ESTEVE PERTO, MAS NÃO ULTRAPASSOU OS… 100%!

O presidente do MPLA (partido no Poder há 46 anos) e chefe de Estado angolano (não nominalmente eleito) e também Titular do Poder Executivo, João Lourenço, foi esta sexta-feira reeleito com 98,04% dos votos, conquistando 2.610 delegados num universo de 2.662 votantes. Foi um excelente resultado que arrasou toda a concorrência… que não houve.

Ao contrário do que é prática do MPLA nos simulacros eleitorais no país, não se concretizou – embora por pouco – a estratégia de João Lourenço ultrapassar os 100% de votos.

De acordo com os números divulgados esta sexta-feira entre os 2.965 delegados ao VIII Congresso do MPLA, partido do poder em Angola desde 1975, foram validados 2.662 boletins, dos quais 2.610 com votos a favor. Foram também contabilizados 33 votos contra, 13 abstenções, quatro votos nulos e dois em branco, em votação secreta.

Os resultados foram apresentados pelo coordenador da comissão eleitoral, Francisco Queirós, também ministro da Justiça, no último dia do congresso e saudados efusivamente num Centro de Conferência de Belas “vestido” de vermelho e amarelo, com acenos de balões, apitos e gritos de “JLO”, e algumas vaias aos votos contra.

João Lourenço, que também é (para além de proprietário do país) chefe do executivo angolano, foi o único candidato aprovado ao congresso, não tendo sido aceite a candidatura do militante António Venâncio.

A comissão eleitoral considerou que o processo eleitoral decorreu de acordo com os estatutos e regulamentos de partido e de forma justa e transparente, realçou Francisco Queirós.

Durante a jornada foram também aprovados os nomes para o Comité Central. Com 2.655 delegados votantes, foram considerados válidos 2.644 votos, dos quais 2.466 a favor, 97 contra e 40 abstenções.

O novo Comité Central sai assim mais jovem, com uma proposta de 35% de jovens, com idades entre 18 e 35 anos.

O congresso do MPLA termina este sábado, com um acto de massas para comemorar o 65.º aniversário do partido, a realizar no estádio nacional 11 de Novembro.

Em 2018, no discurso de encerramento do VI Congresso Extraordinário do MPLA, João Lourenço citou duas vezes o nome de José Eduardo dos Santos. A primeira foi quando iniciou a intervenção e formalmente se dirigiu ao “Camarada Presidente José Eduardo dos Santos”.

Depois disse: «Saúdo também o Camarada José Eduardo dos Santos, por ter dedicado toda uma vida à causa do nosso Partido e da Nação, numa conjuntura difícil da chamada guerra fria, com a ameaça constante do regime do apartheid.

“Neste momento em que deixa a política activa, os militantes do MPLA e o povo angolano em geral guardarão para sempre na sua memória a imagem do estadista que, entre outros feitos, trouxe a tão almejada paz definitiva, o perdão e a reconciliação nacional entre irmãos antes desavindos.

Os actos de homenagem que vêm decorrendo um pouco por todo o país são, exactamente, a manifestação de gratidão dos angolanos ao Arquitecto da Paz.»

Para um “filho” que foi, unilateral e pessoalmente, escolhido pelo “pai” José Eduardo dos Santos, pareceu pouco. Mas foi certamente mais do que João Lourenço queria e menos do que esperavam os acólitos de Dos Santos que pensam, mas poucos dizem, que João Lourenço estava a cuspir no prato que, entre muitas outras benesses, lhe deu comida.

Teoricamente reformador, empiricamente absolutista (ou seja, despótico, tirano, autocrata), João Lourenço deixou nessa altura de ser Presidente de todos os angolanos para ser Presidente de todos os angolanos… do MPLA, e passou a tentar mostrar que, embora seja “filho” de um jacaré, é vegetariano (por parte da “mãe” jacaré).

Essa tentativa incluiu a imolação de alvos familiares e bajuladores do anterior Presidente da República, esquecendo até que se tinha comprometido pela sua honra (a honra “made in” MPLA tem um significado “sui generis”) a um “código de ética” que excluiria acções revanchistas contra o clã (em sentido lato) de José Eduardo dos Santos.

João Lourenço seguiu, aliás, os mesmos passos que os seus antecessores no fortalecimento da tese de que “o MPLA é Angola e Angola é do MPLA”. Até agora, e já lá vão 46 anos, tem sido assim.

João Lourenço retirou (sem qualquer racionalidade económica, financeira ou empresarial) vários negócios e cargos aos filhos de Eduardo dos Santos, mas também a outras figuras próximas. Muitas das suas exonerações revelam um acerto de contas pessoal, criminalizando todos aqueles que tenham ligações familiares directas e Eduardo dos Santos.

João Manuel Gonçalves Lourenço construiu o que é, o que se sabe que tem, o que se pensa que tem, alimentado e educado pelo MPLA/Estado, sob as orientações de José Eduardo dos Santos.

Pouco antes da proclamação da independência angolana, feita em Luanda, pelo MPLA, e no Huambo pela UNITA e FNLA, a 11 de Novembro de 1975, João Lourenço iniciava a carreira militar (e toda a sua excelsa formação política e patriótica) nas fileiras das FAPLA.

Com José Eduardo dos Santos a anunciar a intenção de deixar o poder com o fim do conflito armado (2002), João Lourenço posicionou-se na corrida à sucessão, o que lhe valeu uma longa travessia no deserto, depois de o então Presidente decidir manter-se no poder. Começou aí a germinar um acerto de contas, ora consumado, até porque a vingança serve-se gelada mas sempre com um sorriso e um salamaleque.

A reabilitação política aconteceu em Abril de 2014, quando é nomeado, obviamente pelo “pai” José Eduardo dos Santos, para ministro da Defesa Nacional, culminado com a eleição, em congresso, em Agosto de 2016, como vice-presidente do MPLA, antecedendo a sua entrada, por proposta pessoal de Dos Santos, na corrida eleitoral para chefe de Estado angolano como cabeça-de-lista do MPLA.

Onde andou ele nos últimos anos? Só chegou agora? Não. Sempre foi um homem do sistema, do regime, de José Eduardo dos Santos:

1984 – 1987: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial do Moxico; 1987 – 1990: 1º Secretário do Comité Provincial do MPLA e Governador Provincial de Benguela; 1984 – 1992: Deputado na Assembleia do Povo; 1990 – 1992: Chefe da Direcção Politica Nacional das FAPLA; 1992 – 1997: Secretário da Informação do MPLA; 1993 – 1998: Presidente do Grupo Parlamentar do MPLA; 1998 – 2003: Secretário-geral do MPLA; 1998 – 2003: Presidente da Comissão Constitucional; Membro da Comissão Permanente; Presidente da Bancada Parlamentar; 2003 – 2014: 1º Vice-presidente da Assembleia Nacional.

“Precisamos ao mesmo tempo de neutralizar ou reduzir a influência nefasta dos que apenas se preocupam em servir a si mesmos, descurando a necessidade da defesa do bem comum”, disse João Lourenço por ocasião do 42º aniversário da independência de Angola.

Tudo leva a crer que terá acrescentado, como o fez durante 38 anos José Eduardo dos Santos, “olhai para o que eu digo e não para o que faço”.

De facto, agora como Presidente de tudo, como dono de tudo, João Lourenço continua a sua missão de continuar a trabalhar para os poucos que têm milhões (onde passarão a estar alguns dos seus novos acólitos), esquecendo os milhões que têm pouco… ou nada.

Folha 8 com Lusa

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