A economia de Angola, gerida há 45 anos pelo MPLA, passou a fazer parte dos 42 países analisados em pormenor pelo Instituto Financeiro Internacional (IFI), o órgão representativo dos credores privados, e é um dos três países com mais dívida para pagar este ano. Recorde-se a tese fundamental do MPLA: Os investidores entram com o dinheiro e o MPLA entra com a experiência. No fim, os investidores ficam a experiência e o MPLA com o dinheiro. Isto enquanto os credores não obrigarem o país a abrir… falência.
“Mais de 190 mil milhões de dólares [160 mil milhões de euros] em títulos de dívida dos mercados de fronteira vão atingir a maturidade durante este ano, dos quais 35% são em moeda estrangeira, e em 2022 os pagamentos finais deverão aumentar para 200 mil milhões de dólares [quase 170 mil milhões de euros], com Angola, Nigéria e Paquistão a enfrentarem largos pagamentos antes do final de 2021”, lê-se na primeira análise aos Mercados de Fronteira (MF) que inclui Angola.
No documento, enviado aos investidores privados, os economistas do IFI escrevem que “apesar de as relações com os investidores e a prática de transparência dos dados em muitos mercados emergentes ter melhorado significativamente na última década, as estatísticas sectoriais da dívida continuam incompletas para a maioria dos MF”.
Por outro lado, acrescentam, “a ausência de transparência sobre o nível e a composição da dívida pública e privada pode fazer os investidores serem cépticos, ao passo que a ausência de uma base de dados abrangente sobre a dívida continua a ser um obstáculo para os decisores políticos quando procuram identificar os riscos”.
Para tentar disponibilizar mais informação aos credores privados, que têm um papel fundamental na resolução da crise da dívida das economias mais vulneráveis, entre as quais se contam as principais economias dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), o IFI disse aos credores que “a nova base de dados passou de 30 para 42 países e incorpora todos os 22 países que são elegíveis para a Iniciativa Comum para o tratamento da dívida para além da Iniciativa para a Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) e também os que emitiram dívida soberana em moeda estrangeira (Eurobonds).
A DSSI é uma iniciativa lançada pelo G20 em Abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até Dezembro de 2020, que foi depois prolongado até Junho deste ano e que vários observadores defendem que deve ser alargada até 2022.
Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do sector privado, ao passo que o Enquadramento Comum, aprovado pelo G20 em Novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.
O pedido de adesão a este Enquadramento foi feito, até agora, pelo Chade, Etiópia e Zâmbia, agitou os investidores e originou várias descidas no rating atribuído pelas agências de notação financeira, já que antecipam perdas para os investidores privados.
A proposta apresentada pelo G20 e Clube de Paris em Novembro é a segunda fase da DSSI, lançada em Abril, e que foi bastante criticada por não obrigar os privados a participarem do esforço, já que abriria caminho a que os países endividados não pagassem aos credores oficiais e bilaterais (países e instituições multilaterais financeiras) e continuassem a servir a dívida privada.
Este Enquadramento pretende trazer todos os agentes da dívida para o terreno, incluindo os bancos privados e públicos da China, que se tornaram os maiores credores dos governos dos países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos.
O Instituto Financeiro Internacional
O Instituto Financeiro Internacional (IFI), é uma associação que representa os credores da dívida a nível mundial e defendeu o adiamento dos pagamentos dos países mais pobres, abrindo assim margem orçamental para o combate à Covid-19.
Numa carta enviada em Abril de 2020 às principais instituições financeiras multilaterais, a associação que representa mais de 450 instituições financeiras defende um adiamento do pagamento da dívida soberana e dos juros dos empréstimos contraídos pelos países em desenvolvimento e dos mais pobres, estimada em 140 mil milhões de dólares (127,8 mil milhões de euros), mas não menciona qualquer perdão de dívida.
Na terceira de cinco recomendações para os países, a IFI escreve que “os credores bilaterais oficiais devem comprometer-se, mediante um pedido específico do devedor soberano, a tolerar o incumprimento financeiro do pagamento para os mais pobres e mais vulneráveis países significativamente afectados pela Covid-19 e turbulência económica relacionada por um determinado período de tempo, por exemplo seis meses ou até ao final do ano, sem anular a obrigação de pagamento”.
O quarto ponto incide apenas sobre os “credores privados e outros credores internacionais incluindo os fundos soberanos” e mantém o mesmo teor: adiar os pagamentos dos juros e da dívida por um tempo a determinar, consoante assim seja requerido pelos países.
A carta enviada ao Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Clube de Paris e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico respondia assim positivamente aos pedidos feitos não só pelo próprio FMI e Banco Mundial, mas também pelos ministros das Finanças africanos, que defenderam um perdão de dívida em função da pandemia da Covid-19, particularmente em África.
“Referenciando os países elegíveis para assistência da Associação para o Desenvolvimento Internacional, estimamos que cerca de 140 mil milhões de dólares em dívida pública sejam devidos este ano” (2020), lê-se na missiva, que reconhece que “para os países vulneráveis que agora enfrentam desafios agudos de saúde e humanitários, servir e gerir estas obrigações será praticamente impossível”.
Além do adiamento do pagamento da dívida, os credores internacionais defendem que os países devem aprofundar o financiamento concessional multilateral, ou seja, os empréstimos concedidos por instituições como o FMI, o Banco Africano de Desenvolvimento ou o Banco Mundial, que praticam taxas mais baixas que a banca comercial.
Por outro lado, sugerem também aos países accionistas destas instituições que “concordem em aumentar os recursos das multilaterais para usar ao máximo o financiamento concessional”, assim aumentando a capacidade financeira de intervenção destas instituições nos países em dificuldades.
A carta dos credores às instituições financeiras mundiais surgiu na mesma altura em que as previsões para a evolução do continente africano apontavam para uma recessão ou um crescimento muito próximo do zero, com a maioria dos países a ver o seu crescimento cortado significativamente devido à propagação da pandemia da Covid-19 e ao esforço financeiro que as medidas de contenção implicam para o Estado e para os cidadãos.
Folha 8 com Lusa