessoas e das empresas e organizações em Angola”, disse.

Ainda assim, mostrou algumas reservas quanto à atitude: “Acho que isso não se faz sem um objectivo”, declarou.

Karina Carvalho lembrou que, embora o Governo e o Estado sejam fundamentais, estes “não podem fazer tudo”, o que leva a que, por vezes, as próprias instituições públicas possam fugir dos regulamentos.

“Muitas vezes há um desfasamento entre aquilo que está estruturado e pensado, que é a regulamentação, a lei, o decreto-lei, o normativo e a forma como isso é apropriado, por exemplo, pelas instituições públicas”, disse a responsável da associação, acreditando que, além dos guias e regulamentos, é necessária também a liderança.

Na altura o Folha 8 perguntou a João Paula Batalha, presidente da organização, se esta era uma posição oficial da TIAC. Eis a resposta:

«A TIAC, em bom rigor, tem posições oficiais sobre a corrupção em Portugal (que é o país onde actuamos) e uma visão mais distanciada e instrumental sobre a corrupção em Angola – instrumental no sentido em que nos interessam as relações Portugal-Angola (como nos interessam as relações de Portugal com outros países com riscos de corrupção), não imiscuir-nos nos assuntos angolanos, onde há ONG, jornalistas e sociedade civil capacitada para liderar esse debate público.

Não somos uma ONG angolana e não actuamos no país – acrescento até que o povo angolano já tem sofrido o suficiente com o contributo de pretensos “especialistas” portugueses sobre a realidade do seu país. É por isso, aliás, que participamos e estamos a dinamizar uma rede de activistas e ONG de vários países de língua portuguesa para nos focarmos em preocupações comuns e contribuir para capacitar o debate público nos vários países onde os membros desta rede informal estão presentes, com total autonomia e sem interferências externas.

Dito isto, a Karina Carvalho, quando participa em eventos em nome da Transparência e Integridade (como o de ontem no ISCTE), fala naturalmente em nome da associação. Não estive no evento de ontem, que era sobre compliance no sector privado no contexto angolano, onde ela falou da necessidade e importância de haver liderança clara para combater a corrupção e capacitar os mecanismos (legais e institucionais) de compliance, ética e combate à corrupção.

Do meu ponto de vista (que é concordante com o da Karina Carvalho), João Lourenço está sem dúvida a liderar um combate contra a corrupção – no sentido objectivo em que está a sanear das instituições públicas muitas figuras sobre as quais recaem suspeitas fundadas de corrupção e está a permitir que a Justiça actue contra pessoas (incluindo do círculo familiar e próximo de José Eduardo dos Santos) que até aqui eram intocáveis.

Quanto à Transparência e Integridade, continua por saber-se se João Lourenço fará a outra parte de um combate estrutural contra a corrupção, que é fortalecer o Estado de Direito e capacitar as instituições democráticas – nomeadamente, e acima de tudo, afirmando uma real independência e despolitização do poder judicial e uma eficaz supervisão parlamentar sobre o poder executivo. Se não o fizer, o risco evidente é trocar uma elite corrupta leal a José Eduardo dos Santos por outra, porventura leal ao próprio João Lourenço. A vontade de perseguir os grandes corruptos é animadora, mas são necessárias reformas de Estado que não podem ser adiadas.

João Lourenço e o seu Governo vão a tempo de fazê-las, se perceberem que o verdadeiro combate contra a corrupção exige instituições capacitadas, transparentes, prestadoras de boas contas aos cidadãos e que respondam às exigências e expectativas da sociedade. É esse o teste que se coloca ao Governo e à liderança de João Lourenço e que, no limite, confirmará ou frustrará as expectativas que o seu Governo gerou entre o povo angolano e a comunidade internacional.»

Folha 8 com Lusa

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One Thought to “Montanha do MPLA só pariu um rato”

  1. Observador

    O joao lourenco e o culpado ele armour se em esperto, no fundo ele e VAMPIRO PROTECTOR dos ASSALTANTES . O povo deve fazer o que o povo Russo fez ,sairam em massa para demostrar o seu DESCONTENTAMENTO GERAL.
    Ca comigo estou fora do jogo qualquer situacao a gente iremos a PANCADA.

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