ENGANEM-ME QUE EU (ATÉ) GOSTO!

O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, explicou aos jornalistas, em Berlim, não ter informado o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a rede de tráfico (diamantes, ouro e droga) envolvendo militares e civis em missões da ONU, na República Centro Africana, porque ele também não tinha conhecimento. Pelos vistos, tal como os maridos traídos, ser o último a saber é… pacífico.

O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, o Comandante Supremo das Forças Armadas.

O exercício dos poderes constitucionalmente atribuídos ao Presidente da República no âmbito da Defesa Nacional e enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, expressamente consagrados na Constituição da República (art. 120.º) e na Lei de Defesa Nacional (art. 10.º), traduzem responsabilidades específicas numa área de importância vital para o Estado português, compreendendo os seguintes direitos e deveres:

Dever de contribuir, no âmbito das suas competências constitucionais, para assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas;

Direito de ser informado pelo Governo acerca da situação das Forças Armadas;

Direito de ser previamente informado pelo Governo, através de comunicação fundamentada, sobre o emprego das Forças Armadas em missões que envolvam a colaboração com as forças e os serviços de segurança contra agressões ou ameaças transnacionais;

Direito de ser previamente informado pelo Primeiro-Ministro, através de comunicação fundamentada, sobre o emprego das Forças Armadas e de outras forças quando integradas numa força militar, em operações militares no exterior do território nacional;

Dever de aconselhar em privado o Governo acerca da condução da política de defesa nacional;

Direito de ocupar o primeiro lugar na hierarquia das Forças Armadas;

Consultar o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os Chefes do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea, em matérias de defesa nacional;

Conferir, por iniciativa própria, condecorações militares.

A defesa nacional tem por objectivos garantir a soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a protecção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas. A defesa nacional assegura ainda o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado no domínio militar, de acordo com o interesse nacional (Lei de Defesa Nacional art. 1.º).

As Forças Armadas asseguram, de acordo com a Constituição e as leis em vigor, a execução da componente militar da defesa nacional. Assim, constituem-se como Instituição estruturante do Estado, contribuindo de forma fundamental para o esforço de defesa, dentro e fora das nossas fronteiras físicas, através de missões em apoio da política externa do Estado português, de actividades regulares relativas às funções de soberania, ou ainda, no âmbito de missões de interesse público, cooperando com as forças e serviços de segurança e colaborando em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.

No plano externo, as actividades inerentes à designada “diplomacia de defesa” vêm assumindo um papel de reconhecida e crescente importância, onde o contributo das Forças Armadas tem constituído um pilar fundamental, em particular através do desempenho de missões humanitárias e de paz, e no âmbito da cooperação técnico-militar.

No plano interno, para além das missões de soberania e de interesse público, as Forças Armadas desenvolvem actividades nos domínios do ensino, da investigação e do desenvolvimento científico, cultural e económico, através de centros de excelência com créditos firmados.

Voltemos ao silêncio do ministro da Defesa

“Eu não informei porque não estava informado, portanto isso é um tema que será de ser tratado, mas num sítio próprio que é em território nacional”, revelou António Costa aos jornalistas.

Marcelo Rebelo de Sousa admitiu na terça-feira, na cidade de Praia, em Cabo Verde, não ter sido informado antes, pelo ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, do suposto envolvimento de militares no contrabando de diamantes a partir da República Centro Africana.

“O Presidente da República terá que dizer qual é a avaliação que tem de fazer sobre a matéria (…) a única coisa que eu posso confirmar é que eu também não informei o senhor Presidente da República pelo simples facto que eu também não estava informado”, adiantou o António Costa.

A Polícia Judiciária (PJ) confirmou em 8 de Novembro a execução de 100 mandados de busca e 10 detenções, incluindo de militares e ex-militares, no âmbito da Operação Miríade, na sequência de um inquérito dirigido pelo Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.

Em causa está a investigação a uma rede criminosa com ligações internacionais e que “se dedica a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafacção e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas”.

Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares e portugueses em missões na República Centro Africana podem ter sido utilizados como “correios” no tráfego de diamantes, adiantando que o caso foi reportado em Dezembro de 2019.

Quem nasce cravinho nunca chega a cravo

Em Maio deste ano, a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) de Portugal considerou que o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, “está a abrir várias linhas de guerra” e classificou como “ofensivas” as afirmações do governante sobre ex-chefes militares. Cravinho é o velho e querido assalariado do MPLA que, em entrevista ao jornal português Expresso, três anos depois da morte de Jonas Savimbi, disse que o fundador da UNITA foi “um monstro” e um “Hitler africano”.

Se lhe tivessem perguntado por Agostinho Neto, o genocida que mandou assassinar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977, Cravinho teria dito com certeza que foi um herói.

“O senhor ministro (João Gomes Cravinho) está a abrir várias linhas de guerra com que certamente não se irá sair muito bem”, declarou o presidente da AOFA, coronel António Mota, que participava numa conferência de imprensa da EUROMIL, organização europeia de associações e sindicatos militares.

Em causa estavam as declarações do ministro da Defesa Nacional de Portugal, antigo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, João Gomes Cravinho, que acusou ex-chefes militares de “manobras escusas” para “perpetuar a influência” nas Forças Armadas, declarando não se intimidar em relação às reformas legislativas em curso.

Quanto às declarações do governante socialista, António Mota disse que “para além de serem diárias, são cada vez mais ofensivas”, acrescentando que a associação não desce ao nível do ministro e que este “não tem sequer a mínima noção” do que é ser militar.

O presidente da AOFA insistiu que a reforma em causa, “para além de concentrar excessivamente o poder numa única pessoa”, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), estava baseada numa ideia defendida pelo ministro de “aproximar ou igualar Portugal àquilo que se passa nos restantes países da europa e da NATO”.

“Devolvendo as palavras ao senhor ministro, se aquilo que pretende para as Forças Armadas em termos de estrutura superior é aproximar ou igualar, como ele próprio diz, as Forças Armadas portuguesas às Forças Armadas europeias, designadamente às do norte da Europa, então terá de ter atenção a tudo, e portanto o pacote terá de ser completo”, reconhecendo às associações socioprofissionais portuguesas os mesmos direitos desses países, apontou.

Já o presidente da EUROMIL, Emmanuel Jacob, apelou ao Governo português para que oiça as associações e parceiros sociais neste processo.

Escusando-se a comentar em pormenor o conteúdo da reforma em causa, e ressalvando que numa negociação colectiva existem sempre limitações, o responsável defendeu que, “no mínimo”, os parceiros sociais devem ser ouvidos no processo, porque serão eles a executar as leis aprovadas no parlamento.

“As forças militares não se resumem a aviões, navios, tanques ou o que for, incluem também equipamento, pessoal, motivação e trabalho em conjunto”, acrescentou.

O executivo, na senda de tentativas similares por parte de outros Governos, em 2009 e 2014, pretende concentrar mais poderes e competências na figura do Chefe do Estado-Maior das FA (CEMGFA), designadamente em termos de comando operacional conjunto dos três ramos da FA (Marinha, Exército e Força Aérea).

Todos os antigos chefes militares (menos um), com o General Ramalho Eanes à cabeça, assinam uma carta contra a “cravinhada” reforma socialista das Forças Amadas que, dizem, são “ameaças veladas” e de “interesses” nos negócios da Defesa.

“É a primeira vez, em 47 anos de democracia que há uma manifestação de revolta desta dimensão entre as mais altas patentes militares na reforma, e que reflecte o mal-estar nas chefias, hierarquia e fileiras das Forças Armadas”, escreve o jornal Expresso. João Gomes Cravinho substituiu no cago outro craque da governação socialista, José Azeredo Lopes, este “envolvido” no processo judicial sobre o roubo de armas de Tancos.

João Gomes Cravinho é um perito de longa tradição socialista e certamente merecedor de um doutoramento “honoris causa” pelo MPLA. Por alguma razão este figurão comparou, em Novembro de 2005, em entrevista ao Expresso, Jonas Savimbi (que tinha morrido três anos antes) a Hitler.

No dia 18 de Janeiro de 2010, João Gomes Cravinho afirmou que o Governo português acompanhava com a «atenção normal» a situação na “província” angolana de Cabinda, defendendo que o importante era a detenção de responsáveis de ataques criminosos.

Não estava nada mal. Até parece que, para os donos do reino lusitano, falar de Cabinda ou de Zoundwéogo é exactamente a mesma coisa. Lisboa esqueceu-se, continua a esquecer-se, que os cabindas, tal como os angolanos, não têm culpa que as autoridades portugueses (grande parte delas do Partido Socialista) tenham, em 1975, varrido a porcaria para debaixo do tapete.

Tal como fez em relação a Jonas Savimbi depois de este ter morrido, Gomes Cravinho não tardará (provavelmente só está à espera que eles morram) a chamar Hitler, entre outros, a Raul Tati, Francisco Luemba, Belchior Lanso Tati, Jorge Casimiro Congo, Agostinho Chicaia, Martinho Nombo, Marcos Mavungo ou Raul Danda.

Folha 8 com Lusa

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