Mais uma arbitrariedade comum nos regimes despóticos

O jornalista Francisco Rasgado, de 64 anos, foi preso, cerca das 14h58, sem motivo por ordem do juiz António José Santana, que assinou um mandado de detenção, por (suposta) não comparência a uma sessão de julgamento, no dia 21.04, da qual não foi notificado.

Doutrinariamente, no excesso de zelo e demonstração de força poderia ser expedido um mandado de coacção, que significa ir com polícias até ao tribunal e depois regressar em liberdade e nunca ficar em detenção.

A Lei 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares, nos n. 1, 2, do art. 8, diz:

“1. Fora do flagrante delito, a detenção só é permitida quando houver razões suficientes para crer que a pessoa a deter não se apresentaria voluntária e espontaneamente perante autoridade judiciária, no prazo que lhe fosse fixado.
2. A detenção a que se refere o número anterior é efectuada mediante mandado do magistrado público na fase de instrução preparatória e pelo juiz da causa, nas restantes fases”.

Como vimos, os pressupostos do atrás exposto, não se aplicam no caso de Francisco Rasgado, salvo para satisfazer a vaidade umbilical judicial de arbitrariedade.

No n. 9, quanto aos requisitos para a expedição do Mandado de Detenção este é peremptório.

1. Os mandados de detenção são passados em triplicado e devem conter, sob pena de nulidade, o seguinte:
a) A identificação da pessoa a deter, com a menção do nome e, se possível, da residência e mais elementos, que possam identificá-la e facilitar a detenção;
b) A identificação e a assinatura da autoridade competente;
c) A indicação do facto que motivou a detenção e a sua fundamentação legal.

Como se pode verificar, não existe no Mandado de Detenção, os factos nem a fundamentação, pelo que configura uma prisão arbitrária para satisfazer o ego do juiz, que não tem em conta um princípio basilar da doutrina do direito: A liberdade é a regra, a prisão a excepção”.

Infelizmente, muitos magistrados fazem da prisão a regra e da liberdade a excepção.

Com mais esta prisão, depois do confisco de órgãos plurais e do encerramento de mais três plataformas televisivas, temos o caboucar da ditadura a consolidar-se.

É hora dos jornalistas se unirem, denunciando esta podridão que atenta contra a liberdade de imprensa e a democracia, sob pena de, com o silêncio e omissão, sermos cúmplices dos MAUS.

Mesmo sabendo que o regime do MPLA considera os Jornalistas (não confundir com assalariados e outros mercenários que se lambuzam na gamela do Poder) cidadãos de segunda (o que é, apesar do perigo, um privilégio distintivo daqueles catalogados oficialmente como de primeira), é nosso direito constitucional o que está sintetizado como princípio de igualdade, plasmado no art.º 23 da Constituição da República de Angola. Ou seja, que “todos são iguais perante a Constituição e a Lei”.

Na prática, quando a Constituição é republicana mas o regime é monárquico, como é o caso, há sempre uns que são mais iguais do que outros. Mesmo assim, urge denunciar que só em regimes despóticos, mesmo que maquilhados como acontece com o do MPLA, os cidadãos são culpados até prova em contrário. Um ténue vislumbre de democracia e de Estado de Direito apontaria logo para que, até prova em contrário, todos somos inocentes. Os Jornalistas não são excepção.

Embora assinado por um “juiz”, o mandado em causa é o embrulho criado para enganar os incautos e, quiçá, dar cumprimento a uma qualquer ordem superior. Por outras palavras, o embrulho diz “olhai para o que dizemos” (Angola ser um Estado de Direito Democrático), enquanto o conteúdo esclarece “que o que fazemos é outra coisa” (somos déspotas).

Assim sendo, e assim é, o regime reage ao que os Jornalistas afirmam (“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique”, afirmou George Orwell) fazendo uso das suas monárquicas regras. Ou seja, os Jornalistas podem ter a força da razão, mas as sucursais (judiciais e outras) do regime têm a razão da força.

Ao dispor do regime está uma imensa panóplia de crimes passível de ser usada de acordo com as conveniências. E quando lhes falta originalidade julgam o mesmo caso as vezes que derem jeito.

O cidadão interroga-se se é possível ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo “crime”. Numa democracia, num Estado de Direito, não é possível. Mas Angola não é nem uma nem outra coisa, muito menos as duas. Por isso, o cidadão será julgado tantas vezes quantas o regime quiser, por tudo e por nada, como estabelece a “sui generis” regra de que, por cá, até prova em contrário todos somos culpados.

No entanto, aqui (mas não só) estamos preparados para continuar a lutar por princípios que têm valor mas não têm preço, mantendo a esperança (e a ingenuidade) de que a um dia sejamos independentes e, nessa altura, sejamos de facto todos iguais.

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