A Assembleia Nacional aprovou hoje, por unanimidade, a proposta de Lei sobre o envio de Contingentes Militares e Paramilitares Angolanos para o exterior do país, diploma legal que não existia até agora no ordenamento jurídico angolano, mas que nunca foi factor impeditivo da saída dos militares. A referida proposta de lei foi aprovada com 181 votos a favor do MPLA, UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA.
A UNITA (maior partido da oposição que o MPLA ainda permite que exista) justificou o seu voto favorável por entender que a lei serve para “balizar, pôr fim a comportamentos ilegais e provocadores derivados da arbitrariedade de intrometer-se em assuntos alheios” e que causaram “danos irreparáveis à imagem do país”.
Segundo o deputado da UNITA, Joaquim Nafoia, “o país mais do que nunca precisa de aprimorar e aprofundar as relações de boa vizinhança e de proximidade com os outros povos do mundo, sempre na perspectiva de vantagens mútuas sem conflitualidades”.
“O grupo parlamentar da UNITA votou a favor por entender que a partir deste instrumento, o Executivo deve primar pela criação de condições que salvaguardem o tempo de permanência dos soldados, sargentos e oficiais em missões de serviço no exterior do país, bem como oferecer a garantia de estabilidade social das suas famílias”, frisou.
Por sua vez, o deputado da CASA-CE, André Mendes de Carvalho “Miau”, esclareceu o voto favorável da sua bancada parlamentar, argumentando que a lei contém todos os pressupostos necessários para aprovação, destacando que esclarece as situações de operações de paz, nas suas várias vertentes, humanitárias e missões decorrentes dos compromissos internacionais.
“No que toca aos princípios também nos satisfaz, embora com a alínea e) temos alguma dificuldade, quando se fala em coexistência pacífica entre militares, paramilitares, população em geral e profissionais humanitários. Se se envia um contingente militar para fora é para ir dirimir conflitos e não fica assim bem entendida esta questão da coexistência pacífica”, alertou o deputado, acrescentando que este aspecto não afectou o sentido de voto.
André Mendes de Carvalho “Miau” expressou satisfação pelo facto de a lei conferir a competência de autorização de saída de militares e paramilitares ao exterior do país à Assembleia Nacional, sob solicitação do Presidente da República, na qualidade de comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas.
Já para o caso de envio de militares e paramilitares a título individual no âmbito de compromissos internacionais assumidos pelo Estado, o Presidente da República não necessita de informar a Assembleia Nacional.
O diploma estabelece normas e princípios a observar, nomeadamente o respeito dos direitos humanos (que são assiduamente desrespeitados no próprio país), a reciprocidade de vantagens, a cooperação para a paz, justiça e progresso da humanidade, respeito da soberania dos outros Estados e a coexistência pacífica entre militares, paramilitares, população e profissionais humanitários.
Do ponto de vista oficial quando os militares angolanos estão noutros países isso é apenas para dar instruções ou, inclusive, ajudar as velhinhas a atravessar a estrada.
Já no dia 21 de Abril de 2016, o então ministro das Relações Exteriores, Georges Chikoti, negava que tropas angolanas tivessem tido qualquer acção em conflitos em países africanos, como a RD Congo, ou o Congo, ou a Costa do Marfim, ou a Líbia.
Georges Chikoti respondia na altura a uma declaração expressa no Parlamento pelo deputado da UNITA, Raul Danda, durante o debate do projecto de resolução (aprovado por unanimidade) que aprova a ratificação, pelo Presidente de Angola, do Pacto de Não-Agressão e Defesa Comum da União Africana.
Segundo o deputado, a ratificação por Angola desse documento devia ser aplaudida, porque guerra e agressão “não são boas para ninguém”.
Raul Danda sublinhou que “depois das amargas experiências na República do Congo-Brazzaville, na República Democrática do Congo, Costa do Marfim e sabe Deus mais aonde”, essa “tendência internacionalista herdada de internacionalismos ficasse mesmo no passado”.
E a intervenção, recorde-se, desagradou ao deputado Roberto de Almeida, do MPLA, que lamentou o facto de Raul Danda reiteradamente apontar a intervenção de Angola na Costa do Marfim.
Segundo Roberto de Almeida, isto nunca se verificou, mas a insistente obstinação do seu colega “em colocar tropas na Costa do Marfim é tempo de se parar”. “Acho que não há razões para se insistir numa coisa que ninguém viu, ninguém prova e não aconteceu”, disse Roberto de Almeida.
O chefe da diplomacia angolana sublinhou que “Angola nunca teve tropas na Costa do Marfim, mas tem uma cooperação nas áreas de defesa e segurança com a RD Congo, com a Zâmbia, Namíbia e com vários países”.
“E naquela altura houve de facto esse tipo de intervenções, mas hoje por exemplo acompanhamos a questão do conflito no leste da RD Congo não só no âmbito da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, mas como também em conjunto com a Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral”, referiu o ministro.
Costa do Marfim, sim ou não? Sim!
Em Abril de 2011 as autoridades angolanas mantiveram discretos contactos com a França destinados à entrega de um grupo de militares angolanos que foram capturados por soldados franceses, em Abidjan, momentos antes da detenção do ex-Presidente Marfinense, Laurent Gbagdo.
Os contactos coincidiram com a deslocação a Luanda de um enviado especial de Alassane Ouattara que tinha a mesma tarefa. Os contactos que Angola manteve com as duas partes (militares de Alassane Ouattara e franceses), deveu-se ao facto de as mesmas quererem “negociar” os seus prisioneiros em função dos seus interesses.
A pressa com que o regime angolano tratou do resgate dos seus soldados feitos prisioneiros naquele país deveu-se aos crescentes embaraços para a imagem externa de Angola, mas também para evitar que no julgamento de Larent Gbagdo pelo Tribunal Penal Internacional viesse à baila o nome do Presidente José Eduardo dos Santos, sendo equacionado que se tal acontecesse Eduardo dos Santos poderia ser associado a “crimes de guerra e contra a humanidade” pelo envolvimento dos soldados angolanos no conflito.
O contingente militar angolano na Costa do Marfim, (segundo a Revista “Jeune Afrique”) foi comandado pelo coronel Vítor Manena da UGP que tinha a missão de apoiar a guarnição do antigo Presidente Laurent Gbagdo. A figura do ex-regime marfinense que fazia a ligação com Angola era Cadet Bertin, o ex-conselheiro especial para Defesa e Segurança de Laurent Gbagdo. Na altura da captura do ex-presidente, o mesmo encontrava se em Luanda em “missão de trabalho”.
Já em 2003 o governo angolano tinha ajudado o conflito militar naquele país através do envio de tropas. Na altura as autoridades negavam o seu envolvimento mas anos mais tarde altos dirigentes angolanos admitiram que a estabilidade na Costa do Marfim, deveu-se à “intervenção militar angolana”.
O regime angolano tinha um sentimento de gratidão a Laurent Gbagdo por ter sido a figura que após assumir o poder, na Costa do Marfim, ajudou no desmantelamento das redes de influência da UNITA de Jonas Savimbi naquele país que eram inicialmente apoiadas pelo falecido “pai da nação”, Félix Houphouët Boigny, que tinha como primeiro-ministro, Alassane Dramane Outtarra.
Líbia – um caso (ainda) por esclarecer
Oficiais angolanos, supostamente a pedido oficial do então presidente Líbia, Muammar Kadhafi, e, por isso, não enquadráveis na designação de mercenários, estariam em Tripoli para tentar manter o regime. Isto em 2011.
Embora também tenham seguido para a Líbia militares de infantaria, o contingente angolano terá tido apenas uma missão de coordenação e comando das operações que foram levadas a cabo pelos milhares de mercenários oriundos de vários países africanos, mas não só.
Assim, ao lado de mercenários ucranianos, também pilotos angolanos terão estado a servir o que restava da Força Aérea da Líbia que já na altura assistia à deserção de muitos dos seus militares.
Entre outros, os Mirage F1 líbios estavam a atacar as zonas hostis da rebelião, tendo ao comando sobretudo estrangeiros para quem o povo não passava de mais um alvo, posição que não foi aceite pelos pilotos líbios.
Apesar de os pilotos angolanos serem especialistas em aviões de combate de outro tipo, caso dos MIG-23, MIG-21 e o Sukkoi 27, não tiveram dificuldade em pilotar outras aeronaves. Além disso, esteve em aberto a possibilidade de fazer deslocar para a Líbia alguns dos aparelhos angolanos.
Fontes angolanas admitiram na altura que os militares que já estavam na Líbia, bem como outros que iam a caminho, estariam baseados em países vizinhos de Angola, numa estratégia preparada em conjunto por Luanda e Tripoli.
As forças leais a Muammar Kadhafi, com predominância para os mercenários, pareciam ter assegurado o controlo de Tripoli, e preparavam uma forte ofensiva, sobretudo sustentada na força aérea, contra alguns dos bastiões do interior que tinham sido conquistados pela oposição.
No leste da Líbia, onde o poder passara para as mãos da oposição, os revoltosos garantiam que se não fosse o apoio dos mercenários, “sobretudo africanos”, Tripoli já estaria em seu poder.
Apesar de as forças que se opunham a Kadhafi controlarem toda a zona costeira oriental do país, região onde se concentrava a maior parte da riqueza petrolífera, observadores internacionais temiam que ao passar a Força Aérea para as mãos dos mercenários, Kadhafi estaria a equacionar uma política de terra queimada que passaria pelo bombardeamento das estruturas petrolíferas.
Apesar de ter conscientemente um exército fraco, facto que evitaria um golpe militar, Kadhafi depositava confiança na sua Força Aérea, entendendo-a não só como fiel mas também eficaz no contexto do país.
Perante as deserções, algumas com os próprios aviões, Kadhafi accionou o seu plano B que passou pela compra de um forte contingente paramilitar e pelo recrutamento de mercenário, todos pagos a peso de ouro.
Folha 8 com Lusa