Tem um “padrinho na cozinha”? Se não, convém sempre ter um pouco de “gasosa” à mão, para pagar a quem possa facilitar o acesso a serviços públicos ou privados. Muitas vezes, quase sempre, a vida em Angola só funciona com corrupção. É assim há 46 anos. Se o poder corrompe, o poder total corrompe totalmente. Maioria no Parlamento? MPLA. Titular do Poder Executivo? MPLA. Presidente da República? MPLA. PGR? MPLA. Tribunais? MPLA…
“Padrinho na cozinha” é uma expressão corriqueira em Angola. O termo significa ter uma pessoa conhecida num determinado órgão da administração pública ou em instituições privadas, que possa ajudar o cidadão que tem que recorrer aos bens e serviços do Estado. O “padrinho”, a pessoa com o desejado grau de influência, pode ser o pai, tios, primos ou simplesmente um amigo. O que importa é que o padrinho esteja em condições de ajudar onde o Estado e as suas regras falham.
Quem não tem familiares ou amigos em posições cruciais, recorre a outros métodos, igualmente ilegais ou mesmo criminosos, para resolver os problemas do dia-a-dia. À “gasosa”, por exemplo. O termo tem origem nos pedidos de dinheiro por parte de funcionários públicos para pagar um refrigerante a troco de um “jeitinho”. Passou a ser usado também quando é o cidadão a aliciar o funcionário ou o agente através do suborno, uma vez que a iniciativa varia de situação para situação.
Para supostamente reforçar o combate à corrupção, Angola aderiu à Convenção Contra a Corrupção das Nações Unidas. Em 2010, o Parlamento angolano aprovou ainda a Lei da Probidade Pública. Mesmo assim, o fenómeno nunca esteve controlado. Continua por controlar. É genético no MPLA desde 1975. Se o poder corrompe, o poder total corrompe… totalmente.
O aumento dos casos de corrupção deve-se em parte também à escassez de instituições do Estado que prestam os serviços procurados pelos utentes. É normal cidadãos perderem muitas horas em intermináveis filas em repartições públicas para resolverem as suas situações.
Para responder a esta situação, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite que exista, a UNITA propôs, no princípio de 2016, a criação de uma Alta Autoridade Contra a Corrupção. O MPLA não quer, não deixa. Pudera!
No dia 8 de Julho de 2016, gestores de bancos angolanos defenderam o que se esperava que defendessem há décadas. Isto é, a necessidade cada vez maior de as instituições financeiras do país cumprirem com as regras internacionais de transparência e livrar Angola do alto índice de percepção sobre o verdadeiro ADN do regime, a corrupção.
A posição, recorde-se, foi marcada no VI Fórum da Banca, promovido pelo jornal Expansão, subordinado ao tema “Compliance em Angola”.
No painel dedicado ao tema da conferência, o então Presidente do Conselho Executivo do banco BAI e antigo governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, disse que havia ainda um esforço de aplicação plena do conjunto de normas e regras que o país devia seguir e de permanente actualização das mesmas.
Segundo José de Lima Massano, Angola não podia (não pode) “descansar” se quiser estar em linha com as recomendações e aquilo que é hoje entendido como “as melhores práticas”.
“Nós somos ainda, aos olhos destas organizações, entendidos como um país de alto risco, por vários motivos, por exemplo, o tema da corrupção, no índice de percepção da corrupção, da Transparência Internacional, Angola é considerado um país de alto risco. E essas instituições com tudo o que está aí a acontecer olham sempre para a nossa jurisdição com cautelas acrescidas”, referiu o gestor.
José de Lima Massano, depois Presidente do Banco Nacional de Angola, acrescentou como imperativo que Angola continue a registar avanços significativos nesta matéria ou terá “condições mais difíceis de exercer a actividade bancária”, num contexto em que a economia angolana “se relaciona com o exterior como um elemento quase que ainda de sobrevivência”.
Por sua vez, Emídio Pinheiro, presidente do Conselho Executivo do BFA, sublinhou o que também se sabe há muitos anos, ou seja que a imagem de Angola internacionalmente “é má”, o que considerou “um problema muito sério, porque é de percepções”.
“Isto não se resolve se não atribuirmos prioridade máxima, prioridade total”, frisou, acrescentando que a origem dos fundos “é onde os bancos têm que fazer um esforço maior com os seus clientes”.
“Porque é aqui que se despista um encobrimento de património, a fuga de impostos e é aqui que está presente a corrupção”, destacou Emídio Pinheiro.
Já a Administradora Executiva do banco angolano BIC, Graça Santos Pereira, disse que aquela instituição financeira tem feito muitas comunicações sobre operações suspeitas à Unidade de Informação Financeira de Angola e tem contas bloqueadas à ordem da Procuradoria-Geral da República. Estávamos em 2016, recorde-se.
“São coisas muito recentes, temos contas que estão já bloqueadas à ordem da Procuradoria e não sei o que lhes vai acontecer, mas se calhar não vai ser bem assim, não acontecer nada, é um processo muito recente”, avançou a gestora.
“Isto é um trabalho recente estamos a falar deste ano maioritariamente, mas temos contas bloqueadas à ordem da PGR há mais de seis meses. O desfecho, não sabemos, já tivemos umas bloqueadas e mandaram-nos desbloquear”, acrescentou Graça Santos Pereira.
Na abertura do fórum, pelo então ministro das Finanças, Armando Manuel, o governante considerou o encontro muito apropriado para o momento actual (2016) que Angola vivia, que era de fundamental importância que as instituições financeiras nacionais detenham, não apenas o conhecimento básico da legislação nacional e internacional, mas também o domínio das práticas e dos programas de ‘compliance’, para prevenir e detectar condutas ilegais.
“Enfatizo especialmente a imprescindibilidade das instituições financeiras nacionais deterem conhecimento e domínio da legislação e práticas estrangeiras, para que não sejam as entidades reguladoras de outros países a eventualmente indicar a necessidade de implementar este ou aquele reparo nas operações ou regulamentos envolvendo procedimentos financeiros a partir de Angola ou que tenham esta como destino”, disse o ministro.
A verdade é que, seja qual for a via, são muitas as instituições internacionais que canalizam avultados montantes para Angola, embora saibam que grande parte desse dinheiro se destina a alimentar, alimentando-as também, à corrupção.
Não faltaram organizações a colocar o reino de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos, a liderar o ranking mundial dos países mais corruptos. Não faltam hoje organizações a colocar o reino de sua majestade o rei João Lourenço a liderar o ranking mundial dos países mais corruptos E qual é o resultado? Nenhum. Desconta-se o dinheiro para a corrupção e siga a caravana.
Como se explica que nos últimos anos tenham sido gastos muitos mil milhões de dólares na construção ou reparação de estradas, de pontes e saneamento que, contudo, poucos anos depois estão em ruinas?
Esses elevados montantes deveriam chegar para que todas as províncias tivessem excelentes estradas capazes de durarem mais de 30 anos. Afinal duram meia dúzia de anos, quando duram. Mas, é claro, ninguém é responsabilizado por termos as mais caras e, ao mesmo tempo, piores estradas.
No entanto, importa dizê-lo sempre (o Folha 8 di-lo há muitos anos), que é fácil responsabilizar os responsáveis porque os gestores públicos são bem conhecidos, os que receberam orçamentos bilionários e fizeram obras descartáveis, e enriqueceram vertiginosamente as suas contas, ao ritmo que a população foi empobrecendo.
Por outras palavras, os gestores acólitos do regime entram com a sua experiência e os angolanos com o dinheiro. Findas as negociatas, os gestores ficam o dinheiro e os angolanos com a experiência.
Reconheça-se que, por exemplo, já em 2009 o presidente da UNITA, Isaías Samakuva, afirmava que Portugal se “tornou num destino seguro de fortunas desviadas do erário público angolano”.
Sobre a corrupção em Angola, o líder da UNITA disse nessa altura que as transferências de avultadas somas para Portugal são “para comprar até empresas falidas para branquear dinheiro roubado ao povo de Angola”.
É impossível branquear capitais? Alguém acredita?
Em Março de 2019, a chefe da divisão de Prevenção de Branqueamento de Capitais do Banco Nacional de Angola (BNA), Delmise Florentino, assumiu que algumas instituições bancárias angolanas ainda apresentavam “insuficiências” na prevenção de branqueamento de capitais, nomeadamente a “inexistência da declaração de origem e destino de fundos” e “matriz de risco não implementada”.
Não era, continua a não ser, caso para dizer que estamos num país de faz de conta. Mas, na verdade, qualquer crítico mais exacerbado não teria pejo em afirmar que tudo isto é um nojo, que tudo isto é nojento.
“Ainda prevalecem insuficiências no sistema de prevenção de branqueamento de capitais das instituições financeiras bancárias. Notamos que as instituições não têm mecanismos suficientes para avaliar e monitorar o risco do cliente”, disse a chefe da divisão de Prevenção de Branqueamento de Capitais do BNA, Delmise Florentino.
A responsável falava, em Luanda, durante a conferência sobre “Compliance: Custo ou Oportunidade”, tendo acrescentado que existem ainda “muitas instituições” que realizam transacções “sem a validação e conhecimento da área da ‘compliance‘”.
Em relação à inexistência de declaração de origem e destino de fundos, referiu que algumas instituições bancárias angolanas “ainda não fazem o uso desse mecanismo” e, as que fazem, apresentam “falta de documentos comprovativos da operação realizada”.
“Algumas instituições ainda não têm aplicativos informáticos implementados, outras têm o aplicativo, mas não geram os alertas necessários para fazer uma diligência eficaz e para também classificar o risco mediante o perfil transaccional”, salientou.
Delmise Florentino, que na conferência falou sobre a “Actuação da Supervisão às Instituições Financeiras Bancárias no âmbito da Prevenção de Branqueamento de Capitais”, sublinhou que existem ainda no sistema bancário angolano “diligências inadequadas”.
Ou seja, explicou, “há muitas situações em que instituições que têm na sua base de dados clientes de serviços ‘Private Banking’, organizações não-governamentais e outros clientes de risco, mas não fazem a adequada diligência”. “A nosso ver, é uma deficiência, porque a esses clientes deve ser feita uma diligência reforçada”, observou.
A chefe da divisão de Prevenção de Branqueamento de Capitais do BNA considerou também que as deficiências que ainda persistem nas instituições financeiras bancárias “estão interligadas com os desafios que a área de compliance tem enfrentado”.
Para a responsável, a “falta de autonomia” na gestão do processo de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo, a “escassez” de recursos técnicos, materiais e humanos e “fraco nível” de conhecimento técnico” são alguns dos desafios.
“Ética e Compliance”, “Boas Práticas e Normas de Funcionamento no Ambiente Empresarial” foram os temas que dominaram as discussões na conferência promovida pela Associação das Empresas Contratadas da Indústria Petrolífera Angolana (AECIPA) e a consultora PwC Angola.
Uma mesa redonda sobre a “Prevenção do Branqueamento de Capitais” que contou com a participação de especialistas em compliance das instituições financeiras bancárias angolanas foi igualmente realizada no decurso desta conferência.