Espanha está atenta a África e elegeu como prioritários um conjunto de cinco países, entre os quais Angola, que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, visita no próximo dia 7, disse o embaixador daquele país em Luanda, Manuel Ruigómez (foto).
A última visita de um chefe de estado espanhol a Angola aconteceu em 1991, quando Felipe González liderava o governo espanhol, e chegou a estar prevista a vinda de Mariano Rajoy em Março de 2018, mas a deslocação acabou por ser cancelada devido à situação política na Catalunha.
Com a visita de Pedro Sánchez, que inicia em Angola um curto roteiro que vai passar também pelo Senegal, Espanha quer destacar a crescente importância de África na sua política externa e mostrar-se disponível para apoiar o desenvolvimento dos países africanos através do investimento.
“Espanha está a olhar com mais intensidade para África e aprovou há dois anos um novo plano em que África ganha mais importância na política exterior”, salientou Manuel Hernández Ruigoméz em declarações à Agência Lusa, destacando que Angola é um dos cinco países prioritários nesta estratégia, juntamente com a África do Sul, Nigéria, Etiópia e Senegal.
O diplomata lembrou que Angola tem atraído o interesse de Espanha desde que conquistou a independência, em 1975, e o primeiro-ministro castelhano à época Adolfo Suarez, chegou a encontrar-se com o seu homólogo angolano, Lopo do Nascimento, em 1976, em Madrid.
Desde então, a relação entre os dois países tem sido “sempre forte e intensa”, realçou, considerando que o futuro de África depende do seu desenvolvimento e que os europeus “deve estar próximos dos seus vizinhos do Sul” para que “juntos”, possam contribuir para o progresso daquele continente.
Espanha tem tido até agora uma política externa mais direccionada para a América Latina, já que este é o continente mais próximo do ponto de vista histórico e cultural, mas Ruigómez defende uma maior aproximação europeia a África onde subsistem problemas que devem ser acautelados, como a imigração e a pobreza.
“Penso que Espanha, tal como Portugal, devem prestar mais atenção a estes problemas. Estamos juntos no mundo, como se vê agora com a pandemia, que ignora as fronteiras. Esta é a nossa fronteira sul e devemos cuidá-la”, assinalou o embaixador.
Para Ruigómez, as soluções para que os países africanos ultrapassem o subdesenvolvimento passam pelo investimento.
“Por isso, achamos que fomentando o investimento das nossas empresas e dos nossos investidores públicos e privados podemos ajudar a sair Angola e outros países de uma situação económica difícil”, salientou.
O diplomata elogiou igualmente o (suposto) combate à corrupção levado a cabo pelo chefe do executivo angolano, João Lourenço, desde que chegou à presidência (sem te sido nominalmente eleito), em 2017, que considerou “muito importante” para facilitar a vinda de investidores espanhóis.
Também essenciais são outras iniciativas como os pacotes legislativos que o governo e a Assembleia Nacional têm vindo a aprovar no domínio da facilitação dos negócios, apontou, lamentando que a pandemia esteja a travar os intercâmbios entre os países.
Neste contexto, a Associação Industrial Angolana (AIA) espera que o Governo angolano “encoraje” o Governo espanhol a “olhar para economia real”, no âmbito da visita de Pedro Sánchez, pedindo “proactividade” a Portugal “para não ser ultrapassado”.
Para o presidente da AIA, José Severino, que falava hoje à Lusa a propósito da visita que o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchéz, fará a Angola nos próximos dias 7 e 8, as pequenas empresas, que compõem grande parte do mosaico empresarial angolano, “não devem ser marginalizadas”.
“Infelizmente, quando vêm essas visitas ao mais alto nível os negócios já estão estipulados, já sabem quais são os corredores, já se sabem quem são os parceiros e é muito difícil depois a economia real penetrar”, afirma José Severino.
O presidente da AIA, que enaltece o relacionamento do embaixador espanhol em Angola com as associações empresariais, considera que Espanha, com o seu `know-how`, “pode fazer boa cooperação com Angola”, desejando que a visita de Sánchez “não seja uma grande frustração” para o pequeno empresário.
“Estas visitas ao mais alto nível são sempre uma grande frustração, a minha esperança é que desta vez isso não aconteça, porque mobilizam-se empresários, criam-se boas vontades e depois quando a gente vai a espremer só ficou a parra e não há uva”, notou.
“Infelizmente é esse o ambiente dessas grandes visitas, o que é natural, nenhum primeiro-ministro, um chefe do Governo, se desloca a um outro país com quem que cooperar sem ter já as coisas alinhadas e não vale a pena estarmos a pensar de outra forma”, afirmou.
Espanha é um dos maiores fornecedores de bens a Angola, sobretudo produtos da indústria alimentar.
O também economista recorda que 90% do tecido empresarial angolano é constituído por micro, pequenas e médias empresas e “é importante que os espanhóis olhem também para este segmento” e “não apenas para interesses estratégicos que são a razão da vinda de Pedro Sánchez a Angola”.
“E, naturalmente, é preciso que o Governo consiga encorajar o governo espanhol a olhar para economia real. Os espanhóis vêm fazer agricultura? Não acredito. Tem de haver muita perspicácia para encontrar filões a serem explorados”, defendeu.
O líder da AIA aponta o sector do “downstream” dos petróleos (transporte e distribuição de combustíveis) como uma área em que os espanhóis “deveriam apostar”.
Mas, observa, é preciso “muita perspicácia e boa vontade dos dois titulares executivos para encontrar formas de não virem aqui só para fazerem grandes negócios como infra-estruturas, parcerias público privadas, petróleos, gás e o resto ficar marginalizado”.
Para o líder da AIA tudo depende da capacidade de interacção dos dois titulares dos governos, para que a economia real não fique marginalizada.
José Severino entende também que a visita de Pedro Sánchez a Angola “deve alertar o governo português” no sentido de “ser mais proactivo”, e não defender apenas grandes interesses, no sentido de “não ser ultrapassado” por Espanha no domínio da competitividade em Angola.
Em Angola “há alguns interesses espanhóis, ainda poucos, e Portugal “pode muito bem trabalhar nas infra-estruturas que é uma forma indirecta de apoiar a economia real”.
Espanha “já teve projectos no rio Bengo, pode fazer as parcerias público-privadas no domínio da energia fotovoltaica, Espanha tem grande capacidade nesse domínio, trabalhar nas infra-estruturas, são negócios com o Estado, mas nós apanhamos boleia”, sugeriu.
“Agora Portugal tem de se mexer, se não o primeiro-ministro espanhol ultrapassa António Costa porque isso é competitividade, digo isso não com o sentido de beliscar seja quem for, mas o que interessa é que Portugal também reaja e venha, há quanto tempo é que Portugal não vem a Angola?”, questionou.
“É importante que o nosso Governo esteja aberto à cooperação internacional, mas isto não anda sem economia real”, reforçou.
O presidente João Lourenço, ao tomar posse em 2017, aludiu à relação prioritária que pretendia estabelecer com vários países, incluindo a Espanha, e convidou na altura os investidores espanhóis a participarem no processo de diversificação económica e privatizações que pretendia implementar.
Na altura convidou mesmo para uma visita cuja data foi marcada para 25 e 26 de Março de 2018 o então primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, que teve de cancelar à última hora a deslocação devido à situação política na Catalunha.
O chefe do executivo espanhol da altura tinha previsto levar a Luanda uma importante delegação de empresários dos mais diversos sectores, com relevo particular para a energia, água, telecomunicações, transportes, indústria e turismo.
Recorde-se que numa altura de tensão diplomática com Portugal, João Lourenço decidiu que Angola não participaria na cimeira empresarial luso-angolana, que estava agendada para 27 de Março de 2018, em Lisboa, alegando que nessa mesma semana iria receber o presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy.
Como sempre, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, explicou que o adiamento se deveu a uma questão de agenda. Com Manuel Vicente a rir-se à grande e à…. Portuguesa, ficou a saber-se que a cimeira aconteceria quando o MPLA quisesse e se quisesse. Para desbloquear a atolada agenda do Executivo de João Lourenço era apenas necessário que Manuel Vicente fosse considerado um herói em… Portugal.
Estava, portanto, tudo na mão dos bajuladores portugueses. Embora o MPLA saiba desde sempre o nível dessa bajulação, queria mais, queria muito mais. Politicamente quase todos os partidos lusos já estavam na altura de cócoras. O Governo português (este como os anteriores) também estava. O Presidente da República era (como continua a ser) o exemplo acabado disso e já não tinha espaço para estar mais agachado. Só faltavam os juízes. Mas a resistência acabaria e, breve.
Como se sabe e como, aliás, já aqui foi escrito, Marcelo Rebelo de Sousa é o político português mais habilitado (a par do primeiro-ministro António Costa) para não só cimentar como também alargar as relações de bajulação e servilismo com o regime de Angola. Marcelo sabe que – do ponto de vista oficial – Angola (ainda) é do MPLA, e que o MPLA (ainda) é Angola. Portanto…
Angola é um dos países lusófonos com a maior taxa de mortalidade infantil e materna e de gravidez na adolescência, segundo as Nações Unidas. Mas se isso pouco interessa a João Lourenço, porque é que haveria de interessar a Marcelo Rebelo de Sousa ou a Pedro Sánchez?
Aliás, muitos dos angolanos (70% da população vive na miséria) que raramente sabem o que é uma refeição, podem alimentar-se com o facto de assistirem por diversas vezes, ao vivo e a cores, ao beija-mão de Marcelo Rebelo de Sousa ao novo “querido líder”, João Lourenço.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe que o anterior presidente angolano esteve no poder durante 38 anos sem ter sido nominalmente eleito, tal como sabe que o actual lá quer ficar também muitos e muitos anos. Mas isso pouco ou nada importa… pelo menos por enquanto.
Será que alguém vai perguntar a Marcelo Rebelo de Sousa (não faz sentido perguntar a Pedro Sánchez) o que pensa dessa farsa a que se chama democracia e Estado de Direito em Angola? Não. Basta ver que, mesmo antes de ser declarado vencedor das “eleições” do dia 23 de Agosto de 2017, já João Lourenço era felicitado pelo Presidente da República de Portugal.
Folha 8 com Lusa
Foto: Lusa