Jornalistas sim, jornaleiros não!

O Governo do MPLA, que está no poder em Angola há pouco tempo (apenas há… 45 anos), lançou hoje a consulta pública, durante um mês, de dois anteprojectos legislativos, para adequação do pacote legislativo da Comunicação Social ao contexto actual e aos novos desafios que se colocam ao sector (cuja esmagadora maioria está na mão do Estado/MPLA) e aos jornalistas, uma espécie quase em vias de extinção.

Trata-se da proposta de Lei das Rádios Comunitárias e da proposta de Lei das Sondagens e Inquéritos de Opinião, e que vêm complementar o pacote legislativo da comunicação social, composto pelas Leis de Imprensa, de Televisão, de Radiodifusão, da Entidade Reguladora da Comunicação Social, do Estatuto do Jornalista, da Lei da Publicidade, aprovadas em 2016.

Segundo o secretário de Estado da Comunicação Social de Angola, Nuno Caldas Albino, passados cerca de cinco anos afigura-se oportuno adequar o pacote legislativo do sector ao contexto actual e aos desafios que se colocam à comunicação social e aos jornalistas.

O governante salientou que os dois anteprojectos vêm dar resposta aos anseios dos cidadãos e a um conjunto de preocupações relativas à dinâmica económica, social e política que vigora no país.

O governante frisou que a consulta pública tem como propósito e objectivos recolher o maior número possível de opiniões e contribuições, desde o lançamento da consulta hoje até ao dia 24 de Março, seguido da divulgação do relatório no dia 31 de Março deste ano, podendo o prazo ser prorrogado por mais 15 ou 30 dias em caso de necessidade. Importante será, com certeza, a consulta ao público que, a pedido do Governo, está a aprender a viver sem comer e que são cerca de 20 milhões de angolanos.

“Pretendemos que a consulta pública seja encarada como um mecanismo de transparência do poder público ao colocar em discussão com a sociedade geral e a classe de jornalistas em especial, visões e questões de interesse para a melhoria e elevação da comunicação social”, frisou.

As contribuições poderão ser feitas através por via electrónica, através do endereço www.consultapublica.gov.ao, por meio de auscultação, entre 12 e 14 de Março, de associações socioprofissionais, parceiros, jornalistas e interessados na sociedade civil, e por último, por contribuições individuais de qualquer cidadão, jornalista em especial ou interessado, remetida directamente ao Ministério das Telecomunicações, Tecnologia de Informação e Comunicação Social em suporte papel, em envelope fechado e identificado.

A consulta de âmbito nacional será levada a cabo nas províncias pelos gabinetes de comunicação social.

Na apresentação técnica da proposta, o jurista Albano Pedro Sebastião, da Comissão de Revisão e Ajustamento do Pacote Legislativo do Sector da Comunicação Social, disse que a revisão do pacote foi estabelecida com base em dois princípios basilares, nomeadamente a harmonização constitucional de toda a legislação do sector e com as normas de direito internacional público, relativo ao exercício do direito de comunicação e de imprensa.

“Para o processo de legislação em curso teremos de atender às declarações da União Africana em matéria de legislação do sector da Comunicação Social e às recomendações da UNESCO, que em grande parte incidem, sobretudo, naquilo que vai ser a novidade a ser lançada neste pacote legislativo, que é o da Lei das Rádios Comunitárias”, disse.

De acordo com Albano Pedro Sebastião, a comissão estabeleceu sete princípios para a elaboração deste mesmo pacote legislativo, que resumidamente estão atinentes à necessidade de promoção de maior espaço para o exercício de liberdade de imprensa, “o que quer dizer que há uma grande preocupação em dosear as sanções e as penalidades aplicadas no exercício da liberdade de imprensa, de modo a encorajar a proliferação da notícia, da informação, no exercício dessa mesma actividade”.

“Também levamos em conta um princípio que recomenda maior concorrência entre os agentes, órgãos e serviços do sector da comunicação social, atendendo à recomendação do programa do executivo sobre a diversificação da economia, que para este desiderato o sector da comunicação social não podia estar alheio”, salientou.

O jurista sublinhou que estes princípios devem facilitar os processos de legalização e formalização de serviços, órgãos do sector da comunicação social, destacando ainda questões sobre a necessidade de se reduzir a carga sancionatória que continha o pacote legislativo, ponderando-se a necessidade de se viabilizarem sanções de natureza patrimonial em detrimento ou reduzindo a incidência das sanções de natureza penal.

Na sua intervenção, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, disse que o processo representa um factor de democratização legislativa, de pendor participativo, para mobilizar as melhores soluções normativas que se ajustem à política da comunicação social aberta, progressiva e adequada aos desafios nos novos tempos.

“Correspondendo aos apelos do Presidente da República para uma comunicação social aberta e uma ampla promoção dos exercícios das liberdades de expressão, comunicação e imprensa”, referiu o ministro. Como paradigma da democraticidade governativa registe-se que, como sempre, não poderia faltar a referência ao Presidente da República.

Carnaval (seja onde for) é sempre que o MPLA quiser!

No dia 28 de Outubro de 2019, o Presidente João Lourenço nomeou Nuno dos Anjos Caldas Albino “Nuno Carnaval” ministro da Comunicação Social, em substituição de Aníbal João da Silva Melo. “Nuno Carnaval” era deputado do MPLA (partido no poder desde 1975), licenciado em gestão de empresas e presidente da 7ª comissão parlamentar (Cultura, Assuntos Religiosos, Comunicação Social, Juventude e Desportos). Nesse dia, este ex-apaniguado de José Eduardo dos Santos, descobriu que os jornais diários se publicam todos os… dias.

Na era de João Melo, o “Ministério da Comunicação Social é o órgão do Governo encarregue de organizar e controlar a execução da política nacional do domínio da informação, e tem as seguintes atribuições:

a) Auxiliar o Governo da realização da política nacional da informação;
b) Organizar e manter um serviço informativo de interesse público;
c) Tutelar a actividade da área da comunicação social;
d) Licenciar o exercício da actividade de radiodifusão e televisão;
e) Proceder ao registo das empresas jornalísticas e de publicidade, bem como dos programas de radiodifusão sonora e televisão, para efeitos estatísticos, de defesa da concorrência e direitos de autor;
f) Autorizar o exercício, em território nacional da actividade de correspondente de imprensa estrangeira e informar o Governo sobre a forma como a profissão é exercida;
g) Promover a divulgação das actividades oficiais utilizando para tal a imprensa, conferências, radiodifusão, televisão e outros meios disponíveis;
h) Desempenhar outras tarefas superiormente acometidas decorrentes da actividade própria que lhe é inerente.”

Na altura, o Folha 8 interrogou-se se seria diferente na era de “Nuno Carnaval”. E concluímos: Não, mesmo considerando que ele, como todos os deputados do MPLA, é um perito em quase tudo, ou em tudo quase.

Em Novembro de 2018, segundo “Nuno Carnaval”, o Executivo estava a adoptar um conjunto de medidas para reduzir a inflação, diminuir o impacto da crise económica e financeira e propiciar o desenvolvimento do país.

“Nuno Carnaval” falava durante um debate sobre “Angola 2017-2022, desafios e perspectivas políticas, económicas e sociais”, promovido pela Oficina do Conhecimento, na Mediateca Zé Dú, em Luanda.

Referiu que existe uma “visão, serenidade e atitude” para que o Executivo reduza o nível de inflação e, com ela, minimizar a crise, com base nos programas e acções em curso, nos mais variados domínios. O deputado disse que as medidas estendiam-se, entre outras, no aumento da produção interna não petrolífera, gerando mais emprego para os jovens.

Como mentiu bem, a recompensa chegou com a passagem para ministro da Comunicação Social. Aí o tivemos a dizer que jornais diários são publicados todos os dias, que os hebdomadários têm uma periodicidade semanal, que os jornais se lêem da esquerda para a direita etc..

A comprovar a acertada escolha de João Lourenço, recorde-se que em 7 de Maio de 2016, o deputado (hoje secretário de Estado da Comunicação Social) “Nuno Carnaval” afirmou no Bailundo que a consolidação da paz dependia da participação patriótica e construtiva dos angolanos, independentemente das convicções partidárias e do credo religioso.

“A nação não se constrói de um dia para o outro e nem tão pouco é um fenómeno, faz-se com espírito patriótico, cívico e amor ao próximo”, enfatizou “Nuno Carnaval”, quando falava na campanha de exaltação e divulgação dos feitos – registe-se – do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, promovida pelo Movimento Nacional Espontâneo (MNE), na vila municipal do Bailundo.

“Nuno Carnaval” instou, por esta razão, a população do Bailundo a cerrar fileiras em torno da preservação da paz, visando a promoção do desenvolvimento sustentável da localidade e do país, em geral, tendo em conta as orientações do Presidente João Lourenço, perdão, José Eduardo dos Santos, baseadas na melhoria da qualidade de vida e do bem-estar dos angolanos.

Referiu também que a paz constitui um direito do povo angolano, que, por sua vez, merece viver num país com estabilidade política (MPLA no poder há 45 anos), para prosseguir com o desenvolvimento e seu bem-estar económico e social, aproveitando a criatividade dos jovens para factos positivos que possam contribuir e dar continuidade as aspirações do povo angolano.

Mas, na verdade, há muito que “Nuno Carnaval” queria fazer a cama a João Melo. Também não era difícil. Em declarações ao Jornal de Angola, o presidente da Comissão de Cultura, Assuntos Religiosos, Comunicação Social, Juventude e Desportos, assegurou em Março de 2019 que o Parlamento ia continuar a trabalhar para a melhoria da comunicação social no país.

“Nuno Carnaval” adiantou que o Parlamento tinha um programa específico para o referido sector. “Vamos visitar os órgãos públicos e privados e o Ministério da Comunicação Social. Vamos priorizar os órgãos públicos por serem estes que têm mais problemas”, afirmou.

Se um dia destes “Nuno Carnaval” disser que o MPLA vai proibir que os agricultores plantem as couves com a raiz para cima, Lá vamos ver João Lourenço a nomeá-lo ministro da Agricultura.

Em Janeiro de 2019 o Governo garantia que a “reorganização” do sector da comunicação social, para “reduzir incompatibilidades e dupla efectividade”, era um processo “delicado” mas que ia “continuar”, apesar das divergências entre jornalistas e administrações das empresas públicas de comunicação.

“O ministério (da Comunicação Social) olha para isto com naturalidade, decorre de um processo que está a ser conduzido pelo ministério, de reorganização no âmbito do lema geral da governação que é melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, disse, em Luanda, Celso Malavoloneke, então secretário de Estado da Comunicação Social de Angola.

O processo, referiu o governante, “está a ser conduzido pelos conselhos de administração dos órgãos públicos” e “obedecendo a orientações estratégicas do ministério estão a trabalhar no sentido de reduzir as incompatibilidades”.

“E reduzir também situações de dupla efectividade e duplo vínculo”, asseverou Celso Malavoloneke.

A temática da redução de incompatibilidades, dupla efectividade e duplo vínculo no seio dos órgãos públicos angolanos, decorria por entre algumas críticas manifestadas por jornalistas de órgãos públicos e reconhecidas pelo Governo.

De acordo com o então secretário de Estado da Comunicação Social, o órgão que representa “promove, apoia e encoraja” o processo, “fundamentalmente”, explicou, por duas razões, nomeadamente “ética e deontológica”.

Porque, observou, o “duplo vínculo é uma situação que conduz, na maior parte das vezes, em conflitos de interesse dos jornalistas”, mas também pela “taxa de desemprego de jornalistas muito grande” que o país apresenta. “E acreditamos que a redução da dupla efectividade cria condições para que haja maior oferta de empregos (…)”, salientou.

Questionado sobre a realidade das incompatibilidades a serem corrigidas, Malavolokene sublinhou que ainda existem “algumas” nos órgãos de comunicação social públicos, resultantes, apontou, da “carência de legislação” para tratar esta matéria.

E “um pouco também, porque, havia uma certa permissividade em relação a alguns jornalistas, eventualmente, considerados estrelas e, mais ou menos, intocáveis que exerciam a prática sem que tivesse uma acção correctiva, que estamos agora a realizar”.

Falando aos jornalistas, no final da cerimónia de apresentação pública de um novo projecto da Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola, financiado pela União Europeia, o governante adiantou ser “natural” que as pessoas visadas se sintam “desconfortáveis”.

“Porque isso acaba redundando numa eventual diminuição de rendimentos e isto não deixa ninguém feliz, estamos conscientes que este é um processo que exige o devido tratamento e tem a sua delicadeza”, acrescentou.

Mi(ni)stério de Comunicação Social

Este problema, como muitos outros, está em que os “macacos” estão em galhos trocados. Por exemplo, em Agosto de 2018 foi anunciado que o Ministério da Comunicação Social “vai coordenar a acção da criação de um núcleo, de aproximadamente 150 activistas, que vão efectuar visitas casa a casa, para sensibilizar as famílias residentes nos arredores da lagoa da Kilunda, no âmbito do programa de prevenção e combate à cólera”. Como qualquer cego via, esta era mesmo uma missão para a equipa de João Melo e companhia.

O Ministério dirigido por João Melo tinha na altura muito pouco para fazer na sua área. Só faltou mesmo ver o Ministério da Saúde “a coordenar a acção da criação de um núcleo” para tratar da saúde à ERCA e ensinar alguns escribas a contarem até 12 sem terem de se descalçar.

A informação foi, afirmou na altura a Angop, passada pelo secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malavoloneke, no final de uma visita interministerial realizada à lagoa da Kilunda, comuna da Funda, no Cacuaco, para avaliar as condições de saneamento e meios existentes naquela região, depois de um teste positivo da água com vibrião colérico.

Na verdade, reconhecemos, a equipa de João Melo esteve (neste caso) no seu meio natural – o saneamento. Por outras palavras, na falta dele. Aliás, tudo quanto tenha a ver com a falta de higiene (sobretudo moral) é o ambiente propício ao desenvolvimento da… comunicação social do Estado/MPLA.

Oh (mano) Celsinho!

Um jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional, era também o que o Ministério da Comunicação Social pretendia para Angola. A tese (adaptada do tempo de partido único para a era de único partido) foi de Celso Malavoloneke.

Convenhamos, desde logo, que só a própria existência de um ministério da Comunicação Social era reveladora da enormíssima distância a que estávamos (e estamos) das democracias e dos Estados de Direito.

Mas, afinal, quem é o secretário de Estado, ou o ministro, ou o próprio Titular do Poder Executivo para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotismo, na ética e na deontológica profissional”?

Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotismo” dos jornalistas, ou a sua ética e deontologia? Ou (permitam-nos a candura da nossa ingenuidade) com outros protagonistas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotismo, ética e deontologia eram sinónimos exclusivos de MPLA?

Para alcançar tal desiderato, Celso Malavoloneke (poderia muito bem ser, embora com menor qualidade, Nuno Carnaval) informou que o Ministério da Comunicação Social (hoje apenas Secretaria de Estado) iria prestar uma atenção especial na formação e qualificação dos jornalistas, para que estes estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo.

Como se vê o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalistas para que eles, atente-se, “estejam aptos para corresponder às expectativas do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalistas mas meros propagandistas ao serviço do Governo, não defraudando as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular.

Celso Malavoloneke lembrou que o Presidente João Lourenço, no seu discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicação Social e aos jornalistas, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologia, verdade e patriotismo. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretários de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminhas que o Presidente exige.

Nós por cá vamos continuar a (tentar) dar voz a quem a não tem. Para nós a verdade é a melhor forma de patriotismo. E a verdade não está sujeita às “leis” do MPLA/Estado.

Vamos, em síntese, estar apenas preocupados com as pessoas a quem devemos prestar conta: os leitores. Se calha não seremos tão patrióticos como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos. E, é claro, não temos culpa de a maioria dos imbecis e criminosos, para além de corruptos, estar no MPLA.

Artigos Relacionados

Leave a Comment