EMPRESAS LUSAS RESISTEM E PROMETEM MAIS

As empresas portuguesas resistem à crise, reinventando-se no mercado angolano, com um olhar optimista sobre o médio prazo, apostando nos resultados dos esforços do executivo para a diversificação da economia, disse à Lusa fonte da AICEP. Era o mesmo que diziam quando José Eduardo dos Santos estava no Poder. Tudo normal, portanto.

O delegado da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), em Angola, Miguel Fontoura, em entrevista à Lusa, coincidindo com a celebração do Dia de Portugal na Feira Internacional de Luanda (FILDA), traça uma perspectiva moderadamente optimista para os próximos dois anos e animadora no médio prazo.

As empresas olham com optimismo moderado os próximos dois anos, mas sobretudo o médio prazo, daqui a cinco, a dez anos. Angola está realmente a fazer um esforço de diversificação que vai dar frutos, agora isso não acontece de um dia para o outro”, destacou o responsável da AICEP. João Lourenço defende a mesma tese. Apesar de 46 anos no Poder, 20 dos quais em paz total, o MPLA necessita de mais 54 anos para atingir a velocidade de ponta.

Empresários nacionais e luso-angolanos estiveram recentemente com Marcelo Rebelo de Sousa, num jantar (sem qualquer indício partidário) que assinalou, no domingo, o final da sua passagem recente por Luanda, onde o Presidente português teve oportunidade de auscultar o sentimento do meio empresarial em Angola.

“Foi muito útil para o Presidente ter um retrato daquilo que são as dificuldades, os triunfos, as ansiedades e as perspectivas para o futuro”, observou Miguel Fontoura, realçando entre os principais pontos o facto de as empresas portuguesas continuarem “a acreditar no mercado” angolano e se terem reinventando e resistido, numa altura em que o país entra no sexto ano de recessão económica e, tal como o resto do mundo, ressente-se do impacto negativo da pandemia.

Entre as preocupações expressas pelos empresários estão a nova variante Ómicron, devido à incerteza que coloca em termos de circulação de pessoas, bem como as dificuldades de um mercado que “é muito promissor”, mas continua em ciclo recessivo.

Miguel Fontoura sublinhou que a AICEP tem apoiado as empresas, identificando oportunidades de negócio e promovendo parcerias com entidades angolanas e portuguesas, mas actuando também em conjunto com o Governo português na regularização de pagamentos atrasados.

O mesmo responsável salientou os esforços que têm sido feitos para “resolver caso a caso” estes problemas, garantindo que foram dados “passos de gigante” nos últimos três anos, com muitas empresas a recuperarem os seus créditos.

Também positiva tem sido a “normalização cambial” que dá “mais segurança às empresas”.

“O normal seria – e para lá caminhamos, creio – uma economia que tenha o kwanza convertível para que as transacções sejam feitas em kwanzas como poderiam ser feitas em francos suíços ou coroas suecas”, enfatizou Miguel Fontoura, sublinhando que “tecnicamente” não há questões que impeçam o repatriamento de lucros, embora possa haver “questões pontuais” relacionadas com a escassez de divisas.

O delegado da AICEP vê também com bons olhos o reforço da “solidariedade empresarial” e adiantou que, no jantar com Marcelo Rebelo de Sousa, foi lançada a ideia de criar um fórum informal de empresários para troca de experiências e abordagem de questões relevantes.

“Temos mais de mil empresas em Angola e muitos não se conhecem”, afirmou, anunciando que a AICEP pretende organizar, no próximo ano, caso haja alívio das restrições face à Covid-19, seminários de comércio e investimento no Huambo, Huíla e Benguela para promover contactos e aproximar os empresários.

“A ideia é nós, AICEP, levarmos empresas – que estejam cá e que queiram vir de Portugal – em coordenação com os governos provinciais, que irão também seleccionar empresários locais, para promover o ‘networking’ do qual podem nascer oportunidades de negócios e parcerias”, explicou, defendendo que as empresas devem olhar para fora de Luanda.

Este ano, a AICEP deu também “um passo à frente” e mobilizou a presença conjunta de uma dezena de empresas portuguesas no regresso da 36.ª edição da FILDA, depois da interrupção de 2020 e três adiamentos já este ano, por força da situação pandémica.

Portugal assegura este ano, a maior representação internacional no evento, que decorre até sábado, com empresas do sector da construção, agro-alimentar, indústria metalomecânica e tecnologias da informação e comunicação.

“Quisemos mostrar que é nos períodos difíceis que estamos presentes e em Angola, onde temos um interesse estratégico tão forte, não podíamos não estar presentes na FILDA”, reforçou.

Questionado sobre se os resultados compensam o investimento dos expositores, Miguel Fontoura assinalou que o retorno nem sempre é imediato.

“Trata-se de criar uma relação e alimentar essa relação, o que poderá vir a dar um negócio. Por vezes, pode acontecer na feira, mas a maior parte dos negócios não acontecem na FILDA. Conhecem-se as pessoas na FILDA, para estabelecer uma relação e depois assinar um contrato”, observou o delegado da AICEP em Angola.

Angola acelera, Portugal trava

O investimento angolano em Portugal era, em Junho deste ano, superior ao português em Angola em 241 milhões de euros, de acordo com dados do Banco de Portugal, divulgados pela AICEP. Amigos, amigos… negócios à parte.

Segundo os dados cedidos pela AICEP, o Investimento Directo Estrangeiro de Angola em Portugal (IDE) ascendia, em Junho deste ano, a 2.214 milhões de euros, face aos 1.973 milhões de euros de Investimento Directo Português no Estrangeiro (IDPE) em território angolano registados no mesmo mês.

O IDE tem-se mantido mais ou menos estável desde 2017, sendo que em Dezembro de 2019 totalizava 2.249 milhões de euros e um ano depois fixava-se nos 2.176 milhões de euros.

Já o IDPE registou uma queda assinalável nos últimos anos. Em Dezembro de 2017 ascendia a 4.547 milhões de euros e em 2020 já tinha descido para 1.944 milhões de euros.

No que diz respeito às exportações para Angola, os dados enviados pela AICEP, do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam para uma redução de 2,8% no primeiro semestre deste ano, em termos homólogos, tendo as importações caído por seu turno quase 78%, numa altura em que as trocas internacionais foram fortemente afectadas pela pandemia.

Nos últimos dez anos, muita coisa mudou nas relações entre empresários angolanos e portugueses, com os exemplos mais evidentes a serem a queda da influência de Isabel dos Santos, na sequência do Luanda Leaks, e as consequências do desaparecimento do Grupo Espírito Santo.

A década de 90 marcou a entrada dos bancos portugueses em Angola com a normalização do sistema financeiro do país, depois das nacionalizações pós-independência (1975).

Dos bancos que compõem o sector bancário angolano, cinco concentravam a maioria do mercado. Destes, dois tinham capitais de origem portuguesa: o Banco de Fomento Angola (BFA), de que o BPI é accionista, e o Banco Económico, antigo Banco Espírito Santo Angola (BESA), do grupo Espírito Santo, que acabou por ser arrastado na derrocada do grupo. O Novo Banco mantinha uma posição nesta instituição angolana, que é dominada pela Sonangol.

Estão ainda no país o BCP, através do Banco Millennium Angola (BMA) e a Caixa Geral de Depósitos, no Banco Caixa Geral, onde chegou a ter uma parceria com o Santander Totta, que vendeu a sua posição em 2015. Também o Montepio está presente através de uma participação, de 51% no Finibanco Angola.

A presença de Angola na banca portuguesa é mais recente e foi alvo de muitas mudanças nos últimos anos, depois do Luanda Leaks.

Em 2008, a Sonangol (petrolífera do MPLA, partido que está no Poder há 46 anos) comprou 9,99% do capital do BCP e, em 2009, foi vez da ‘holding’ Santoro (de Isabel dos Santos) entrar no BPI, ao adquirir 9,67% do capital do banco ao BCP. A Sonangol é o segundo principal accionista do BCP, com 19,49%.

No BPI, a Santoro vendeu a sua participação na OPA (Oferta Pública de Aquisição) do CaixaBank, em 2017.

Por sua vez, o BIC Portugal comprou o BPN por 40 milhões de euros ao Estado português, mas depois do Luanda Leaks, a instituição (agora EuroBic) anunciou que a empresária Isabel dos Santos iria abandonar a estrutura accionista do banco português, uma medida para “salvaguardar a confiança na instituição”, segundo a entidade financeira.

Já a relação da petrolífera “portuguesa”, Galp, com Angola remonta a 1982, dedicando-se à actividade de produção e exploração de petróleo.

Na área industrial, com ligações à energia, a posição de Isabel dos Santos na Efacec era, até ao ano passado, maioritária, mas acabou por ser nacionalizada pelo Governo depois da saída da empresária, devido ao Luanda Leaks e à incompetência estratégica do governo do MPLA para manter, como deveria, a empresa sob o seu controlo. Está agora em processo de reprivatização.

A presença mais emblemática de empresas portuguesas em Angola no sector da construção pertence à Mota-Engil. A empresa está no país desde a sua fundação, em 1946, mas tem vindo a reforçar e diversificar a sua presença nos últimos anos, acompanhando o desenvolvimento económico do mercado angolano.

A Mota-Engil Angola, a filial criada em 2010 pelo grupo para este país, conta com accionistas como a Sonangol (20%), sendo que o Estado angolano planeia vender esta posição.

A Teixeira Duarte é outra das construtoras portuguesas que marcam presença no mercado angolano. As dificuldades de empresas como a Soares da Costa, historicamente com grande presença em Angola, ditaram a redução dos interesses portugueses no mercado angolano, neste sector.

Folha 8 com Lusa

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