Glorificar Neto é como glorificar Hitler

No dia 13 de Maio de 2014 o Jornal de Angola (do MPLA) acusava Jonas Savimbi de ter reduzido “Angola a pó”, dizendo que “homenagear em Angola um herói do apartheid é de uma violência inusitada. É um atentado de morte à reconciliação nacional. É igual a glorificar Hitler ou negar o Holocausto”. O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto é hoje assinalado. Quanto a Agostinho Neto, continua (ainda) a ser o herói nacional do… MPLA.

Por Orlando Castro

João Gomes Cravinho, ministro português da Defesa, é um perito de longa tradição socialista e certamente merecedor de um doutoramento “honoris causa” pelo MPLA. Por alguma razão ele comparou, em Novembro de 2005, em entrevista ao Expresso, Jonas Savimbi (que tinha morrido três anos antes) a Hitler.

Alguém disse que quem está sempre a falar do passado deve perder um olho. Será esse o destino de quem, como nós, não se cansa de falar de um passado que, nesta circunstância, tem 45 anos? É possível que sim.

Conforta-nos, contudo, o facto de que esse mesmo alguém terá acrescentado que quem se esquecer do passado deve perder os dois olhos.

As vítimas dos massacres do 27 de Maio de 1977 merecem que, se necessário, percamos os dois olhos e até mesmo a vida como, aliás, esteve perto de acontecer por diversas vezes a muitos de nós.

Acreditamos, contudo, que haverá quem como nós (conhecemos alguns) está disposto a ficar cego ou a chocar definitivamente com uma bala para que os culpados sejam julgados.

Já não se trata de descobrir a verdade. Trata-se de a assumir e, dessa forma, se fazer as pazes com a nossa identidade, com a nossa história, com o nosso Povo e ter a hombridade de olhar os familiares das vítimas, de olhar a verdade e rogar humildemente o seu perdão.

Enquanto isso não acontecer nem os mortos terão paz e nem os vivos merecerão caminhar num país em que, na verdade, o infinito tem tonalidades de sangue e o horizonte cheira a dor.

Para compreender o que se passou no dia 27 de Maio de 1977 e, sobretudo o que se passou depois desse dia, não basta ter o conhecimento da situação criada por um litígio que opôs então duas alas rivais do MPLA, de um lado os Netitas, capitaneados por Lúcio Barreto de Lara e do outro, os Nitistas, liderados por Alves Bernardo Nito Alves, que idolatrava Agostinho Neto (seu pecado capital) e era um guerrilheiro autodidacta do marxismo-leninismo.

Não tenhamos medo das palavras que, como sempre, são a alma da verdade. Por esta razão, não se pode tentar tapar com uma peneira o maior genocídio levado a cabo no século passado por uma força política no poder, contra militantes do seu próprio partido, o MPLA, cujo crime foi o de reivindicar, em sede própria, um maior pragmatismo ideológico na condução dos destinos da então República Popular de Angola. Ademais, estamos em face de um fenómeno que saía das fronteiras angolanas.

Na realidade, depois dos horrores praticados por Adolph Hitler e dos seus serviços de segurança, a Gestapo, na II Guerra Mundial, a DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola) de Angola, protagonizou a maior chacina ocorrida no século XX em África, com a mui benévola colaboração intervencionista do partido no poder, o MPLA, e das tropas mercenárias cubanas

Esta é a verdade! Dói?

Dói, com certeza. Mas não tenhamos dúvidas. Só ela cura, só ela pode curar, as muitas feridas que hoje – mesmo de forma anónima – vagueiam como aterradores fantasmas nas mentes de todos nós. Ou de quase todos nós.

Os números oficiosos, baseados nas prisões arbitrárias, na quantidade de presos em campos de concentração, nas múltiplas cadeias, nos fuzilamentos diários, nos enterrados vivos, nos jogados de avião ou lançados ao mar, são aterradores: 60 ou mesmo 80 mil vítimas, na sua maioria intelectuais jovens brutalmente assassinados sem direito a qualquer tipo de defesa.

Assassinados porque queriam o melhor para o seu país, porque acreditavam que dizer o que pensavam ser o melhor para o Povo era o melhor predicado que se exigia a cada angolano, a cada um de nós. Enganaram-se. Passou-se uma autêntica “limpeza da intelectualidade autóctone”. Mas, apesar da sanha criminosa dos seus algozes, há sempre quem consiga sobreviver, há sempre quem consiga resistir. Hoje, aqui, somos a prova disso.

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